Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTUDO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 73, DE 1994, QUE INSTITUI O CODIGO BRASILEIRO DE TRANSITO.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTUDO DO PROJETO DE LEI DA CAMARA 73, DE 1994, QUE INSTITUI O CODIGO BRASILEIRO DE TRANSITO.
Aparteantes
Carlos Patrocínio, José Fogaça, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/1996 - Página 4201
Assunto
Outros > CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, SENADOR, COMISSÃO ESPECIAL, TRANSITO, SENADO, DEDICAÇÃO EXCLUSIVA, ATUALIZAÇÃO, MELHORAMENTO, CODIGO NACIONAL DE TRANSITO.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje venho à tribuna trazer ao Plenário uma questão que está no âmbito de uma Comissão Especial e que, a meu ver, merece a atenção de todos os Srs. Senadores, do Congresso Nacional e de toda a sociedade brasileira.

Trata-se do Código Nacional de Trânsito, cujas regras que vigoram atualmente no Brasil datam de 1966, quando os carros que corriam pelas ruas brasileiras eram o Simca Chamboard, o Karmann-Ghia, o JK. Época também em que começava, na verdade, de forma incipiente, a indústria automobilística brasileira, e a maioria das nossas ruas ainda era de paralelepípedos.

É claro que, nesses últimos 30 anos, a evolução tecnológica, a evolução industrial, a automação e a evolução dos motores principalmente, geraram uma nova realidade para o trânsito brasileiro. Não só isso, mas também a crescente industrialização do nosso País e o fenômeno crescente da urbanização levaram as cidades brasileiras a ter um número de veículos muito maior do que era presumível naquela época.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o caos das grandes cidades brasileiras principalmente e o caos das nossas estradas não se devem apenas ao grande número de veículos; devem-se, principalmente, ao fato de que as nossas regras estão ultrapassadas, as punições são absolutamente insignificantes e isso leva a que a cultura do nosso motorista seja a da deseducação, a do desrespeito às elementares regras de convivência na sociedade.

O Senado Federal está, há dois anos, estudando o Código Nacional de Trânsito. Para surpresa nossa, na última semana, descobriu-se que a tramitação desse Código na Câmara dos Deputados não teria obedecido aos ritos elementares, não teria sido votado em plenário.

O Senador Geraldo Melo, que preside interinamente a Comissão Especial de Trânsito, ficou encarregado de fazer consultas à Presidência do Senado e da Câmara sobre o aspecto legal dessa tramitação. Enquanto se discute isso, mais pessoas morrem de acidentes de trânsito nas cidades brasileiras.

Independentemente do acerto ou do erro do rito regimental na Câmara dos Deputados, a grande verdade é que o Senado Federal está sendo colocado publicamente como responsável, como culpado por não termos, hoje, um Código Nacional de Trânsito.

Há dois dias, o jornal televisivo de maior audiência na vida brasileira fez uma grande reportagem mostrando a omissão do Senado Federal. Somos, portanto, os 81 Senadores, todos nós, omissos, segundo esse noticiário, por não ter o Brasil um Código Nacional de Trânsito atualizado, por não termos regras claras de convivência entre os seres humanos e os veículos automotivos.

O pior é que o noticiário tem razão. Estamos pecando pela omissão, estamos falhando. Levamos dois anos para estudar a proposta da Câmara dos Deputados e sequer chegamos a discuti-la, tecnicamente, na Comissão Especial do Código de Trânsito. E agora, dois anos depois, chegamos à conclusão de que o rito regimental talvez tenha sido desobedecido na Câmara dos Deputados. Protelar mais a discussão desse Código significa deixar tudo como está, significa nos omitir frente ao mal que mais mata na sociedade brasileira, que é o trânsito. A doença que mais agride a família brasileira e que mais mata o cidadão brasileiro é o trânsito, é o acidente de trânsito. E nós, no Senado Federal, estamos há dois anos para discutir o Código Nacional de Trânsito; sequer conseguimos discuti-lo na comissão especial criada para esse fim. Aqui, no Senado Federal, as nossas preocupações têm sido outras. Entretanto, a sociedade organizada está nos cobrando isso.

