Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CARDEAL-ARCEBISPO DOM VICENTE SCHERER.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CARDEAL-ARCEBISPO DOM VICENTE SCHERER.
Aparteantes
Emília Fernandes, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/1996 - Página 3897
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, VICENTE SCHERER, CARDEAL, IGREJA CATOLICA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi sepultado, ontem, em Porto Alegre, o Cardeal Dom Vicente Scherer. Fui àquela capital, acompanhado do Ministro Odacir Klein, que lá representou Sua Excelência, o Senhor Presidente da República em exercício, Marco Maciel.

Encaminho à Mesa requerimento assinado pelos três Senadores do Rio Grande do Sul, de pesar, luto e e tristeza pela morte de Dom Vicente Scherer.

O Cardeal Dom Vicente Scherer nasceu em Bom Princípio, no dia 5 de fevereiro de 1903, tendo completado, no mês passado, 93 anos de idade. Foi ordenado sacerdote, em Roma, no dia 3 de abril de 1926, tendo 70 anos, portanto, de um sacerdócio modelar.

Foi nomeado Bispo Auxiliar de Porto Alegre em 30 de maio de 1945, nomeado Arcebispo de Porto Alegre em 30 de dezembro de 1946. Recebeu a sagrada Ordenação Episcopal, na Igreja de São Geraldo, em Porto Alegre, no dia 23 de fevereiro de 1947, onde fora pároco zeloso por diversos anos. Governou a Arquidiocese por 34 anos.

Foi nomeado Cardeal da Igreja Católica pelo Papa Paulo VI, no Consistório de 28 de abril de 1969, no título de Nossa Senhora de La Salette. Era o único Cardeal da Igreja no Rio Grande do Sul. Completados 75 anos de vida, encaminhou à Santa Fé o pedido de renúncia ao governo da Arquidiocese, tendo sido aceito seu pedido em 16 de setembro de 1981. Passou o governo da Arquidiocese ao seu sucessor, em 6 de dezembro 1981, a Dom Cláudio Colling.

Em janeiro de 1982, o Cardeal Scherer assumiu as funções de Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, que conservou, até a sua morte, no dia 9 de março de 1996.

Após a renúncia do governo da Arquidiocese, foi morar em uma pequena e modesta casa junto ao Hospital Divina Providência. Morre pobre, havendo em vida doado todos os seus bens a obras de caridade.

O Cardeal Vicente Scherer, sacerdote, bispo e cardeal da Igreja, passa para a história como modelo de vida dedicada e fiel ao alto Ministério ao qual o Senhor o chamou. Fiel nas palavras, na fé e na vida de oração! Exemplo para todos nós de como viver a vocação à qual somos chamados. Dom Vicente deixou uma herança espiritual valiosa, por sua vida modelar, segundo os princípios do Evangelho de Jesus.

As principais obras de Dom Vicente foram a construção de três seminários: Seminário Maior de Viamão, Seminário Menor de Bom Princípio, Seminário Menor de Arroio do Meio.

Criou 105 paróquias na Arquidiocese de Porto Alegre, ordenou 15 bispos e coordenou a criação de numerosas dioceses no Rio Grande do Sul. Teve a felicidade de conferir a Ordem Sacerdotal a 500 sacerdotes. Poucos bispos, talvez, tenham tido igual privilégio.

A Voz do Pastor, programa radiofônico de Dom Vicente Scherer, era conhecida no Brasil e divulgada nos grandes jornais, principalmente do Rio e São Paulo. Publicou mais de mil Voz do Pastor, com enorme repercussão em todas a Igrejas do Brasil. Foi o exercício excelente de seu admirável magistério. Sempre na frente dos problemas, foi uma luz para sua Igreja local.

