Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE INCENTIVO DO GOVERNO FEDERAL COM VISTAS A REDUZIR O DEFICIT NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS DO BRASIL COM SEUS PARCEIROS DO MERCOSUL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • NECESSIDADE DE INCENTIVO DO GOVERNO FEDERAL COM VISTAS A REDUZIR O DEFICIT NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS DO BRASIL COM SEUS PARCEIROS DO MERCOSUL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1996 - Página 4399
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, INCENTIVO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, DEFICIT, ATIVIDADE COMERCIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PARTICIPANTE, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PRIORIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, EXPORTAÇÃO.
  • TRANSFORMAÇÃO, SETOR, EXPORTADOR, INDUSTRIA, CRIAÇÃO, EMPREGO, RIQUEZAS, TECNOLOGIA, QUALIDADE, VIABILIDADE, MODERNIZAÇÃO, ECONOMIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil acumulou, no primeiro semestre do ano passado, um déficit comercial de U$565 milhões nas transações com os seus parceiros do Mercosul. A entrada de produtos argentinos, uruguaios e paraguaios alcançou U$3.600 bilhões, registrando uma alta de mais de 120% em comparação com o mesmo período de 1994. As exportações brasileiras, por seu turno, chegaram aos mercados do Cone Sul num volume de U$3.100 bilhões, no período de janeiro a junho de 1995, de acordo com os dados da Receita Federal, divulgados em setembro do ano passado pela Gazeta Mercantil.

Somente com a Argentina, nosso principal parceiro no Mercosul, o déficit brasileiro chegou a U$900 milhões. Contribuiu para esse resultado o fato de que 80% das importações brasileiras, no âmbito do Mercosul, foram de produtos provenientes da Argentina, dos quais os três principais são o trigo, o petróleo bruto e partes e acessórios de automóveis.

Diante desses dados, pergunto, Sr. Presidente: terão especialistas brasileiros e observadores estrangeiros razão ao afirmar que a Argentina é o País mais beneficiado com a implantação do Mercado Comum do Sul?

Verificam eles uma incomum corrida de investidores estrangeiros, indo instalar-se no território argentino. Além disso, centenas de empresas brasileiras - dizem que mais de 300 - abriram filiais ou formaram joint ventures na Argentina para se beneficiarem dos incentivos à exportação. Multinacionais do setor automobilístico prometeram investir naquele País não menos de U$3 bilhões.

Como resultado, a balança comercial argentina fechou o primeiro semestre com expressivo saldo favorável, acima de U$800 milhões. Com parceiros do Mercosul, dos quais o Brasil é o principal mercado, o superávit argentino - segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos, de Buenos Aires - elevou-se a mais de US$1 bilhão, três vezes superior ao volume do mesmo período do ano anterior.

É natural, portanto, Sr. Presidente, que essa crescente transferência de indústrias para a Argentina traga reflexos para a economia e a exportação brasileiras. Vejamos, por exemplo, os itens de autopeças e eletrodomésticos importados da Argentina são aqui isentos de qualquer tarifa, ao passo que os mesmos produtos fabricados no Brasil estão sujeitos a taxas que variam de 12% a 30% para ingressar no mercado argentino.

Não podemos permanecer inertes diante do desempenho demonstrado pelas exportações brasileiras no âmbito do Mercosul. Também não nos enchem de satisfação as estatísticas sobre a balança comercial. Estudos realizados pelo economista Francisco Eduardo Pires de Souza, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, revelam que o crescimento de 6,7% das exportações brasileiras no primeiro semestre de 1995, em relação ao mesmo período do ano anterior, foi sustentado muito mais pela elevação dos preços internacionais das commodities - que subiram em média 40% no período - do que pelo aumento de volume de produtos exportados, que praticamente foi nulo, beirando apenas 0,3%.

Somos levados a concluir, portanto, que o Brasil, no tocante à pauta de exportações, ainda não tirou proveito do processo de abertura comercial. Além disso, entraves em determinados setores têm trazido substancial prejuízo às nossas exportações. Cito, a propósito, o acordo de compensação firmado no âmbito da União Européia, que deveria a princípio compensar o Brasil pelas perdas sofridas com a desconsolidação unilateral dos direitos alfandegários incidentes sobre a carne de frango, do peru, do porco e do Hilton beef. Na prática, contudo, não foi o que ocorreu. Além de tardia vigência nas cotas tarifárias, que entraram em vigor somente no segundo semestre de 1994, as modalidades de implementação, nos termos do acordo, deixaram de atender às expectativas brasileiras. A Comunidade Européia procedeu à distribuição das cotas incluindo países não-signatários do acordo, até países que não são membros do GATT, como é o caso da China. Ademais, a administração da cota, que deveria ser dada ao Brasil, ficou sob a tutela da União Européia, que a entregou aos exportadores.

Para os exportadores do setor, tal situação tem gerado graves distorções no mercado, com fortes indícios de estar sendo criado um verdadeiro mercado paralelo de licenças, altamente prejudicial ao mercado comunitário e aos interesses do setor brasileiro. A distribuição das cotas do terceiro trimestre de 1994 beneficiou empresas de países não tradicionais importadores de frango brasileiro, alguns dos quais proíbem a importação do nosso produto. O que farão as empresas com as licenças? Suspeita-se que vão vendê-las a clientes do Brasil, estabelecendo perniciosa prática de tráfico de cotas, já que não foi instituída no acordo a necessidade de certificado de origem do produto. Com isso, Sr. Presidente, ficam prejudicadas as exportações brasileiras desse setor, e não usufrui o País dos benefícios do acordo compensatório.

