Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO PELO DESCASO DO GOVERNO A GRAVE CRISE ECONOMICA E SOCIAL QUE ASSOLA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. OCIOSIDADE NA INDUSTRIA GAUCHA. QUEBRA NA AGRICULTURA E NA PECUARIA DO ESTADO.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • INDIGNAÇÃO PELO DESCASO DO GOVERNO A GRAVE CRISE ECONOMICA E SOCIAL QUE ASSOLA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. OCIOSIDADE NA INDUSTRIA GAUCHA. QUEBRA NA AGRICULTURA E NA PECUARIA DO ESTADO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 11/10/1995 - Página 792
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CRISE, ECONOMIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DESTRUIÇÃO, AGRICULTURA, PECUARIA, PARQUE INDUSTRIAL, RESULTADO, EXCESSO, JUROS, CONCENTRAÇÃO, TRANSFERENCIA, RENDA, SETOR, PRODUÇÃO, DESTINAÇÃO, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.

A SRª EMÍLIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Rio Grande do Sul levanta-se contra a crise econômica. Aqui, vários Senadores estão expondo dificuldades e os problemas que enfrentam os seus Estados.

Trago, aqui, também, a profunda preocupação do povo gaúcho diante da situação econômica e social do Rio Grande do Sul. Assim, como sempre fiz, nesta tribuna, pretendo contribuir para a reflexão sobre o que está verdadeiramente ocorrendo em meu Estado e no conjunto do País.

E falo sem qualquer sentimento de "fracassomania", mas sim com a certeza de que as dificuldades vividas pelo povo têm mais a ver com a realidade do que com os números frios dos tecnocratas.

Os dados que trago aqui resultam de informações contidas no documento Alerta Governo Federal, produzido pelas mais importantes entidades empresariais e de trabalhadores do nosso Estado, e também de denúncias e pedidos de apoio oriundos de diversos setores econômicos e sociais que têm chegado ao meu gabinete.

Srs. Senadores, o Rio Grande do Sul está vivendo a mais grave, profunda e dramática crise da sua história recente, superada apenas, ouso dizer, por aquela vivida pelos nossos antepassados no período pré-Revolução Farroupilha.

Um Estado rico, responsável por mais de 10% das exportações nacionais, que juntamente com outros Estados alimentou o País nos últimos anos, está à beira do colapso econômico e social.

Os gaúchos - homens e mulheres capazes de grandes iniciativas, empreendedores por natureza, trabalhadores e solidários - estão sendo empurrados dia a dia para o descrédito na capacidade de produzir, para a falta de fé nas autoridades, para a desesperança.

É preciso que as autoridades tomem consciência desta realidade e façam alguma coisa com urgência, antes que o caminho de volta se torne difícil.

Antes de atacar ou criticar os interlocutores legítimos da sociedade, os governantes têm o dever de estarem abertos para o diálogo e o entendimento.

A crise atinge todos os setores econômicos, sem exceção, derrubando a produção e, conseqüentemente, provocando concordatas, falências e desemprego.

O parque industrial do Rio Grande do Sul está sendo destruído, com centenas de médias, pequenas e microempresas, e mesmo grandes empresas, sucumbindo à nefasta ação das imorais taxas de juros e do arrocho ao crédito.

Em um Estado onde a indústria está profundamente ligada à agricultura, o setor de máquinas agrícolas apresenta uma brutal queda de cerca de 80% na produção.

A título de exemplo, a empresa Maxion, em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, reduziu a jornada de trabalho, e está funcionando apenas de terça a quinta-feira.

Na metalurgia, atingindo além da grande Porto Alegre, o pólo metal-mecânico de Caxias do Sul e outras regiões, a ociosidade da indústria já está entre 40% e 60%.

Um dos primeiros setores atingidos pela atual política econômica, o setor coureiro-calçadista, continua com dificuldades, que levam ao fechamento de fábricas, devido à defasagem cambial.

Em conseqüência da queda de cerca de 15% nas exportações, levas de famílias abandona as cidades do Vale dos Sinos para as regiões do interior, de onde vieram, sem também encontrar solução para os seus dramas.

