Discurso no Senado Federal

ANALISE DE DADOS QUE DEMONSTRAM O USO IRRACIONAL DOS RECURSOS HIDRICOS DO PLANETA.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • ANALISE DE DADOS QUE DEMONSTRAM O USO IRRACIONAL DOS RECURSOS HIDRICOS DO PLANETA.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 31/01/1996 - Página 1073
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, MUNDO, PREVISÃO, REDUÇÃO, CURTO PRAZO, CONFLITO, POSSE, AGUA.
  • DADOS, POSIÇÃO, BRASIL, VOLUME, RECURSOS HIDRICOS, DISTANCIA, CONCENTRAÇÃO, POPULAÇÃO URBANA, CONSUMO, CONTAMINAÇÃO, CONTINUAÇÃO, INEFICACIA, UTILIZAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, AGUA, REGIÃO NORDESTE.
  • NECESSIDADE, CONCLUSÃO, AMPLIAÇÃO, ADUTORA, RIO SÃO FRANCISCO, BENEFICIAMENTO, ESTADO DE ALAGOAS (AL).
  • APOIO, SUGESTÃO, BERNARDO CABRAL, SENADOR, REUNIÃO, ESTUDO, CONTRIBUIÇÃO, GRUPO, SENADO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, PRESERVAÇÃO, AGUA.
  • APOIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), PAULO AFONSO ROMANO, SECRETARIO, MINISTERIO, COMENTARIO, NECESSIDADE, EDUCAÇÃO, POPULAÇÃO, PRESERVAÇÃO, NASCENTE.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO (PSDB-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos nós nos acostumamos à idéia de que a água, essencial à vida, é um recurso natural extremamente abundante em nosso planeta. Para a maioria das pessoas, escassez de água lembra apenas estiagens, provocadas pela natureza, que afetam populações de algumas áreas do globo.

Afinal, por que nos preocuparmos se existe cerca de um bilhão e quatrocentos milhões de quilômetros cúbicos de água espalhado por todas as latitudes e longitudes do nosso planeta, o planeta azul, cantado pelos músicos como o planeta água?

Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa fartura é ilusória. A verdade é que cerca de 97% das águas da Terra são salgadas e menos de 2% das águas doces do mundo podem ser utilizadas in natura pelos seres humanos. O uso irracional dos recursos hídricos transforma o abastecimento de água em um dos maiores, senão o maior, problema que a humanidade tem enfrentado. É para falar sobre a água, vital para a sobrevivência dos seres e para o desenvolvimento econômico das nações, que ocupo hoje a tribuna desta Casa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os recursos hídricos mundiais estão restritos a uma ínfima parcela de águas doces à disposição dos homens: cerca de 14 mil quilômetros cúbicos. Parece inacreditável, mas apenas 14 mil quilômetros cúbicos do total de 1 bilhão e 400 milhões de quilômetros cúbicos são a fonte de suprimento de água à disposição da população de todas as nações e de suas gerações futuras. É um recurso dramaticamente escasso: menos de 1% das águas do planeta permanece girando em um ciclo hidrológico de precipitação e evaporação que permite o seu retorno à superfície sob a forma de chuva, granizo e neve. E, pior, a contaminação dessas águas com poluentes de longa duração, como radioatividade e metais pesados, por exemplo, faz com que esse reduzido estoque diminua ainda mais. A cada ano, 10% dos rios que correm pelas terras do mundo são "perdidos" em função da poluição ou do assoreamento que "seca" ou diminui o fluxo das suas águas.

Neste fim de século, existe em todo o mundo um panorama de verdadeiro alarme em relação a esse precioso líquido. A perspectiva de um colapso mundial de água foi apresentada, de forma preocupante, em janeiro de 1992, pelos participantes da Conferência Internacional sobre Água e Ambiente, em Dublin. Mais recentemente, o relatório do Banco Mundial Em Direção ao Uso Sustentável dos Recursos Hídricos, publicado em meados de 1995, informa que cerca de 250 milhões de pessoas, distribuídas por 26 países, já enfrentam escassez crônica de recursos hídricos e, em 30 anos, esse número atingirá a terrível cifra de 3 bilhões de pessoas em 52 países. Isso porque a demanda mundial por água tem dobrado a cada 21 anos.