Para se ter uma idéia da gravidade da situação, temos o montante de prejuízos auferidos pelo Brasil, único fornecedor tradicional de frango à União Européia entre os signatários do acordo compensatório: são US$40 milhões por ano, em 1994 e em 1995.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos consciência de que construir a integração regional não é um caminho fácil, principalmente se levarmos em conta que o capitalismo deste final de século empurrou a disputa por dinheiro, produção e empregos para além dos limites dos conglomerados empresariais, trazendo-a para a arena política dos governos. É por isso que o sucesso da construção de blocos de tamanha envergadura passa primordialmente por um gigantesco desejo político e por uma inesgotável capacidade de superar obstáculos.

Se olharmos para o longo caminho da unificação européia, veremos que não foram poucas nem leves as crises que a União Européia teve que superar na trajetória de sua integração. Lembremos o inesperado acontecimento da reunificação alemã ou a crise provocada pelo veto do General De Gaulle à entrada da Inglaterra na Comunidade, e, mais recentemente, a batalha pela ratificação do Tratado de Maastricht nos países que tiveram de submetê-lo a plebiscito.

Nos catorze meses de plena atividade do Mercosul, não deixaram de ocorrer conflitos e atritos comerciais entre os sócios, particularmente com os parceiros Brasil e Argentina, cujos governos, determinados na manutenção de seus respectivos programas de estabilização econômica, tomaram medidas potencialmente belicosas no contexto da união aduaneira.

Assim aconteceu em março de 1995, quando a Argentina, para resolver problemas fiscais, aumentou em três pontos a taxa de estatística - imposto adicional cobrado sobre as importações - e elevou alíquotas alfandegárias de produtos excetuados da Tarifa Externa Comum - TEC. O Brasil conseguiu, em dura negociação, flexibilizar a lista de exceção à TEC, com a aprovação temporária de lista adicional de 150 itens. Mas foi em meados de junho que as relações entre os dois parceiros viriam a sofrer maior estremecimento. O Brasil criou, em medida provisória, o seu regime locomotivo, estabelecendo cotas de importação de carros e incentivos para atrair investimentos estrangeiros, aproveitando-se de cláusulas de salvaguarda da Organização Mundial do Comércio. O governo argentino imediatamente esperneou e só se tranqüilizou quando viu a Argentina excetuada do sistema de cotas de importação.

Agora, é preciso que fique claro o seguinte: o Brasil tem problemas a resolver na área de comércio exterior? Tem arestas a aparar com seus parceiros do Mercosul? Necessita rever acordos firmados no âmbito dos blocos regionais? Evidente que sim. Então, vamos ter que enfrentá-los.

O Brasil dispõe hoje de condições econômicas políticas e psicológicas favoráveis para deslanchar um programa de crescimento da presença dos nossos produtos no mercado externo. Precisa implementar uma política de exportação que transforme o setor exportador numa indústria geradora de empregos, riquezas, tecnologia e qualidade, em caráter permanente, e não como eventual via alternativa em situação de queda da demanda interna. Precisa explorar o largo potencial de sua inserção no Mercosul, tirar melhor proveito dos acordos inter-regionais de cooperação econômica e comercial entre os blocos.

O setor exportador tem indicado as medidas necessárias para tornar a atividade rentável, competitiva e eficiente. A redução do custo Brasil é uma delas. Precisamos investir em infra-estrutura de transportes, facilitar o acesso a financiamentos e implementar o seguro de crédito a exportações. Além disso, deve-se buscar a eliminação de tributos sobre produtos exportados, bem como a redução de tarifas aeroportuárias.

Faço aqui, Sr. Presidente, Srs. Senadores, uma outra colocação: não é possível que, mesmo tendo o terceiro rebanho do mundo, exportemos menos carne para o mercado europeu do que o Uruguai. O que é pior: quando tivemos a compensação nas oleaginosas, recebemos 15 mil toneladas de frango como compensação. Entraram para se beneficiar dessas cotas compensatórias dois países que nem sequer faziam parte do tratado. E mais ainda: dois outros países passaram a fazer parte do Mercado Comum Europeu. Houve crescimento de cotas, e o Brasil não se beneficiou. Não sei. Precisamos verificar se isso ocorreu por culpa da nossa diplomacia, por culpa da pouca agressividade do nosso Governo em relação à briga por essas cotas. A verdade é que estamos pagando caro por esse descaso em relação aos nossos exportadores.

A Argentina está recebendo inúmeros investimentos, mais de US$3 bilhões na área automotiva. É preciso que a nossa diplomacia, o nosso Ministério da Indústria e Comércio, enfim, que o nosso Governo demonstre vontade e talento, para podermos, assim, obter benefícios não só do Mercosul, como também dos demais tratados. É para essas mudanças, urgentes e necessárias, que chamo a atenção dos nobres Pares nesta Casa. Consciente estou de que o setor exportador desempenha papel de importância vital não apenas para o processo de modernização da nossa economia, mas também, e sobretudo, para a melhoria da qualidade de vida da nossa população.

Convocamos, Sr. Presidente e Srs. Senadores, para prestar esclarecimentos na Comissão de Assuntos Econômicos, do Senado Federal, os exportadores de frango e de carne. Temos certeza de que o acordo assinado na Rodada Uruguai do GATT foi prejudicial, um acordo com 600 páginas, muitas das quais em francês, que assinamos aqui em um final de sessão, sem sabermos sequer o que estávamos assinando. Certamente ele vai nos trazer problemas, aliás, já está nos trazendo. E, com toda certeza, também pagaremos, a curto prazo, pela aprovação da Lei de Patentes. Teremos esses depoimentos.

Sr. Presidente, ao encerrar o meu discurso, ressalto que o Senado da República precisa estar atento para esses movimentos, porque significam geração de riquezas, transferência de tecnologia, mas, principalmente, significam, para nós, geração de empregos, do que muito carecemos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1996 - Página 4399