Discurso no Senado Federal

PRECARIEDADE DO TRANSPORTE AEREO CIVIL NO PAIS.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • PRECARIEDADE DO TRANSPORTE AEREO CIVIL NO PAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Júlio Campos, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/1996 - Página 3890
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • CRITICA, PREÇO, PASSAGEM AEREA, OBSOLESCENCIA, QUALIDADE, TRANSPORTE AEREO, PAIS.
  • DEFESA, REESTRUTURAÇÃO, DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL (DAC).

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a um assunto de que tratei na semana passada: a preocupação que estou com o transporte aéreo do nosso País.

Viajar de avião no Brasil está se transformando numa aventura repleta de perigos e sobressaltos.

O trágico acidente que vitimou os cinco rapazes do conjunto musical Mamonas Assassinas, em São Paulo, deixou exposta a precariedade com que opera a aviação civil em nosso País.

Os comandantes do Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, são unânimes em afirmar que houve falha humana no acidente da Serra da Cantareira, mas que a culpa é do DAC. Segundo eles, o piloto do Lear-Jet não dominava totalmente as técnicas de operação de uma aeronave daquele porte e o DAC falhou ao conceder licença a uma pessoa despreparada.

A opinião dos comandantes de Cumbica é corroborada pelo Diretor do Sindicato dos Aeronautas do Estado de São Paulo, o piloto Sidney Guimarães.

Não resta dúvida de que a aviação civil no País precisa passar por profundas transformações. As tarifas aéreas, especialmente sobre as chamadas linhas domésticas, que beira o absurdo, são as mais caras do mundo!

Os serviços de reservas das diversas companhias aéreas subestimam a inteligência do usuário. Todas as vezes que alguém demanda uma passagem, mesmo nas linhas sem escala, os aviões invariavelmente estão lotados. Para conseguir voar, é preciso até mesmo adular funcionários. E quando se chega aos aviões - os Srs. Senadores sabem disso -, muitas e muitas vezes as poltronas estão desocupadas.

Os serviços de bordo são uma vergonha! Os serviçais são mal treinados, mal remunerados e estão quase sempre de mau humor, como se estivessem fazendo um grande favor aos passageiros. É comum encontrar-se bancos rasgados, cinzeiros quebrados, banheiros entupidos e com mau cheiro.

O mais grave, no entanto, se passa em setores essenciais, de cujo funcionamento dependem as vidas dos passageiros, como a manutenção dos aviões, por exemplo.

O setor de manutenção das aeronaves é um verdadeiro caos. Não são raras as notícias de panes provocadas por parafusos soltos, tanques de combustível destampados, pneus mal calibrados, trem de pouso sem lubrificação, instrumentos de bordo desregulados etc. E a calamidade não pára por aí. Se os serviços de manutenção são de má qualidade, as empresas aéreas também têm sua parcela de esperteza para fugir das regras do DAC.

A imprensa denunciou uma situação gravíssima, criminosa, diria eu, Sr. Presidente. Notícias veiculadas pelo Jornal Nacional dão conta de que algumas companhias aéreas estão burlando a fiscalização do DAC. Pelo regulamento, depois de um certo número de horas de vôo, os aviões têm necessariamente que passar pelo serviço de manutenção, sem o que não recebem autorização para voar. Segundo a reportagem da Rede Globo, algumas companhias estão adulterando as anotações dos pilotos, no intuito de reduzir as horas de vôo e, assim, protelar a revisão dos aparelhos, economizando o dinheiro que seria gasto com o serviço de manutenção.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Com muito prazer.

O Sr. Lúcio Alcântara - A pretexto de um caso que comoveu a opinião pública brasileira, o desastre com o avião executivo que levava o grupo musical Mamonas Assassinas, V. Exª traz ao debate um assunto da maior importância. Segundo li nos jornais, estatísticas extraídas de dados do DAC - Departamento de Aeronáutica Civil, o número de acidentes com as empresas de aviação de carreira têm declinado ao longo dos anos, apesar dessas observações que V. Exª está fazendo. Algumas delas, inclusive, com toda razão, porque são visíveis, são perceptíveis pelos passageiros, como essa questão do tratamento que o passageiro recebe a bordo, como o cancelamento de vôos -overbooking -, que é o número de passagens marcadas que extrapola, excede a capacidade do avião, e os passageiros terminam sendo removidos para outros vôos, não só em horários diferentes, e às vezes até com outras escalas, conexões etc. Diz esse jornal, que eu não me lembro agora qual foi, que os dados do DAC mostram que, enquanto o número de acidentes com a aviação comercial, ou seja, linhas regulares, está caindo, o número de acidentes com a aviação executiva - jatinhos fretados, táxis-aéreos etc - está aumentando. Enfim, o número de acidentes está aumentando e o Brasil tem uma das maiores frotas do mundo da chamada aviação executiva, salvo engano, só superado pelos Estados Unidos. Ora, isso é um dado muito sério, porque é justamente onde o controle ainda é menos eficiente, onde a exigência do cumprimento desses requisitos - treinamento de pilotos, manutenção das aeronaves, checagem profissional etc - são mais precários. Justamente por isso o número de acidentes está aumentando. Então, quero, trazendo esse dado, aplaudir V. Exª pela iniciativa do discurso. Não vou nem mencionar a questão de tarifas e outras que também têm preocupado muito o Senado, sobretudo quando estamos ingressando numa era de globalização, de competitividade e estamos realmente com preços que não são nada competitivos. O meu aparte era para trazer esses dados para a reflexão também de V. Exª sobre o problema maior do ponto de vista da segurança que se encontra justamente na chamada aviação executiva.

