Pronunciamento de Casildo Maldaner em 15/03/1996
Discurso no Senado Federal
REFORMA DA LEI DE ENTORPECENTES.
- Autor
- Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
- Nome completo: Casildo João Maldaner
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DROGA.:
- REFORMA DA LEI DE ENTORPECENTES.
- Publicação
- Publicação no DSF de 16/03/1996 - Página 4214
- Assunto
- Outros > DROGA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, PROJETO DE LEI, APROVAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, CAMARA DOS DEPUTADOS, REFORMULAÇÃO, LEI FEDERAL, ENTORPECENTE, RELAÇÃO, PENALIDADE, USUARIO, TRAFICANTE, DROGA.
O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há mais de um mês a Primeira-Dama do País, Dona Ruth Cardoso, participando de um programa na televisão e instada a manifestar a sua opinião sobre a polêmica questão da legalização das drogas, afirmou ser favorável à descriminação da maconha. Sua sinceridade provocou perplexidades e motivou reações de aplauso por um lado, e de censura, de outro.
Os que tradicionalmente se alinham a favor da liberação da maconha viram na declaração da Primeira-Dama uma adesão de peso a favor de sua causa. Outros, entretanto, lamentaram a declaração, por considerarem que ela poderia ser entendida como um incentivo ao consumo da erva.
Deixando os extremismos de lado, o que importa, principalmente agora, quando tramitam no Congresso Nacional projetos de modificação da legislação sobre drogas, é a discussão ampla e desapaixonada sobre assunto tão polêmico. As forças vivas da sociedade devem ser ouvidas sem qualquer censura prévia, sem qualquer preconceito, sem nenhuma inibição. As posições conflitantes devem expor seus argumentos, apresentar suas defesas, exibir seus pontos de vista. Com a serenidade recomendada pelo confronto sadio de opiniões!
Podemos antever, na senda das discussões a serem travadas na apreciação dos projetos de lei em tramitação, posições distintas.
Manter a atual legislação é uma delas. A Lei de Entorpecentes, de número 6.368, aprovada há vinte anos, determina a detenção de seis meses a dois anos para as condutas de "adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". Para o tráfico, o art. 12 prevê pena de reclusão por três a quinze anos, sem direito a fiança.
Para os defensores da manutenção da atual Lei de Entorpecentes, a descriminação das drogas traria um aumento no consumo, dado que os dependentes continuariam a comprar a droga e muitos dos não iniciados perderiam o freio inibidor - o medo de serem presos - e passariam a ser consumidores.
Outro caminho, em sentido radicalmente oposto, seria a liberação geral, passando à legalidade todos os meios de produção, comércio e consumo de drogas. Apontam os defensores dessa proposta, como seu principal ganho, o desmonte e desarticulação a serem causados ao sistema de narcotráfico e ao crime organizado, retirando de suas mãos o controle do comércio de drogas. Em caráter ilícito, a atividade movimenta em torno de US$500,000,000,000.00 por ano, em todo o mundo. No continente americano, calcula-se que os traficantes faturem US$2,000,000,000.00 por ano.
Alegam ainda os postuladores da legalização das drogas que benefícios diretos seriam colhidos por toda a sociedade, porque, ficando a questão das drogas circunscrita à esfera dos consumidores-dependentes, poderiam eles ser identificados e tratados sem a ameaça e o risco da violência das quadrilhas do tráfico e seus exércitos de aliciadores.
O terceiro caminho representaria o meio termo entre as propostas mencionadas: o comércio continuaria a ser penalizado, mas o usuário não seria mais tratado como criminoso. Em vez de ser levado à delegacia, o usuário detido em flagrante teria a droga apreendida e anotados seu nome, endereço e número da carteira de identidade. A punição se daria na forma de prestação de serviços à comunidade pelo período de um a dois meses.
Essa modificação é a que parece inserida no projeto de uma nova lei de entorpecentes, aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados no final do ano passado. A pena para o tráfico seria endurecida, com limite mínimo de pena elevado para seis anos. Ainda por esse projeto, não constituiria crime plantar, guardar ou consumir pequena quantidade de maconha. A quantidade exata que separa o usuário do traficante seria definida posteriormente pelo Ministério da Saúde.
Busquei antever, Sr. Presidente, nesses parágrafos precedentes, a calorosa e movimentada discussão que terá lugar no Congresso Nacional, assim que o projeto entrar na pauta dos nossos plenários. É muito desejável que, até lá, a polêmica tenha alcançado as ruas e levantado opiniões e posições.
Vejo com satisfação que o assunto já esteja ocupando as agendas da imprensa, de órgãos oficiais, de autoridades, de organizações não-governamentais, de institutos de pesquisa. Não importa nem mesmo o modo como tenha se deflagrado o processo de discussão. Se com a declaração sincera da nossa Primeira-Dama no programa de entrevista; se com a exposição da dor pungente do jornalista Ruy Fabiano, irmão do falecido violonista Rafael Rabelo; se com o drama pessoal da atriz Vera Fischer; se com a estrepitosa moda do apito no Posto 9, em Ipanema; se com a arrojada declaração do Governador Marcello Alencar; se com a malsinada morte da jovem Lia Brill, em Goiânia.
