Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO HOJE NO JORNAL FOLHA DE S. PAULO, INTITULADO JOBIM ENSINA COMO ALTERAR TERRA INDIGENA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO HOJE NO JORNAL FOLHA DE S. PAULO, INTITULADO JOBIM ENSINA COMO ALTERAR TERRA INDIGENA.
Publicação
Publicação no DSF de 31/01/1996 - Página 1083
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, CARTA, AUTORIA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DIVULGAÇÃO, DIRETRIZ, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), ALTERAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, MOTIVO, APROVAÇÃO, DECRETO FEDERAL.
  • PROTESTO, ORIENTAÇÃO, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PREJUIZO, INDIO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Folha de S.Paulo de hoje publica extensa matéria em que expõe o teor da carta do Ministro da Justiça ao Governador do Pará.

Para que conste dos Anais, vou ler parte dessa matéria, que diz:

      "Jobim ensina como alterar terras indígenas.

      Ministro da Justiça envia correspondência ao Governador do Pará indicando áreas que podem ser remarcadas.

      O Ministro da Justiça, Nelson Jobim, enviou uma carta ao Governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), listando 14 áreas indígenas que estão sujeitas a contestações administrativas.

Isso, em função da revisão do Decreto nº 22.

O documento é de 11 de janeiro, dois dias após a publicação no Diário Oficial do Decreto nº 1.775/96, que alterou as regras para o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas.

A medida revogou o decreto. A partir daí, é possível a contestação judicial já no momento da demarcação das terras, passando pelo próprio processo administrativo, no qual o Ministro da Justiça tem a palavra final sobre a contestação.

O que causa estranheza é que na carta, enviada dois dias após a publicação do Decreto que revogou o Decreto nº 22, o Ministro faz uma listagem, uma a uma, das áreas do Estado do Pará passíveis de redemarcação. O atual Ministro da Justiça atuou como defensor do Governo do Estado do Pará, na gestão do Governador Jader Barbalho, contra os índios e a favor do Estado - entre aspas, porque as terras dos índios são, em suma, do domínio do Estado, porque são do domínio da União. O Ministro mesmo disse que "essas áreas poderão ser redemarcadas" num aceno concreto de seu interesse em orientar, em direcionar, no caso, ação contrária aos interesses dos índios que têm áreas já foram demarcadas desde 1977, como é o caso de Mundurucu.

É estranho que o Ministro da Justiça tenha escrito essa carta, repito, no sentido de fazer valer as suas teses que foram derrotadas no Supremo Tribunal Federal quando advogou em favor do Governo Jader Barbalho. Sempre ouvi o ditado popular de que geralmente as pessoas costumam acenar com o chapéu dos outros. O Ministro da Justiça criou uma nova forma, que é a de acenar com o cocar dos outros; no caso, com o cocar dos índios. Assessorando indiretamente o Governador do Pará, S. Exª manda-lhe uma carta dizendo mais ou menos o seguinte: "Olha, em épocas passadas perdemos aquelas terras, mas agora a demarcação delas poderá ser revista porque existe um decreto que assegura nova divisão."

Não quero prejulgar o Ministro. Não tenho cópia da carta que ele enviou; estou-me referindo apenas à matéria que li no jornal. Mas, com certeza, o jornal não iria inventar a existência dessa carta, de que de fala com riqueza de detalhes.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar o meu protesto com relação a toda essa celeuma que se está criando em torno da demarcação de terras indígenas e dos problemas que advirão a partir da revisão do Decreto nº 22. A Funai não terá condição de processar toda a demanda, pois já tem um passivo bastante grande. Existe também celeuma em função de questões muito particulares, como é caso do conflito em Raposa Serra do Sol, que envolve o Estado de Roraima, e outros no Estado do Pará, em que o Ministro se envolveu anteriormente, advogando contrariamente aos interesses dos índios.

Na Câmara dos Deputados, na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, o Deputado Fernando Gabeira fez uma indagação inteligente ao Ministro Nelson Jobim. Em sua exposição, o Ministro dissera que estava preocupado e que considerava importante a revisão do Decreto nº 22, para que as demarcações fossem amparadas pela legalidade, já que estavam sendo feitas de forma ilegal porque não admitia o princípio do contraditório, o que deixava o processo de demarcação das terras indígenas bastante fragilizado. O que ele queria, portanto, era ajudar. O Deputado Gabeira disse que por mais que a intenção de S. Exª fosse a de ajudar, isso parecia não ocorrer, porque as entidades que defendem os índios não identificam no ato do Ministro os elementos que vão ajudar. No entanto, setores que sempre foram contrários à demarcação de terras indígenas e, portanto, são a favor da revisão, como latifundiários, madeireiros, mineradoras, estes, sim, estão aplaudindo o Decreto. Ou está havendo incompreensão por parte dos beneficiados e daqueles que supostamente seriam prejudicados - cada parte tem de ceder em alguma coisa -, ou então é preciso haver uma campanha de esclarecimento para que os índios e as entidades se convençam de que a revisão do decreto os beneficia.

Pela carta que o Ministro mandou ao Governo do Pará, parece-me que será beneficiado o lado contrário aos interesses indígenas.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/01/1996 - Página 1083