No setor vinícola, a produção caiu de 140 milhões de litros, de janeiro a julho de 93, para 93 milhões no mesmo período deste ano.

No setor de cerâmica, a ociosidade já atinge cerca de 60%.

O setor têxtil, por sua vez, enfrenta uma desleal concorrência dos produtos importados.

No setor de calcário, o consumo caiu de 3,4 milhões de toneladas em 94, para 1 milhão neste ano.

As exportações brasileiras vão fechar o ano sem conseguir cobrir o déficit da balança comercial, estimado em 3 bilhões de dólares, alerta feito pelo Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, Marcus Vinicius Pratini de Moraes.

Segundo a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, o Estado vai fechar o ano com um saldo nas exportações quatro vezes menor do que a média histórica, que é de 3 bilhões de dólares.

Segundo o Departamento Econômico dessa entidade, o prejuízo do setor exportador, desde a implantação do Plano Real, já ultrapassa 1 bilhão e 200 milhões de dólares.

Entre as pequenas e microempresas, a situação ainda é mais grave.

Cerca de 67% das empresas estão trabalhando aquém da sua capacidade de produção, e a queda do nível de emprego atinge 50% das empresas.

Se nada for feito, em dois meses mais de 50% das microempresas do Estado fecharão as suas portas, deixando seiscentas mil pessoas desempregadas.

A agricultura gaúcha, por sua vez, está pagando um preço sem precedentes para sustentar o plano econômico. A área do plantio do arroz pode reduzir em 45% para a próxima safra, se nesses dias não houver uma solução para o financiamento.

A expectativa de queda na área plantada é de menos 12,4%.

A expectativa de queda na produção agrícola é de menos 22,5%.

É bom lembrar que o Rio Grande do Sul tem 60% de sua fonte de renda ligada à agricultura e à pecuária.

Antes da alegada falta de produtividade, o de que a agricultura do Rio Grande do Sul precisa são regras claras, financiamentos justos e incentivos.

É injusta a crítica aos produtores que por quase um século contribuíram decisivamente para abastecer e alimentar o Brasil.

Em particular a metade do sul do Estado, especialmente a fronteira oeste, vem sendo atingida sobremaneira pelos efeitos da crise. A quebra da agricultura e da pecuária arrasta atrás de si o fechamento de frigoríficos, a falência do comércio, a inviabilização de outros setores industriais, o desemprego e o êxodo rural.

Em Sant'Ana do Livramento, minha cidade, o desemprego já atingiu os maiores índices dos últimos anos, segundo levantamento do Sine, enquanto presenciamos o lado uruguaio se desenvolvendo organizado e próspero. Uma realidade que contraria a proposta do próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, de apoiar o desenvolvimento daquela região, e que compromete a integração efetiva do Mercosul.

A gravidade da situação do Rio Grande do Sul também se expressa nos seguintes dados: neste ano, com relação a 1994, as concordatas no comércio aumentaram 42,3%; as concordatas na indústria aumentaram 50%; as falências no comércio aumentaram 42,4%; as falências na indústria aumentaram 19;3%; os protestos de títulos em cartório aumentaram em 143,2%.

Em documente entregue recentemente às autoridades, os empresários gaúchos, liderados pelas suas entidades máximas, com adesão de entidades dos trabalhadores, alertam para a gravidade da situação.

Entre as entidades que assinam esse documento, citamos a Federação das Indústrias, a Federação da Agricultura, A Federação do Comércio, a Federação das Pequenas e Médias Empresas, a Federarroz, a Fecotrigo, a Fecocarne e várias entidades de todo o Estado.

Os empresários gaúchos afirmam em seu documento que "não querem o isolamento da economia brasileira, nem a volta do protecionismo", ao mesmo tempo em que argumentam "ser imperioso defender a produção nacional da concorrência desleal ou favorecida por um câmbio forçado".

E, diante da quebradeira generalizada, advertem, com conhecimento de causa, que "a falta de tantos que já tombaram ou que tombarão - se nada for feito - poderá até mesmo inviabilizar a retomada do desenvolvimento".

É urgente adotar medidas, para enfrentar a situação.