O importante, Sr. Presidente, é que o tema ganhe as ruas, volto a repetir, para que a sociedade sinalize para seus representantes, eleitos pelo voto, qual a modificação que deseja ver implantada na nova lei de entorpecentes.
A imprensa local vem publicando uma série de matérias sob o título Overdose, abrindo o espaço para que pais e familiares exponham o drama de conviver com um viciado, para que as vítimas relatem seu envolvimento com as drogas, para que as autoridades manifestem seus projetos de ação no combate ao tráfico, para que os médicos e clínicos expliquem os efeitos da droga no organismo humano, para que clínicas tragam à luz seus serviços de recuperação e desintoxicação de viciados, para que, enfim, sejam tornadas públicas e conhecidas a armadilha criminosa e a teia de morte que traçam os "soldados do pó" em torno de suas vítimas, o mais das vezes, uma criança ainda, um adolescente indefeso, um jovem cheio de vida, ceifados impiedosamente para manter o lucro e o vício de outros.
O Correio Braziliense chegou, inclusive, a promover, juntamente com a Ordem do Advogados do Brasil, o debate: "Drogas. O que fazer?" O auditório do jornal, com capacidade para 120 pessoas, ficou completamente lotado durante todo o tempo do debate. E participou também do PROJETO INFORMAÇÃO ADOLESCENTES, série de encontros para alunos de diversas escolas, num shopping de Brasília, promoção em parceria com o Conselho Federal de Entorpecentes, Ministério da Saúde e Universidade de Brasília.
Esse é o legítimo papel social que cabe à imprensa, se pretende ela ser um veículo também de educação na sociedade a que serve. Desejável que outros jornais fizessem o mesmo; que a televisão, tão largamente difundida em nosso território, fizesse o mesmo; que o rádio fizesse o mesmo. Quanto mais informados estiverem todos a respeito do mundo das drogas, particularmente os adolescentes e jovens, mais sábia e conscientemente saberão se posicionar e agir contra os aliciadores e traficantes, verdadeiros sanguessugas da vida alheia.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo o oportuno momento de discutir a questão das drogas. Teremos de decidir, em breve, o formato da nova lei de entorpecentes a vigorar no País. Há que se tratar o tema abertamente, sem hipocrisias, sem tergiversações, sem tabus, sem dogmas, sem preconceitos.
Estamos vivenciando um processo geral de democratização dos costumes, a prática do diálogo e, sobretudo, o exercício do livre-arbítrio. Nesse cenário, desponta um maior apoio da sociedade brasileira à descriminação da maconha, hoje, do que o verificado um ano atrás. Tal fato é revelado por uma pesquisa exclusiva de Istoé/Brasmarket realizada nas principais capitais, ouvidas duas mil trezentas e setenta e quatro pessoas. No verão do ano passado, mais de 75% dos entrevistados mostraram-se contrários à descriminação do uso de maconha, e apenas 20% a favor. No verão deste ano, dobrou o número de pessoas a favor, passando para 41,6%. Em contrapartida, a porcentagem dos que se mostraram contrários a deixar de ser crime o uso da maconha caiu para perto de 50%.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos que há diferenças entre as drogas, identificadas até como leves ou pesadas. Reconhecemos a distinção existente entre o usuário e o traficante. Não será, então, o momento de enfrentarmos as diferenças e postularmos algum tipo de descriminação, como a da maconha, por exemplo, cujo princípio ativo, o tetrahidrocanabinol, tem tido aplicação terapêutica em alguns casos específicos?
É evidente que não se trata de liberar o comércio da maconha. Nem seu uso, por certo. Mantendo-se a desaprovação legal ao uso de drogas, é o caso de pensar se o usuário de maconha deve continuar sendo penalizado com a prisão, que sempre é um trauma a deixar seqüelas, ou se faria jus a uma punição mais branda, como a de ser obrigado a prestar serviços à comunidade, por exemplo.
É nessa linha de pensamento que trabalhou o relator do projeto da Câmara, Deputado Ursicino Queiroz. Para ele, o usuário, ao invés de representar um perigo para a sociedade, é alguém que precisa de ajuda.
Não se trata, tampouco, de promover uma política de liberação das drogas, tal como implantada na Holanda, por exemplo, país de longa tradição, de respeito às liberdades individuais, onde as drogas leves (maconha e haxixe) são vendidas livremente em coffee-shops, que, por sinal, estão proibidos de comercializar bebidas alcoólicas, e onde seringas para consumo de drogas pesadas (heroína e cocaína) são distribuídas gratuitamente para evitar o contágio da AIDS.
Para finalizar, trata-se, a meu ver, de pôr fim a longos vinte anos de arbitrariedade. Cominar penas mais brandas ao usuário de drogas e endurecer ainda mais com o traficante.
Eram essas as considerações que gostaria de trazer, na manhã de hoje, ao Plenário do Senado Federal. Muito obrigado. (Muito bem!)