Discurso no Senado Federal

COMUNICANDO QUE RECORRERA DA DECISÃO DO SR. PRESIDENTE JUNTO AO PLENARIO DO SENADO FEDERAL.

Autor
Hugo Napoleão (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Hugo Napoleão do Rego Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS. REGIMENTO INTERNO.:
  • COMUNICANDO QUE RECORRERA DA DECISÃO DO SR. PRESIDENTE JUNTO AO PLENARIO DO SENADO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1996 - Página 4413
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS. REGIMENTO INTERNO.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, INTERPOSIÇÃO, RECURSO REGIMENTAL, DECISÃO, PRESIDENTE, SENADO, DECLARAÇÃO, IMPROCEDENCIA, QUESTÃO DE ORDEM, AUTORIA, ORADOR, INDEFERIMENTO, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. HUGO NAPOLEÃO (PFL-PI. Para uma questão de ordem.) - Sr. Presidente, consoante tive a oportunidade de comunicar a V. Exª, pouco antes da realização da presente sessão do Senado Federal, passo a formular a seguinte questão de ordem.

Nos termos dos arts. 403 a 408, 412, inciso IV, e 413, do Regimento Interno do Senado Federal e tendo em vista, sobretudo, o que dispõe o art. 58, § 3º, da Constituição Federal, encaminho a V. Exª a seguinte questão de ordem, requerendo, ao final, a nulidade e conseqüente arquivamento do Requerimento nº 198, de 1996, pelas seguintes razões:

1. Estabelecem o art. 58 e o seu § 3º da Constituição Federal:

      "Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

      ..................................................

      § 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço dos seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."

2. Endossa a determinação da Constituição acima transcrita o art. 145, § 1º do Regimento Interno, verbis:

      "Art. 145 - A criação de comissão parlamentar de inquérito será feita mediante requerimento de um terço dos membros do Senado Federal.

      § 1º O requerimento de criação da comissão parlamentar de inquérito determinará o fato a ser apurado, o número de membros, o prazo de duração da comissão e o limite das despesas a serem realizadas. "

      I - FATO DETERMINADO

Falta na proposição o fato determinado.

No requerimento está expresso:

      "Requeremos a V. Exª, nos termos do § 3º do art. 58 da Constituição Federal e na forma do art. 145 e seguintes do Regimento Interno do Senado Federal, a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, composta de 13 membros e igual número de suplentes, obedecido o princípio da proporcionalidade partidária, destinada a, no prazo de 180 dias, apurar:

      A responsabilidade civil ou criminal de agentes públicos ou privados do Sistema Financeiro Nacional que, por ação ou omissão, possam ter causado prejuízo à União - em especial ao Banco Central do Brasil -, e cujos bancos tenham sido atingidos, a partir do ano de 1995, por intervenção, ou colocados em regime de administração especial, bem como investigar em profundidade a prática, denunciada pela imprensa, de atividades relacionadas com empréstimos e balancetes fictícios, já analisados ou em análise pelo Banco Central do Brasil e, assim, também, a remessa ilegal de moedas para o exterior."

Onde está o fato que ocorreu no tempo e no espaço? Foi provocado por quem? Quando? Como? É o que indago.

Há uma menção hipotética de crimes que podem ocorrer em qualquer sistema financeiro, em qualquer parte do mundo. Apenas isso.

Somente fatos determinados, concretos, individuados e precisos podem ser objeto da investigação. Isto porque "o poder de investigar não é genérico ou indefinido, mas eminentemente específico, ou há de ter um conteúdo concreto, suscetível de ser antecipadamente avaliado na sua extensão, compreensão e alcance pelas pessoas convocadas a colaborar com as comissões de inquérito..." A cláusula constitucional tem um "sentido próprio. Nada mais significa do que fatos precisos, definidos, concretos, específicos e inequívocos, de maneira a poderem constituir objeto de investigação e de provas". (Saulo Ramos citando Francisco Campos).

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1946, vol. II, art. 53), ao assinalar que a Constituição teve o fito de incentivar, animar a missão fiscalizadora do Poder Legislativo, define o fato como todo e qualquer da vida constitucional do País, acrescentando, todavia, que as Comissões não podem invadir as atribuições judiciárias ou disciplinares.