Entre as propostas mais urgentes apresentadas pelos empresários e trabalhadores gaúchos estão: a recapitalização das empresas; a reativação das linhas de crédito, através do BNDES e BRDE; a instituição do "reintegro" para o sistema exportador; o retorno aos prazos antigos de recolhimento de impostos; o equacionamento definitivo do crédito agrícola.

Antes de serem acusados de "caloteiros", os produtores que garantiram a maior safra da história do País devem ser respeitados e ouvidos em suas reivindicações e propostas.

Nem o Plano Real nem o Brasil têm futuro sem a necessária harmonia entre os diversos segmentos da produção e seus governantes.

É fundamental também, neste processo, assegurar formas de garantir o emprego para os trabalhadores, os maiores penalizados pela crise econômica.

O desemprego na região metropolitana de Porto Alegre, volto a afirmar, voltou a crescer pelo sexto mês consecutivo, elevando a taxa de desemprego para 11,4% da população economicamente ativa.

Em agosto, houve uma redução de 11 mil postos de trabalho, atingindo um total de 170 mil pessoas desempregadas.

A falta de condições para o plantio da próxima safra pode provocar a dispensa de 200 mil pessoas, do total de 1 milhão e 200 mil diretamente ligadas à produção de grãos do Estado.

No setor de fundição, o índice de desemprego é de 25%.

Entre os metalúrgicos já chega aos 22%.

Em Caxias do Sul, pólo metal-mecânico, o nível de emprego da categoria caiu 5,7% em 95.

Na construção civil, foram extintos 11 mil postos de trabalho, devendo chegar a 14 mil até o final do ano.

Na avicultura, a redução da mão-de-obra foi de 5% no último ano.

No setor de cerâmica, o desemprego já chegou a 40%.

No Vale dos Sinos, as empresas estão recorrendo para a redução da jornada de trabalho e de salário como forma de enfrentar a queda nas vendas em todos os setores. Ou seja, está ocorrendo uma explosão de desemprego, como se registra em países como a Argentina e o México.

O desemprego estrutural, como se tenta argumentar para justificar a situação atual, é um processo de longo prazo, que não acontece de forma repentina.

Inicialmente, atingindo o setor coureiro-calçadista, hoje, o desemprego no Rio Grande do Sul se alastra para todos os setores da produção.

A queda do nível de emprego, especialmente em setores de baixa qualificação, demonstra que é falsa a idéia de que a causa do desemprego é a modernização dos sistemas de produção.

O que existe é uma tentativa de isentar as altas taxas de juros da responsabilidade sobre o aumento do desemprego.

A verdade é que as altas taxas de juros estão provocando a queda da produção e, conseqüentemente, a redução do número de empregos.

Isso pode ocorrer em setores localizados, mas nunca dessa forma global e repentina.

Ao mesmo tempo em que destrói o parque produtivo, a crise também se abate sobre o setor público, comprometendo a arrecadação do Estado e dos Municípios.

Em setembro, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul teve de recorrer a um empréstimo de US$70 milhões no setor financeiro para cobrir a folha de pagamento, aumentando ainda mais a dívida pública estadual.

Também por conta da queda da arrecadação, a situação dos Municípios, anteparos imediatos e diretos da crise econômica, é dramática, levando muitos deles a uma situação desesperadora.

Ainda hoje, tomamos conhecimento de que um grande número de prefeitos já anunciam que não têm recursos para pagar o décimo-terceiro salário aos servidores municipais.

Diante dessa realidade, é injusto, incorreto e desumano promover o desmonte do Estado, das estatais e atacar os funcionários públicos, em sua maioria mal-remunerados, como se fossem esses os causadores da crise atual.

Estamos assistindo à maior concentração e transferência de renda da história do País, do setor produtivo, especialmente agrícola, para o setor financeiro e especulativo, nacional e internacional, como já afirmei desta tribuna.

As taxas de juros praticadas no Brasil, que atingem 60,8% anuais, são as mais altas do mundo, superando todas as formas anteriores de espoliação, especialmente a mais brutal delas - a derrama, no século passado.