Em se mantendo o cenário atual, a água - e, talvez, esse seja um dos únicos assuntos que possuem a concordância unânime de toda a comunidade científica mundial -, essencial para a sobrevivência da humanidade, estará esgotada em, no máximo, 20 anos. (O que vai significar custos absurdos para dessalinizar e descontaminar a água nos volumes que serão necessários.)

O próximo encontro de cúpula dos chefes de Estado do mundo, que acontecerá em junho de 1996, em Istambul, terá como tema o futuro das cidades e da qualidade de vida urbana. Um dos temas mais impressionantes para essa reunião é a constatação de que no ano 2000 (dentro de apenas 4 anos), das 20 maiores cidades do mundo, 18 vão estar nos países pobres (no Brasil serão duas: Rio de Janeiro e São Paulo) e nenhuma dessas cidades vai ter água suficiente para atender à sua população.

A Srª Marina Silva - V. Exª me concede um aparte?

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO - Com muito prazer, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - Estou ouvindo com atenção o pronunciamento de V. Exª e o parabenizo pela preocupação com o tema. Repetidas vezes temos discutido essa matéria, porque a Amazônia, segundo pesquisas dos cientistas, é responsável por 30% da água deste planeta, o que é uma responsabilidade muito grande. V. Exª está se referindo a cidades e megacidades, como é o caso de São Paulo, que tem seus recursos hídricos comprometidos. Há alguns anos, se se falasse que haveria crise de água no Estado de São Paulo poderia parecer uma heresia. No entanto, esse fato ocorre hoje, e é um problema. É triste sentir o mal cheiro em frente à represa e saber que a cidade é abastecida por aquela água. Quando vejo o rio Amazonas e o rio Negro - que mais parece um rio de coca-cola, como diz o meu filho -, ficamos preocupados em saber como será o futuro do planeta, caso os homens não tomem cuidado com a obra de Deus. Às vezes, recordo-me da frase de um jornalista acreano: "Estúpida é a Nação que despreza o que foi criado por Deus para adorar aquilo que é feito pelo homem". Infelizmente, a obra do homem, por mais maravilhosa e fantástica que seja, entrou num curso em que temos que começar a desfazer aquilo que já fizemos. Em termos de meio ambiente, durante todos esses anos foram produzidas tecnologias que, com certeza, em parte, melhoraram a qualidade de vida, mas também a comprometeram, assim como a própria existência do homem no planeta. A questão da água é séria. Se não repensarmos uma forma de utilização dos recursos naturais ocorrerá a tragédia dos comuns, ou seja, aquilo que é de todos acabará sendo cuidado por ninguém e prejudicará todos. Esse problema, trazido por V. Exª à discussão, pode parecer que ocorrerá somente daqui a muitos anos, mas, na verdade, já é real em muitas cidades do mundo e particularmente no Estado de São Paulo, onde tenho visto o quanto é difícil o sistema de tratamento de água potável. Parabenizo V. Exª. Muito obrigada pelo aparte.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO - Agradeço e concordo inteiramente com o aparte de V. Exª, Senadora Marina Silva.

Sr. Presidente, dados como esses são mais do que preocupantes, inclusive para países como o Brasil que, em termos absolutos, é o que possui a maior disponibilidade de recursos hídricos do mundo: 12% do total. Só que essa abundância se deve à circunstância de possuirmos a maior bacia hidrográfica do planeta. É uma abundância relativa e não nos impede de ter uma extensa região semi-árida com escassez cíclica. Basta lembrar que, em termos de disponibilidade por habitante, o Brasil deixa de ocupar o primeiro lugar para ser apenas o 23º, mais ainda, assim como acontece nos países pobres da África e do Oriente, mais de 60% dos óbitos da nossa população infantil são causados por doenças que resultam do consumo de água imprópria ou contaminada.