Entende-se, diz o professor Alfredo Baracho (Teoria Geral da Comissões Parlamentares - Forense - 1988 - pág. 131) - que (os fatos) "são de ordem pública, política, econômica e social. É acontecimento de relevantes interesses para a vida constitucional, legal, econômica e social, devidamente caracterizados no requerimento de constituição da Comissão a ser criada... Esse fato deve ser realmente determinado, claro e indiscutível. A ação precisa levará a uma conclusão clara e eficiente".

É imprescindível, por conseguinte, que o fato seja objetivamente determinado, considerando-se inclusive que ele baliza, marca o limite da atuação da CPI.

      "No Brasil, o campo de investigação das comissões parlamentares de inquérito é delimitado pelo seu objeto."(Moacyr Lobo da Costa - Revista do Direito Público, vol. 9/116-117).

      "...a Comissão de Inquérito cinge-se ao objeto de sua constituição, isto é, ao fato determinado. Ele é que compreende toda a área jurisdicional da competência e atribuições da Comissão"(Deputado Djalma Marinho - Parecer da CCJ-CD).

Torna-se evidente que o inquérito não pode ultrapassar os limites da autorização conferida. "As comissões criadas para investigar determinados fatos terão - esclarece o jurista Saulo Ramos (artigo publicado no O Estado de S.Paulo, 31/03/88) - ampla ação nas pesquisas destinadas a apurá-los, mas não poderão estender a investigação a outros fatos não compreendidos entre os que deram origem à sua formação. Sendo ampla a sua ação investigatória, seu objetivo é, contudo, limitado."

As Comissões, por outro lado, não podem transpor os limites que separam o Legislativo dos outros Poderes. Na Câmara dos Deputados, foi constituída uma Comissão de Inquérito (com o número de subscritores exigidos e já com os membros do órgão indicados pelas Lideranças) destinada a investigar a "tentativa de prisão, seqüestro e eliminação do Governador Carlos Lacerda". O Relator, entretanto, levantou preliminar, na qual argüiu a inconstitucionalidade da Comissão e analisou a matéria sob os aspectos da sua inconveniência e inoportunidade, salientando:

      "O inquérito que se pretende realizar através desta Comissão, constituída com fundamento no art. 53 da nossa Carta, suscita problemas de inconstitucionalidade, de conveniência e de oportunidade que, pela sua relevância, não podem, não devem deixar de ser previamente considerados por nós e, desde que julgadas procedentes as ponderações, a seguir expostas pelo Plenário da Câmara, Juiz Supremo destas questões. É que a investigação parlamentar que aqui se deverá hoje iniciar com a aprovação do Roteiro das diligências, à primeira vista reputadas aconselháveis, parece-nos, data venia, inconstitucional quanto ao seu objetivo, inconveniente sob o aspecto de suas conseqüências políticas e inoportuna à luz da atual conjuntura brasileira". (Baracho, obra citada, páginas 131 e 132). Tal investigação não prosperou. O ponto de vista do Relator foi aceito por larga maioria de votos dos membros da CPI."

A Comissão Parlamentar de Inquérito não julga, nem pune e sua criação deve ser considerada em função, também, da vida institucional do País.

II - LIMITE DE DESPESAS

Não há, Sr. Presidente, a indicação do limite das despesas a serem realizadas, como determina o art. 145, § 1º, in fine, do Regimento Interno da Casa.

III - COMPETÊNCIA DAS COMISSÕES

A competência das Comissões de Inquérito tem sido objeto de controvérsia. "O fato indubitável - diz o Deputado Djalma Marinho - é que elas não podem ter um poder ilimitado, ou do contrário resvalaríamos para o arbítrio". A fiscalização parlamentar não prescinde da obrigação do cumprimento dos mandamentos constitucionais, proclama a melhor doutrina.