O SR. VALMIR CAMPELO - Exatamente, na executiva. Inclusive a imprensa vem denunciando isso, porque os pilotos nem sempre estão preparados para pilotar essas aeronaves, não têm o número de horas de vôo. Já na aviação comercial, o problema maior é no atendimento, no custo das passagens, na má qualidade dos serviços que são prestados a bordo; as aeronaves também são velhas. Graças a Deus, não temos tido ultimamente acidentes nas empresas de aviação comercial do nosso País, mas, no que diz respeito ao atendimento, é lamentável.

O Sr. Júlio Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª, nobre Senador Júlio Campos.

O Sr. Júlio Campos - Senador Valmir Campelo, deixei a Presidência desta sessão a fim de trazer a V. Exª a solidariedade pelo seu pronunciamento. É de vital importância a denúncia que V. Exª faz na tarde hoje da tribuna do Senado Federal. Realmente, é calamitosa a situação da aviação civil no Brasil, não só das companhias aéreas que fazem as grandes rotas, dentro ou fora do País, em vôos internacionais, como também daquelas tidas como executivas, os táxis-aéreos brasileiros. E nós, que somos freqüentadores assíduos das linhas aéreas deste País, ficamos tristes ao ver a falta de controle, de manutenção e de apoio aos passageiros, que ficam relegados nos aeroportos, quando há o famoso overbooking, ou seja, o excesso de passagens vendidas. Eu mesmo já fui testemunha ocular de pessoas com passagens marcadas que não puderam embarcar ou até de passageiros já embarcados que tiveram de descer do avião, porque havia excesso de passagens vendidas. Além disso, a frota está totalmente deteriorada. Há muitos aviões que em qualquer outro país do mundo já estariam proibidos de voar, aqui ainda estão sendo usados, como o próprio Boeing Presidencial. V. Exª aborda o estado calamitoso do transporte aéreo no Brasil. Quero fazer um apelo de público para que o Gabinete Militar, responsável pela vida do Presidente da República, tenha consciência. Esse Boeing-707 que a Força Aérea Brasileira está usando para transportar o Presidente Fernando Henrique Cardoso em suas viagens internacionais, que são constantes, permanentes e quase mensalmente, esse Boeing já está proibido de voar em vários países do mundo! Já não se usa mais o 707, a não ser para transporte de carga. Porque a vida do Presidente da República não custa US$100 milhões. E o "sucatão", conhecido até internacionalmente, hoje transporta as autoridades brasileiras pelo mundo afora. Além disso, a própria Força Aérea Brasileira está tendo dificuldades de recursos para a manutenção; está havendo a canibalização, como se diz, ou seja, tiram-se peças de avião que está funcionando para servir outros aviões porque a FAB não possui recursos para a manutenção dos aviões que transporta não só as autoridades brasileiras, os Ministros de Estado, como também para o próprio treinamento dos seus pilotos, da nossa segurança internacional e da segurança interna do País. Neste momento, trago a minha solidariedade a V. Exª e reforço o aparte do eminente Senador Lúcio Alcântara, que tem tudo a ver, principalmente para nós, de Mato Grosso, que utilizamos muito o táxi-aéreo e observamos que há falta de fiscalização não só no controle dos equipamentos, como também do próprio trabalhador, do próprio aviador que hoje voa de forma incontrolável. Receba o meu apoio e que, à advertência de V. Exª, sejam tomadas providências pela Nação brasileira.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço ao nobre Senador. Fico muito feliz com o aparte de V. Exª e incorporo-o ao meu pronunciamento com muito prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Valmir Campelo, eu até poderia ser repetitivo ante os apartes que V. Exª acaba de receber. Não importa se corro este risco. O fato é que cada um tem que dar o seu depoimento. O parlamentar é, sem dúvida, o ser humano que mais se utiliza do transporte aéreo, ora correndo o risco, como V. Exª acaba de registrar, de sofrer um acidente aéreo, devido a uma manutenção mal feita, ou de receber da parte de funcionários da companhia aérea um atendimento ruim, de total descaso para com os usuários, que culmina com a insensibilidade de um pessoal despreparado. Quero lhe dar um exemplo ocorrido comigo nesta madrugada. Para estar presente a esta sessão, tive que chegar à meia-noite ao Aeroporto de Manaus e de lá sair às 2 horas e 10 minutos; mas o avião decolou apenas às 4 horas e 10 minutos. Nesse período de espera, ninguém deu a mais leve desculpa ou justificativa para aqueles passageiros que já tinham perdido metade da noite e estavam perdendo a outra. Chega-se a Brasília com uma diferença de mais de 1 hora. Veja V. Exª o drama de um parlamentar para estar com a sua freqüência atualizada. O mais grave é que dentro da avião não se recebia sequer um sorriso das pessoas que nos prestavam serviço. Ao contrário, estavam profundamente aborrecidas, como se nós, os passageiros, fôssemos os culpados pelo atraso no vôo. V. Exª referiu-se ao "sucatão", avião de que se utiliza o Presidente da República em suas viagens, ao qual acabou de referir-se o Senador Júlio Campos. Eqüidistante de qualquer conotação político-partidária, caberia a pergunta: o que é mais importante, a vida de um Presidente da República, eleito por uma maioria absoluta, no primeiro turno; uma equipe de ministros que viaja também em aviões superados, ou socorrer bancos falidos? Veja V. Exª que o montante, o volume do dinheiro empregado para socorrer os bancos daria para comprar um novo avião presidencial e renovar toda uma esquadrilha. Não haveria censura da parte de ninguém, porque estar-se-ia cuidando do Chefe do Poder Executivo do Estado. Receba minhas palavras de profunda solidariedade, mesmo que estas não sejam importantes, o é o seu discurso, porque V. Exª faz uma análise que abrange os dois lados do problema: o descaso das empresas privadas e a falta de cuidado.