A Catedral de Porto Alegre foi iniciada, em 1921, pelo Arcebispo Dom João Becker; foi o Arcebispo Dom Vicente Scherer que levou à frente a obra, depois de um longo trabalho e esforço. Com apoio decisivo de Dom Vicente, foi criada a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Criou a Frente Agrária Gaúcha e coordenou a ação da igreja no Rio Grande do Sul. Participou da criação da Previdência Social, criou o novo Lar de Menores para recuperação de menores de rua.

Dom Vicente Scherer tinha uma fé simples, era um homem humilde. Quando deixou o governo da Arquidiocese, aceitou ser eleito para o cargo de Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. O hospital dos pobres do Rio Grande do Sul estava, então, praticamente à bancarrota.

Dom Vicente, com sua equipe, revolucionou e fez talvez uma das obras sociais mais admiráveis do Brasil, transformando uma obra quase em desgraça, praticamente irrecuperável, numa organização modelo e exemplar, como é hoje a Santa Casa de Porto Alegre.

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - A Mesa pede permissão ao orador para comunicar ao Plenário que vai prorrogar a hora do Expediente por mais 14 minutos, a fim de que o Senador Pedro Simon possa concluir o seu pronunciamento.

Continua com a palavra o orador.

O SR. PEDRO SIMON - Sr. Presidente, peço a transcrição, nos Anais, do resto da biografia de Dom Vicente, do voto de pesar que estou apresentando e de duas Voz do Pastor (programa radiofônico) de Dom Vicente. Em uma delas, ele diz o seguinte:

      Fala-se freqüentemente de reformas estruturais nos países da América Latina e particularmente no Brasil. Uma delas, a mais urgente, é a redistribuição das terras. Parece que isto não se poderia duvidar. É impressionante e incompreensível a concentração do domínio do solo na mão de poucos proprietários. Vou alinhar aqui alguns dados colhidos nos murais e cartazes que o Ministério da Agricultura, durante a recente visita do Presidente Costa e Silva, expôs no adro da nossa Assembléia Legislativa.

      A nona parte (9%) de toda a área ocupada no Brasil, isto é, 32 milhões de hectares de terra, pertence a apenas 150 grandes proprietários ou grupos econômicos.

      Só 300 outros dilatados latifundiários abrangem 30 milhões de hectares, que correspondem a 8% de toda a terra ocupada do Brasil. Outros imensos 2.100 imóveis rurais ocupam 70 milhões de hectares, que representam 25% de toda a área explorada do país.

      Do outro lado, 2,5 milhões de minifúndios ocupam apenas 40 milhões de hectares. É chocante, evidentemente, a absurda distribuição de terras do Brasil.

Eu tinha uma grande admiração por Dom Alfredo Vicente Scherer; ele foi colega de Alberto Pasqualini, colega de aula do seminário; no mesmo banco, duas vocações fantásticas, duas culturas geniais. Pasqualini foi o ideário do trabalhismo, da ideologia social; Dom Alfredo Vicente Scherer foi o ideário dentro da doutrina da igreja. Foi tido como um bispo conservador, é verdade, mas na sua Voz do Pastor, o seu pensamento, a sua idéia e a sua filosofia sempre mereceram respeito.

Não posso, neste momento, deixar de lembrar que nas horas mais amargas de 1964, nas épocas duras e difíceis - eu era Presidente do PMDB no Rio Grande do Sul, quando praticamente o Brasil vivia sem lei, quando o arbítrio dominava -, muitas e muitas vezes, com um telefonema ou uma visita minha a D. Vicente Scherer, um telefonema dele ao Comandante do Terceiro Exército ou ao DOPS conseguia salvar pessoas, tirar da tortura e da violência vidas humanas.

Era impressionante a simplicidade e a modéstia de D. Vicente. Uma batina preta, a mais singela; nunca se vestiu na pompa de Cardeal. No seu quarto, uma cama com um colchão de 1 centímetro, e um armário de uma porta. Quando tinha que andar, era de carro de praça ou de carona. É qualquer coisa de fantástico o que ele e a equipe extraordinária que montou com o Dr. João Polaninski fizeram na Santa Casa de Misericórdia.