Sr. Presidente e Srs. Senadores, a sensação que tenho é de que estamos surdos, não estamos conseguindo ouvir o que os setores organizados da sociedade estão dizendo. A sensação que tenho é de que o Senado Federal, neste assunto específico, não está conseguindo ouvir o clamor que vem de instituições especializadas, não está conseguindo ouvir dados que vêm dos levantamentos estatísticos que merecem credibilidade. E os acidentes de trânsito continuam matando, a deseducação continua sendo o vetor impositivo nas relações dos veículos com os cidadãos, e nada se faz. O crime de trânsito não é punido, o acidente de trânsito é subestimado, e o grande número de brasileiros que diariamente morre nas estradas e nas ruas das grandes cidades brasileiras não chama a nossa atenção.

O Sr. Carlos Patrocínio - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador Carlos Patrocínio.

O Sr. Carlos Patrocínio - Eminente Senador José Roberto Arruda, a indignação de V. Exª é perfeitamente compreendida por todos os Senadores. Há cerca de dois anos, a Câmara dos Deputados aprovou o novo Código de Trânsito, que agora tramita no Senado. Eu gostaria de vir em socorro dos eminentes componentes daquela comissão, principalmente o Senador Francelino Pereira, que é Presidente, o Vice-Presidente Geraldo Melo e o relator, Senador Gilberto Miranda. Estou observando a dificuldade que o Senador Geraldo Melo - agora em substituição ao grande companheiro Francelino Pereira, que se encontra convalescendo de uma operação de ponte de safena em São Paulo - tem encontrado para reunir os membros dessa comissão que estuda esse aspecto específico. Mas já tivemos a oportunidade de receber um parecer preliminar do relator Gilberto Miranda. Portanto, na próxima semana, deverá haver alguma reunião dessa comissão. É oportuna a fala de V. Exª no sentido de nos alertar para que nós, membros, suplentes e outros interessados, compareçamos para resolver, de uma vez por todas, a questão do trânsito em nosso País. V. Exª fala com conhecimento de causa: o trânsito tem matado mais do que qualquer outra doença em nosso País. É uma sangria tremenda nos cofres públicos. Um ponto que temos que analisar nesse novo Código de Trânsito é a questão do seguro. Pagamos o seguro obrigatório, e posteriormente o que se observa é que o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde, vem cobrindo todos os gastos com os politraumatizados do trânsito. Cerca de 50 mil pessoas morrem em decorrência de acidentes em nosso País todo ano. E o que é mais importante, nobre Senador, temos que resolver - como V. Exª bem frisou - a questão da impunidade. Parece que, no decorrer deste mês, pela primeira vez, vimos um criminoso do trânsito no banco dos réus. Essa questão dos acidentes de trânsito não é tratada com seriedade pela Justiça do nosso País. Esse Código tem que estar muito bem amarrado para acabar com a impunidade nos acidentes de trânsito em nosso País. Nobre Senador, cumprimento V. Exª pelo momentoso assunto que traz ao Plenário nesta sexta-feira, e gostaria de convocar todos os companheiros para que possamos apressar a aprovação desse projeto, que já tem um parecer preliminar do eminente Relator, Senador Gilberto Miranda.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado, Senador Carlos Patrocínio.

Quero registrar aqui que não faço nenhuma crítica específica à Comissão Especial de Trânsito, o que seria uma autocrítica, porque sou membro titular dessa Comissão. Claro que há dificuldades. O Senador Francelino Pereira, que esperamos retorne rapidamente ao nosso convívio, conseguiu reunir vários setores organizados da sociedade, os Detrans de todo o País, as escolinhas de trânsito, setores da sociedade civil. Eu, como membro da Comissão de Trânsito, ainda não recebi o relatório do eminente relator Senador Gilberto Miranda, que ficou de apresentá-lo na reunião da próxima semana.