A maior parte dos privilegiados recursos hídricos brasileiros está, porém, distante das grandes concentrações urbanas. A Amazônia possui 80% dos recursos hídricos do País e apenas 5% da população. Onde aumenta o consumo, a oferta de água é pequena. Em conseqüência, como enfatizou o Secretário Nacional de Recursos Hídricos, Paulo Afonso Romano, em seu artigo "Água: um recurso estratégico", publicado em março de 1995, "existe pressão sobre os 20% dos recursos hídricos restantes por nada menos do que 95% da população em suas variadas atividades. No caso do Nordeste, a situação é sabidamente mais crítica, pois são 35% da população brasileira dispondo de apenas 4% da dos recursos hídricos nacionais. É aí que o Brasil conhece a verdadeira nobreza da água para a manutenção da vida e é por isso que a região deve merecer especial prioridade".

Como representante de um dos estados da Região Nordeste, Alagoas, não podia deixar, neste instante, de manifestar minha preocupação com esse tema, prioritário e até vital para a população nordestina, como um todo, e alagoana, em particular.

No estado que tenho a honra de representar nesta Casa há urgente necessidade de conclusão ou duplicação de adutoras do sistema do rio São Francisco. O término das obras da adutora do Agreste beneficiará 260 mil habitantes em sete municípios da região de Arapiraca. Sr. Presidente, a adutora do Sertão beneficiará 230 mil habitantes em 19 municípios da região da bacia leiteira e a duplicação da adutora do Alto Sertão será de grande importância para os 80 mil alagoanos daquela região.

Srªs e Srs. Senadores, bem sabemos que o "problema" de gestão dos recursos hídricos não é de fácil equacionamento. Usos conflitantes, uma forte cultura de desperdício, como bem lembrou a este Plenário, na semana passada, num excelente pronunciamento, o Senador Bernardo Cabral. S. Exª mencionou o escandaloso desperdício deste bem precioso - a água - no Brasil. O eminente Senador levantou cifras alarmantes, quanto, em bilhões de reais, estava sendo absurdamente jogado fora com esse desperdício.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - É evidente que V. Exª sabe que me associo a essa preocupação e que lhe dou o meu inteiro apoio. Eu dizia exatamente isto: custa um SIVAM por ano, ou seja, mais de R$1,4 bilhão o desperdício que há com a água. E chamei a atenção no sentido de que é preciso encontrar uma política que possibilite corrigir essa situação, que, além de alarmante e escabrosa, é altamente danosa para os recursos públicos. Quero dizer a V. Exª, eminente Senador Teotonio Vilela, que o assunto não se esgotará nem no meu, nem neste oportuno pronunciamento de V. Exª, nem num livro que acabo de trazer a lume, porque a matéria, além de vasta e de enorme responsabilidade, comporta várias outras manifestações. V. Exª, sendo do Nordeste e altamente preocupado, abordou com absoluta precisão a matéria. Parece-me que, nas áreas mais habitadas, ocorre exatamente o inverso do que ocorre nas menos habitadas, quando no Nordeste a carência de água já é uma calamidade pública. De modo que eu conclamaria V. Exª para que ambos pudéssemos motivar outros companheiros Senadores no sentido de que se fizesse uma reunião, sobretudo no gabinete de V. Exª, para traçarmos uma estratégia, a fim de que haja uma contribuição da nossa parte que vá ao encontro daquilo que o Governo precisa receber para que esse problema, se não for solucionado definitivamente, pelo menos o seja em parte, para a alegria do povo brasileiro. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. TEOTONIO VILELA FILHO - Agradeço o aparte de V. Exª, ao mesmo tempo em que aceito a sugestão. Marcaremos brevemente esse encontro da maior importância, Senador Bernardo Cabral.

Mais adiante, no meu pronunciamento, alguns dados impressionantes tornarão ainda mais clara essa necessidade de a sociedade brasileira e o Governo darem uma atenção maior a essa questão da água.

Como dizia, Sr. Presidente, usos conflitantes, uma forte cultura de desperdício entre nós enraizada, a ausência de mecanismos legais e administrativos que atribuem à água o seu real valor econômico são alguns dos problemas que necessitam de soluções urgentes. Inúmeros fatos nos indicam quanto os recursos hídricos permanecem ausentes das prioridades nacionais, inclusive pelo muito que podem valorizar o País.