É verdade que a sua voz era respeitada no Brasil inteiro. Durante anos a fio, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo e O Globo publicavam semanalmente, às segundas-feiras, a Voz do Pastor, que era a palavra que Dom Vicente Scherer publicava no jornal de Porto Alegre.

Eu tinha um carinho e uma amizade muito grandes por Dom Vicente. Ele me casou, batizou os meus três primeiros filhos e esteve presente na hora da morte do meu pai, da minha mulher e do meu filho. Nunca esqueço a amargura que senti quando perdi meu filho de 10 anos num acidente. Na Missa de Sétimo Dia, ele veio me abraçar e disse: "Pedro, seja firme. Estou rezando para Deus olhar sempre para ti." Lembro-me de que, quando ele disse isso, eu respondi: Muito obrigado pela reza, Cardeal, mas não peça para Deus olhar para mim, porque cada vez que ele olha me dá uma paulada.

No dia seguinte, às 7 horas e 30 minutos, Dom Vicente estava na minha casa. E ficou comigo o dia inteiro, reconfortando-me, dizendo que tinha ficado angustiado com a minha manifestação e que sentiu que eu precisava de apoio.

Ele era assim: um homem extraordinariamente dedicado à causa pública, um homem de bem, sem nenhuma vaidade, que praticamente se despreocupava com o amanhã.

Será muito difícil encontrar um homem com a dignidade e a correção de Dom Vicente Scherer de quem eu divergia muito, pois o considerava conservador; eu me considerava um homem da linha progressista. Brinquei e até protestei muito com ele, pois quando estava com um prestígio enorme, inclusive com o Papa e chegou a hora de sair da Arquidiocese de Porto Alegre, eu, que imaginava que seu sucessor seria Dom Ivo Lorscheider, então Bispo de Santa Maria, fui surpreendido por outra indicação, que dizem que passou por ele.

Eu brincava, dizendo: "Mas Dom Vicente, eu não consigo entender como pode ser esse o seu sucessor porque nada tem a ver com o senhor, um homem mais voltado para a linha de organizações; é um outro estilo que não o seu". Pois nós imaginávamos que o sucessor seria Dom Ivo. Mas mesmo assim, eu mantinha um profundo respeito e uma profunda admiração por Dom Vicente.

Penso, Sr. Presidente, que morre mais um desses brasileiros que temos que respeitar acima do bem e do mal; desses homens que, aos poucos, estão se tornado escassos. Olhando para os lados, verificamos - por isso espero que o Sr. Presidente Sarney faça imediatamente uma grande sessão em homenagem ao Presidente da Associação Brasileira de Imprensa - que figuras como Dom Vicente, como o Presidente da ABI, essas figuras que são paradigmas, a referência no Brasil, estão desaparecendo.

Vejo no quadro partidário, olho para os lados, no quadro da vida partidária e não vejo um Dr. Ulysses, um Tancredo, um Teotônio. Olho para a vida religiosa e estou vendo essas pessoas silenciarem. De vez em quando se vê algum que já se aposentou, como o Dom Helder e cada vez mais silenciosa a pessoa do Cardeal do Rio de Janeiro. Na vida intelectual, vejo que estão ficando muito raras as figuras para as quais se pode olhar e dizer: ele falou, é assim que penso.

A Srª Emilia Fernandes - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço com prazer V. Exª, que lá estava junto a nós, eu e o Senador José Fogaça, apresentando o requerimento e levando as homenagens à memória do cardeal.