O sentido deste pronunciamento é exatamente esse que V. Exª antecipou: que todos os Senadores, e não apenas os titulares da Comissão Especial de Trânsito, se dediquem, semana que vem, a essa comissão. Porque, na verdade, o Senado trabalha em alguns assuntos específicos que estão na pauta, que estão na agenda da semana da política brasileira, mas nos esquecemos, e não podemos cometer este equívoco, de assuntos que, embora não estejam momentaneamente nas manchetes da nossa agenda política, são extremamente fundamentais para o aprimoramento da sociedade brasileira.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero aqui relatar uma declaração estarrecedora que li. Até refleti um pouco se deveria repeti-la aqui, porque ela é arriscada, provocativa, até perigosa. Mas, com a responsabilidade que tenho de um mandato popular, vou relatá-la no Senado Federal, vou dar a ela mais publicidade do que já teve: um cidadão brasileiro que se encontra preso por um delito grave, assassinato, declarou recentemente que, se tivesse refletido um pouco mais antes de assassinar o seu inimigo usando uma arma de fogo, o teria assassinado de automóvel. Se, ao invés de dar-lhe um tiro, o tivesse atropelado, ele não estaria preso. Se tivesse usado como arma o automóvel, no lugar da arma de fogo, ele não teria sido punido. Essa é a grande realidade.

Essa idéia terrível da impunidade nos acidentes de trânsito é que faz com que centenas, milhares de vítimas se somem às estatísticas.

O Sr. Carlos Patrocínio - Nobre Senador José Roberto Arruda, é provável que alguém seu já tenha sido assassinado, e o seu desafeto tenha permanecido na impunidade.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Infelizmente, é isso.

Morrem, neste país, centenas, milhares de pessoas, todos os meses, em acidentes de trânsito, vítimas da imperícia, da irresponsabilidade de motoristas, da deseducação da sociedade brasileira. Cabe a este Congresso Nacional a elementar tarefa de dotar a sociedade de um Código Nacional de Trânsito atualizado.

Esse Código Nacional de Trânsito foi discutido durante muitos anos, na Câmara dos Deputados. Veio para o Senado Federal há dois anos, e não conseguimos ainda sequer discuti-lo no âmbito da Comissão Especial. A meu ver, o assunto merece a atenção de todos os Senadores.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Sebastião Rocha - Nobre Senador José Roberto Arruda, inicialmente, parabenizo V. Exª por defender, nesta manhã, uma tramitação mais célere para o projeto de reformulação do Código de Trânsito que está no Senado. Ao mesmo tempo, associo-me às preocupações de V. Exª, pois elas são minhas também. Sou de um pequeno Estado, o Amapá, e posso testemunhar que, mesmo nesses Estados menores, o índice de mortes ou transtornos provocados por acidentes de trânsito é elevadíssimo. No meu Estado, os acidentes de trânsito se encontram, também, entre as principais causas de morte - seguramente, entre as cinco principais causas de morte. Então, acredito que todos devemos nos esforçar para votar esse projeto o mais rapidamente possível. Assim poderemos dar à Nação uma lei que vai diminuir os índices de acidentes, estabelecendo penalidades e outras punições àqueles que provocam acidentes, quase que voluntariamente, como são os casos de embriaguez, imprudência ou negligência. Parabenizo-o mais uma vez, associando-me ao discurso de V. Exª.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado. Ao agradecer ao Senador Sebastião Rocha e ao Senador Carlos Patrocínio pelos seus apartes, eu gostaria de acrescentar algo.