Pouco aqui se destacou o assunto, Sr. Presidente, mas há menos de seis meses foi notícia de grande destaque na imprensa internacional o fato de o Japão ter comprado da Coréia pelo triplo do preço do petróleo - vejam bem, Srs. Senadores, - três enormes navios cargueiros de água para abastecimento humano. A água já vale muito dinheiro, Sr. Presidente. Ao mesmo tempo em que a água é o maior agente causador de doenças e mortes do mundo e já é apontada pela ONU como um dos principais motivos de disputas e conflitos entre nações e as populações de um mesmo país em um futuro que infelizmente, dizem estas previsões, está bem próximo.

O artigo "O Futuro das Águas", publicado por Augusto Marzagão no jornal O Globo, de 4 de setembro de 1995, alerta para esse problema crucial que ameaça a sobrevivência da humanidade e, em particular, a de milhões de brasileiros:

      "Nossas autoridades têm o dever de adotar medidas enérgicas em relação ao nível de degradação das nascentes e dos leitos dos rios, córregos e lagos. Há que proteger esses mananciais, mantê-los preservados da poluição, educar as populações ribeirinhas no sentido de estarem preparadas para a defesa sem trégua das matas ciliares, criar incentivos específicos que estimulem os proprietários de terras a resguardar as nascentes, margens e leitos dos rios sob o seu domínio."

Temos hoje no País uma oportunidade única e devemos tratá-la com a maior seriedade. Sr. Presidente, pela primeira vez na sua História o País possui uma Secretaria Nacional de Recursos Hídricos vinculada ao Ministério de Meio Ambiente, secretaria destinada a organizar, integrar ações, racionalizar e otimizar o uso da água, promover a justa distribuição desse que é um dos maiores e mais maltratados patrimônios da natureza do Brasil.

Segundo o Primeiro Secretário Nacional de Recursos Hídricos do Brasil, Paulo Afonso Romano, o País está maduro, consciente com relação aos compromissos assumidos durante a grande Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente - ECO 92, realizada no Rio de Janeiro. Temos consciência de que a gestão de nossos recursos hídricos é, sem dúvida, um dos grandes desafios da administração pública brasileira, e cabe ao Congresso fazer a sua parte nessa tarefa. É imperativo colocar toda a força desta Casa, dar o amparo e o apoio do Poder Legislativo a essa nova e moderna postura administrativa.

A criação da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos é de importância vital para o Brasil. E mais do que implantar uma gestão democrática e moderna para os nossos recursos hídricos, irá promover uma verdadeira revolução no problemático e confuso quadro do uso da água em nosso País.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, entendemos que o elogiável e construtivo trabalho que vem sendo articulado pelo Ministro Gustavo Krause no sentido de valorizar nossos recursos hídricos deve merecer o apoio incondicional e todo o empenho de quantos detenham o poder decisório.

S. Exª, o Ministro Gustavo Krause que, com esforço incomum, tem conduzido com brilhantismo a Pasta do Meio Ambiente, transformando-a em ferramenta do nosso desenvolvimento e da melhor qualidade de vida do nosso povo, precisa dispor de normas modernas e avançadas para solucionar o difícil problema do gerenciamento dos recursos hídricos em nosso País. Estamos convictos de que as dificuldades para o gerenciamento dessa problemática poderiam ser reduzidas, se fosse dado o tratamento adequado na alocação de recursos orçamentários específicos para o setor. Ao contrário, o orçamento para 1996 prevê a redução das dotações do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal na parte de recursos hídricos na ordem de 33,5%, segundo consta do Relatório da Subcomissão IV.

Para concluir as preocupações que expresso aqui neste breve pronunciamento, gostaria de relembrar os versos do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, que são um alerta, que nos conclamam a agir imediatamente para preservar os bens da natureza e o nosso futuro:

      "Não, não haverá para os

      ecossistemas aniquilados

      Dia seguinte.

      A vida harmoniosa não se restaura

      No dia seguinte.

      O vazio da noite, o vazio de tudo

      Será o dia seguinte."

Sr. Presidente, e para aqueles que ainda imaginam que as questões ambientais são preocupações de poetas, gostaria de alertar, como economista de formação profissional, que o que chamamos de problema ecológico hoje é o que chamaremos de problema social e econômico amanhã.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/01/1996 - Página 1073