A Srª Emilia Fernandes - Quero lhe cumprimentar pelo pronunciamento e me solidarizar, logicamente, com o passamento de Dom Vicente Scherer. Estivemos ontem em Porto Alegre, acompanhando as últimas homenagens prestadas pelo povo gaúcho, o povo brasileiro e o próprio líder maior da Igreja Católica, o Papa, através da mensagem enviada e lida naquela oportunidade. Sabemos do orgulho que o Rio Grande do Sul, o Brasil e a Igreja Católica, através da sua comunidade, têm, no momento em que estamos reverenciando a memória de Dom Vicente Scherer, homem nascido no interior do Rio Grande do Sul, no ano de 1903, já há longa data, dedicando praticamente toda sua vida, setenta anos, à Igreja Católica, ao sacerdócio e desempenhando, nos últimos dias, a condição de Bispo do Brasil. Sabemos que Dom Vicente Scherer é uma figura que, pela sua trajetória, pelas suas posições claras, às vezes polêmicas e questionáveis, marcou a passagem pela vida, pela História, de forma clara. Sem dúvida, nada temos a acrescentar no pronunciamento de V. Exª, mas é um momento importante o que lembra a atuação de Dom Vicente Scherer como provedor da Santa Casa de Misericórdia onde, por mais de dez anos, com dedicação e austeridade recuperou aquela instituição. Paralelo ao seu trabalho de salvação, de encaminhamento de espíritos, também fez sua participação na busca do atendimento à saúde de pessoas necessitadas. Reverenciamos sua memória, também, solidarizando-nos com o pronunciamento de V. Exª, que fala de uma trajetória de fé, de participação social e de humildade que, sem dúvida, deixou marcada a história do Rio Grande do Sul além dos limites de sua atividade religiosa. Parabéns, Senador, pelo seu pronunciamento.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado pela gentileza do pronunciamento de V. Exª que, junto conosco, esteve lá na catedral, ontem, assistindo à emocionante homenagem final prestada a Dom Vicente Scherer.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Pois não, Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Senador Pedro Simon, em nome da Liderança do PFL e dos Senadores que compõem o Partido, eu gostaria também de corroborar as palavras de V. Exª e me associar a essa homenagem prestada a Dom Vicente Scherer, indicando que não só o povo do Rio Grande do Sul, mas de todo o Brasil vai sentir o falecimento de Dom Vicente. Ele era um homem verdadeiro, um homem de posições, e mais do que isso, um líder espiritual que no momento de transição por que passa o nosso País, sem dúvida nenhuma, vai fazer falta. Eu gostaria de parabenizá-lo e apoiar suas palavras.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado.

Encerro, Sr. Presidente, levando à memória de Dom Vicente um abraço muito carinhoso. Com toda sinceridade, o Brasil precisa de vultos assim; não importa se nos identificamos no que tange a pensar igual, pois o importante é ter a grandeza de lutar por uma idéia.

É muito difícil numa época de vaidade, onde praticamente tudo é vaidade, a pessoa ter um ideal, lutar por ele e manter a singeleza, a simplicidade, a humildade, de não querer ser o primeiro e não querer ser o maior. Esses exemplos são poucos. Tem tanta gente que pouco sabe que nada é e que escolhe os primeiros lugares e se considera o melhor e o maior; por isso, quando vemos essas figuras que iluminam sem querer iluminar, que dão exemplo sem imaginar que o fazem, entendemos que a sociedade precisa exatamente dessa gente. Os Dom Vicente Scherer que aí estão, as pessoas que sabem por que estão lutando e que defendem com ideal as suas causas é o que falta neste País.

Não apenas a Igreja, não apenas Porto Alegre e não apenas o Rio Grande do Sul, mas o Brasil ficou mais pobre, porque perdemos um homem que era uma grande referência. E eu pessoalmente perdi um amigo das horas difíceis.

Ao longo de toda a minha existência, estava acostumando, nas horas mais dramáticas, a ter em Dom Vicente Scherer o grande conselheiro, sempre disposto, com o seu carinho e com afeto, a dar uma palavra.

A Dom Vicente o meu abraço, ao Rio Grande do Sul e ao Brasil os meus pêsames.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/1996 - Página 3897