O Professor Moacyr Lobo da Costa, após acentuar que o tema nos Estados Unidos tem sido elucidado à luz dos princípios fundamentais da Constituição aplicados pelos Tribunais, afirma textualmente: "embora a Corte Suprema nunca tenha dado uma resposta categórica à questão de quais sejam os poderes inquisitoriais do Congresso, o certo é que os tribunais americanos têm rejeitado a noção de que os legisladores são os inquisidores-gerais do reino, cujo poder inquisitorial seria ilimitado como na Inglaterra..." A seguir, opina no sentido de que os poderes da Comissões de Inquérito seriam os Poderes delegados pela Câmara que as institui: "Assim, para o desempenho da incumbência de investigar, não pode o Congresso delegar às Comissões de Inquérito poderes de que ele próprio não dispõe, como órgão da soberania nacional, ou porque reservados pela Constituição para qualquer dos outros dois Poderes, o Executivo e o Judiciário, ou porque colidentes com as garantias asseguradas aos direitos individuais (Origem, Natureza e Atribuições das Comissões Parlamentares de Inquérito - pág. 115)

Na mesma linha de raciocínio, Carlos Maximiliano esclarece que "a competência da Comissão de Inquérito não abrange senão assuntos da esfera de ação e vigilância do Congresso: não se estende, por exemplo, a processos criminais ou a litígios judiciários, nem a matéria cujo estudo e solução incubem aos Poderes regionais ou municipais" (Comentários à Constituição Brasileira, vol. II - pág. 80)

Dois princípios, portanto, se sobrepõem à competência das comissões de inquérito: "o federativo e o dos direitos individuais". Além desses, devem ser resguardados, também, os princípios de harmonia e independência dos órgãos soberanos do Estado.

Em suma - vou caminhando para o fim, Sr. Presidente -, todo poder deve conter-se "dentro de limites precisos, pois não há poder absoluto no Estado de Direito", conforme afirma o Deputado Djalma Marinho ao relatar, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o Requerimento s/nº 81, em 1º de setembro de 1981. A proposição solicitava o pronunciamento da Comissão sobre sugestão apresentada pelo Deputado Jorge Arbage, em reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar denúncias de corrupção que teriam sido praticadas na Administração Direta e Indireta da União. E o Parecer da Comissão de Constituição e Justiça concluiu que "a competência e atribuições da Comissão Parlamentar de Inquérito estão contidas na Constituição, na lei, no Regimento Interno da Câmara e nas decisões da Justiça, não havendo poderes ilimitados num regime de direito".

CONCLUSÃO

Considerando-se os argumentos expendidos em relação à CPI, criada mediante o Requerimento nº 198, de 1996, conclui-se:

a) o requerimento que consubstancia a criação da CPI não determina os fatos objetos do inquérito. Nele se contêm formulações "concebidas em termos vagos", o que não se conforma com o mandamento constitucional (Art. 58, § 3º). "A Constituição impõe, como afirma o Jurista Saulo Ramos, que o inquérito objetive atos, ações ou fatos concretos";

b) os inúmeros fatos mencionados no documento padecem de imprecisão. Até o limite fixado em 1995 para o início da investigação - "e cujos bancos também tenham sido atingidos, a partir do ano de 1995, por intervenção..." não tem sentido, porquanto se se procedesse à investigação e fosse verificado que havia dado anterior elucidativo, a Comissão não poderia examiná-lo. Isto porque o campo de atuação da Comissão é delimitado pelo seu objeto;

c) os enunciados vagos e a falta de objetividade das formulações levam a investigações abusivas e que podem resvalar para o arbítrio, atingindo, no caso em tela, todo o Sistema Financeiro Nacional. O Legislativo não "dispõe de poderes gerais e indiscriminados de investigação". Não há poder absoluto no Estado de Direito.

d) não há indicação do limite de despesas a serem realizadas, consoante o art. 145, § 1º, in fine, do Regimento Interno.

Diante desses argumentos, Sr. Presidente, solicito o arquivamento do Requerimento nº 198, de 1996, por contrariar flagrantemente o art. 58, § 3º, da Constituição Federal e, ainda, a norma contida no art. 145, § 1º, do Regimento Interno. Aduzo, ainda, que se, eventualmente, esta matéria tiver que ser examinada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que ela contenha os efeitos suspensivos que estão previstos no art. 408, § 1º, do Regimento Interno da Casa.

Nestes termos, peço deferimento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1996 - Página 4413