Pronunciamento de Jefferson Peres em 12/03/1996
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS INDIGENAS E AS IRREGULARIDADES NA DEMARCAÇÃO DE SUAS TERRAS.
- Autor
- Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INDIGENISTA.:
- CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS INDIGENAS E AS IRREGULARIDADES NA DEMARCAÇÃO DE SUAS TERRAS.
- Aparteantes
- Bernardo Cabral.
- Publicação
- Publicação no DSF de 13/03/1996 - Página 3948
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
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- ANALISE, DOCUMENTO, AUTORIA, PRESIDENTE, CAMARA MUNICIPAL, MUNICIPIO, EIRUNEPE (AM), ESTADO DO ACRE (AC), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre tive grande sensibilidade pela questão indígena em nosso País, quem sabe, em parte, pelo sentimento de culpa que todos carregamos pelo processo de destruição cultural e até de extermínio físico dos índios brasileiros.
Creio que foi um avanço considerável da Constituição de 88 estabelecer os direitos indígenas, ampliando-os e determinando a demarcação das terras indígenas. No entanto, é preciso levar em conta, também, que nesse processo de demarcação estão ocorrendo irregularidades em detrimento do direito de populações não indígenas, tão legitimamente posseiras das áreas quanto aquelas outras.
Sr. Presidente, o meu pronunciamento se deve a um expediente que recebi da Câmara Municipal de um longínquo Município de meu Estado, Eirunepé, no alto Juruá, não muito distante do Estado do Acre, que é uma denúncia. Trago-o ao conhecimento do Senado e vou encaminhá-lo às autoridades competentes.
Diz o documento, firmado pelo Presidente da Câmara Municipal daquele Município, por sinal terra natal do atual Governador do Estado do Amazonas, que depois de demarcarem duas grandes áreas indígenas: uma de 660 mil e outra de 770 mil hectares, na margem direita do Juruá, sendo que a primeira para abrigar 100 indígenas; e a segunda, apenas 180, como se não bastasse isso, o documento denuncia que, agora, indigenistas ou falsos indigenistas, missionários ou falsos missionários - não sei - estariam transferindo populações indígenas de áreas distantes para a margem esquerda, a margem oposta do Juruá, e que eles estariam envenenando os igarapés. Segundo a denúncia, esses indígenas recentemente transplantados estariam envenenando as águas dos igarapés - e é fácil fazer isso com uma planta regional chamada timbó; o meu eminente colega de Bancada, Senador Bernardo Cabral, sabe disso - e, em conseqüência, caboclos que estão ali há gerações, vivendo da coleta de produtos extrativos ou da economia de subsistência da agricultura de várzea, estão sendo expulsos de suas terras, legitimamente ocupadas por eles anteriormente a esses indígenas, e se aglomerando em torno de Eirunepé, favelizando a cidade. São vítimas, portanto, da ação de elementos estranhos ao Município, alguns, inclusive, de nacionalidade estrangeira, conforme denúncia feita neste plenário, há cerca de um mês, pelo nobre Senador Bernardo Cabral.
O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo um aparte ao nobre Senador.
O Sr. Bernardo Cabral - Senador Jefferson Péres, de logo, devo dizer-lhe da minha solidariedade, o que seria dispensável, tal a nossa identificação na atuação e defesa da nossa terra. Mas veja V. Exª que os interessados em criar balbúrdia no nosso Estado, sobretudo nos Municípios como Euruneper e Barcelos - ainda há pouco eu fazia também a denúncia, conforme V. Exª ressalta -, são de tal monta que estamos sentindo como começa sem saber como terminará. Ora, V. Exª ressalta uma questão sobre a qual já conversamos, que são os caboclos que ali vivem, que têm uma tradição mais do que centenária, que conhecem inclusive a flora medicinal. Ainda há pouco, a Senadora Marina Silva havia feito uma emenda à qual demos a nossa aquiescência - e que acabou não sendo levada à votação -, para que, quando viessem as patentes, fosse dada ao nosso caboclo da terra a participação pelo que ele conhece.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Emenda que ambos subscrevemos.
O Sr. Bernardo Cabral - Exatamente. De modo que o discurso de V. Exª é mais do que oportuno porque põe a nu, mostra à calva o que se passa, mais uma vez, com o descaso da nossa região.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado, eminente Senador Bernardo Cabral. V. Exª conhece tão bem quanto eu a realidade do nosso Estado e da Amazônia.
Sr. Presidente, Srs. Senadores, não estou, de forma alguma, encampando a idéia esdrúxula de que os índios têm terras demais. É um equívoco estabelecer um espaço para os indígenas equivalente ao do branco, porque são realidades inteiramente diferentes. É claro que o índio nômade, vivendo de produtos florestais, precisa de um espaço muito amplo para manter o seu modo tradicional de vida e conservar a sua identidade cultural.
Não é esse o problema, de a terra ser grande ou pequena demais. O problema está, Sr. Presidente, no artificialismo de fatos como esse denunciado, de transferirem índios de uma área para a outra, apenas para criar uma falsa comunidade indígena naquele local, e de expulsarem os legítimos ocupantes da área, às vezes descendentes de indígenas, porque são descendentes de nordestinos emigrados, que se mesclaram com as populações indígenas que ali já viviam.
O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um outro aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES - Concedo-lhe, com muita satisfação, um outro aparte.
O Sr. Bernardo Cabral - Desculpe-me interrompê-lo mais uma vez, mas é para mostrar como assiste razão a V. Exª nessa história da transferência, na remoção de índios dos seus lugares para criar o pretexto.
O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - A Mesa interrompe V. Exª apenas para prorrogar, por mais 14 minutos, o período do Expediente, a fim de que o Senador Jefferson Péres termine o seu discurso.
O Sr. Bernardo Cabral - Muito obrigado, Sr. Presidente. Diz a Constituição, no art. 231, § 5º, textualmente:
É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
Era apenas uma achega que desejava dar ao discurso de V. Exª para mostrar a sua oportunidade.
O SR. JEFFERSON PÉRES - Muito obrigado pela contribuição, V. Exª que é, talvez, um dos maiores conhecedores da Constituição Federal.
Senador Bernardo Cabral, veja que a Constituição proíbe a remoção arbitrária, compulsória do índio. Mas, ao mesmo tempo, parece-me que aí está implícita a sua transferência induzida de um local para outro, a fim de criar o problema.
Não encampo como absolutamente verdadeira a denúncia, mas algo de verdade ela deve conter. Portanto, vou encaminhá-la ao Ministério da Justiça e à direção da FUNAI, que infelizmente se encontra acéfala. Aliás, acéfala porque o antropólogo respeitado que lá ocupava a presidência saiu atirando, denunciando que havia manipulação de índios por funcionários, segundo ele corruptos, da FUNAI, que usaram os índios para forçarem a sua saída.
Encaminharei o documento da Câmara Municipal ao Ministério da Justiça para que mande apurar e tome as providências que entender necessárias.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.