O SR. VALMIR CAMPELO - Fico muito grato a V. Exª pelo aparte, quando dá um testemunho do que passou nesta madrugada para chegar aqui, exatamente pelo descaso de uma empresa aérea. Isto é uma realidade. O mais sério é que mesmo sendo em vôo direto, sem escala, estamos sempre nos aeroportos atrás de um lugar e quando entramos no avião, percebemos que há sempre 10 a 15 poltronas disponíveis. É como se a própria empresa - há alguma coisa que não entendo - não tivesse qualquer interesse em transportar passageiros. Temos que ir a fundo nisso aí, buscar os motivos dessa atitude das companhias aéreas.

O que causa maior espanto, Sr. Presidente, é a idade das aeronaves, como disse aqui o ilustre Senador Júlio Campos. A esquadrilha da aviação civil brasileira é das mais antigas do mundo. Os aviões são obsoletos e já não alcançam os padrões internacionais.

Na semana passada, o Ministro dos Transportes, Odacir Klein, passou por momentos de grande tensão em Porto Alegre. O jatinho da FAB que o transportava começou a soltar fumaça pela turbina quando se preparava para decolar. Verificado o problema, constatou-se que o serviço de manutenção esqueceu de tampar o tanque de combustível!

Ora, os nobres Colegas hão de convir que uma falha dessa é inadmissível. Não se pode brincar assim com a vida das pessoas!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a própria Aeronáutica admite que os seus equipamentos são ultrapassados, incluindo o seu conjunto de aeronaves.

O número de acidentes aéreos no País tem aumentado consideravelmente e cada vez mais devido às causas já expostas neste pronunciamento.

Em face disso, julgo que já é hora de repensarmos o nosso sistema de aviação civil. A mim me parece que o Departamento de Aviação Civil - DAC, já não atende aos objetivos para os quais foi criado e precisa ser reestruturado.

A fiscalização não tem sido eficaz o suficiente para evitar tragédias como a que ocorreu na semana passada. O credenciamento de pilotos agora foi colocado em xeque pela própria categoria, que acusa o DAC de habilitar pessoas desqualificadas.

Isso é grave, muito grave! O DAC tem a obrigação de prestar esclarecimentos a respeito dessas colocações dos comandantes de Cumbica.

Encareço ao Senhor Presidente da República que determine ao Ministro da Aeronáutica, ou a quem de direito, que equacione e apresente alternativas de solução para os graves problemas da aviação civil brasileira.

Não é mais possível passarmos por sobressaltos todas as vezes que viajamos de avião. Um país que pretende ingressar no Primeiro Mundo não pode conviver com essa insegurança no seu sistema de transportes aéreos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/1996 - Página 3890