O Sr. José Fogaça - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - Percebo que V. Exª se encaminha para a conclusão do seu discurso. Antes, porém, eu gostaria de fazer um registro, e o faço com muita satisfação, até com certo entusiasmo: é possível que venhamos a encaminhar uma nova legislação, realmente conseqüente, para o sistema de trânsito no Brasil. Quero, também, registrar, com muita ênfase, a importância do pronunciamento de V. Exª. Vivemos em Brasília, que talvez seja a cidade brasileira mais bem educada para o trânsito - isso não é novidade -, mas mesmo assim, em Brasília, verificamos a cultura comportamental do brasileiro. Apesar de ser a cidade mais bem educada para o trânsito, ainda há coisas que não são muito explicáveis em qualquer lugar do mundo. Mas há uma cultura comportamental no trânsito. Primeiro, a cultura que já se enraizou na consciência do brasileiro de que carro tem preferência sobre pedestre. No Brasil, o motorista supõe sempre que o seu carro, na via pela qual está passando, sempre tem mais importância e deve prevalecer como opção sobre o pedestre. Se alguém tentar, por exemplo, parar numa faixa zebrada para dar preferência ao pedestre, estará cometendo um gravíssimo erro, embora isso seja o que a legislação determina. Fiz essa experiência. Parei na faixa zebrada para que os pedestres pudessem passar, porque eles têm a preferência - o carro é rigorosamente secundário em relação ao cidadão; e como parei e aguardei que as pessoas passassem, quase que, por minha causa, uma pessoa foi atropelada. Isso porque os outros não pararam. A partir desse momento, decidi não parar mais na faixa zebrada. É uma temeridade da minha parte, é uma loucura minha parar na faixa para dar passagem às pessoas. Ao fazê-lo, elas correm o risco de ser atropeladas. De modo que essa cultura é algo impressionante. O motorista brasileiro supõe que, quando dobra uma esquina, tem preferência sobre o pedestre. E age dessa maneira pensando que isso lhe é dado como um direito. Portanto, vejo em V. Exª, pelo pronunciamento que faz, alguém que também participa dessa preocupação em impormos sanções drásticas, severas, a essas deformações de comportamento. Para o brasileiro - e esta cultura está na cabeça dos juízes - acidentes de trânsito em que pessoas morrem ou ficam feridas são sempre produtos da fatalidade e não da imperícia, da imprudência, da negligência. Infelizmente, isso é uma cultura historicamente enraizada em nosso País. O automóvel entrou na nossa vida como alguma coisa que não compreendemos bem. E toda pessoa que senta no volante de um carro sempre supõe que tem absoluto privilégio e preferência sobre todos os demais que circulam, inclusive os cidadãos, pedestres que querem atravessar as ruas ou circular. Muitas vezes, a associação perversa de ignorância com irresponsabilidade provoca acidentes terríveis, como os que se verificam em locais com o Eixo Rodoviário Sul. Parabenizo V. Exª. Estou solidário com V. Exª e ao seu lado nessa mobilização que faz no sentido da aprovação do novo Código Nacional de Trânsito.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço-lhe, Senador José Fogaça. Na verdade, o seu aparte vem concluir, e muito bem, este pronunciamento. Penso também que o problema no Brasil é efetivamente cultural. Essa junção terrível de ignorância com irresponsabilidade a que V. Exª se referiu é o cerne de toda a questão.

O Código Nacional de Trânsito, após as discussões que se travaram no Congresso Nacional, recebeu aprimoramentos não só em termos de punições para as infrações, como também em termos de didática e de regras elementares de convivência entre cidadãos e veículos automotivos. Não tenho a menor dúvida de que, qualquer que seja o resultado final da discussão e votação do Código Nacional de Trânsito aqui no Congresso Nacional, ele trará melhorias imediatas para esse setor da vida brasileira.

Cito, agora, apenas um exemplo. O Senador José Fogaça considera o trânsito aqui em Brasília melhor do que em outras cidades. Pois bem: a nossa Capital apresenta acidentes de trânsito terríveis, porque as vias aqui convidam à alta velocidade. Todavia, experimentou-se aqui algo interessante: uma escolinha pública de trânsito. Todo cidadão que pretender tirar sua carteira de motorista tem que freqüentar uma auto-escola normal, como em qualquer cidade do País. Só que, antes de fazer o exame de motorista, o Detran exige que ele freqüente, por uma semana, uma escolinha pública de trânsito, em que há um nivelamento de conhecimentos básicos. É algo cultural e didático. Nessas escolinhas, o cidadão verá acidentes de trânsito para poder observar como as coisas acontecem. Essa escolinha de trânsito tem dois anos, e as estatísticas demonstram que os novos motoristas que por ela passaram provocam um índice de acidentes bastante menor do que aqueles outros que não passaram por essa escolinha.

Há exemplos no País todo. Há o programa da descentralização, da municipalização dos órgãos de fiscalização, o que também tem dado resultado, porque é claro que o trânsito em pequenas e grandes cidades apresenta diferenças significativas.

Concluindo, qualquer que seja o resultado final dessa discussão, vamos ter um Código Nacional de Trânsito necessariamente melhor e mais moderno do que o que está em vigor, que data dos anos 60, quando a realidade era totalmente diferente. Esse Código Nacional de Trânsito é, no mínimo, uma base elementar, fundamental para uma mudança cultural e para o aumento da responsabilidade dos cidadãos que dirigem veículos. E isso é essencial no aprimoramento da sociedade brasileira.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/1996 - Página 4201