Apenas para se ter uma idéia da exploração a que nosso povo está sendo submetido, lembramos que o Japão tem uma taxa anual de 2,38%, a França de 8,25%, os Estados Unidos de 8,75%, a Coréia do Sul de 14,07%, o Chile de 12,68% e o México de 47% - não por acaso também uma das mais altas do mundo.

A participação do sistema financeiro no Produto Interno Bruto do Brasil passou de 9,9% em 1984 para 20,7% no final do ano passado, enquanto, no mesmo período, a participação da indústria de transformação caiu de 27,2% para 26,6%.

Srs. Senadores, até o momento, a sociedade brasileira, e especialmente a gaúcha, tem ouvido com credibilidade cívica as explicações para as dificuldades que está passando.

Mas temo dizer que o limite de compreensão e aceitabilidade da população está chegando ao momento perigoso da desconfiança, que leva ao descrédito e, depois, à cobrança mais drástica de soluções.

As autoridades econômicas têm defendido a necessidade do seu "remédio amargo", utilizando a queda da inflação como demonstrativo do acerto das suas medidas.

Mas perguntamos: qual era a inflação do México em 20 de dezembro de 1994, quando aquele país quebrou, a ponto de necessitar de um socorro de US$50 bilhões? Qual era a inflação, Srs. Senadores?

A inflação no México, no dia da quebradeira, era de 7% ao ano. Isso mesmo, Srs. Senadores: 7% ao ano!

O que estamos querendo alertar com este dado é muito simples: a inflação baixa, por si só, não é sintoma de saúde econômica. A inflação está baixa, e isso é bom, mas a economia está atingindo graus comprometedores de falência e estagnação.

A quebradeira também está expondo o parque industrial nacional a um processo vil de desnacionalização sem precedentes.

O desemprego condena, de forma injusta e cruel, os trabalhadores que pagam com a fome, a miséria e a marginalização o preço da crise. E, mais do que ninguém, as mulheres sofrem com a pobreza crescente, que afasta, ainda mais, contingentes enormes da conquista da igualdade.

Em artigo recente, o economista Luiz Gonzaga Belluzo adverte para os riscos da tese "dos crentes do monetarismo", que apregoam "o caráter purificador das crises financeiras, necessárias para reparar os excessos do passado".

Na crise de 1929, lembra o economista paulista, o Secretário do Tesouro americano proclamava que as pessoas só poderiam ser liberadas da febre especulativa e inflacionária através do colapso e da liquidação de valores.

É inaceitável, acreditamos, apesar de determinadas declarações, que, por um momento sequer, tais teses tenham guarida entre as autoridades econômicas brasileiras.

Em recente reunião da Bancada federal gaúcha, Parlamentares ligados ao Executivo Federal afirmaram que "o Governo tem consciência de que o Rio Grande do Sul tem sido o Estado mais atingido pelas medidas econômicas" e também que "a política agrícola penalizou a agricultura do Estado".

É preciso, portanto, além de reconhecer essa realidade, adotar medidas urgentes para reparar e reverter a situação, com o objetivo de reencontrar o caminho do crescimento econômico e do desenvolvimento do Estado e do País.

O combate à inflação não pode afastar a idéia do crescimento econômico, do desenvolvimento, do fortalecimento da indústria nacional, do papel fundamental do Estado na economia e do emprego.

Aos homens e mulheres do Rio Grande do Sul está reservada uma grande e inadiável tarefa de defender o Estado, a sua economia e os seus valores.

O presente e a nossa história cobram a mobilização de todos os gaúchos, empreendedores por natureza, para superar a crise atual e reencontrar o caminho do crescimento econômico do Estado e do País.

Nós acreditamos na capacidade de produção e de trabalho dos empresários e trabalhadores gaúchos e brasileiros. E, sinceramente, esperamos que a sensibilidade dos governantes do País permita que ouçam as advertências da sua gente.

A minha intervenção é fruto do estilo de trabalho que tenho procurado desenvolver, aberto à sociedade gaúcha e comprometido, antes de mais nada, com os interesses do Rio Grande do Sul.

Espero, por fim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que as minhas palavras, também apoiadas no dever desta Casa de espelhar e representar os Estados da Federação, encontrem acolhida no coração e na razão de todos os Srs. Senadores.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 11/10/1995 - Página 792