Pronunciamento de Pedro Simon em 04/03/1996
Discurso no Senado Federal
O PAPEL DA MULHER NA VIDA PUBLICA. HOMENAGENS PELO ANIVERSARIO DO EX-PRESIDENTE TANCREDO NEVES, REMEMORANDO SUA TRAJETORIA POLITICA. APELO AO PRESIDENTE DO SENADO PARA PUBLICAÇÃO DO PERFIL PARLAMENTAR DO DR. TANCREDO NEVES.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- O PAPEL DA MULHER NA VIDA PUBLICA. HOMENAGENS PELO ANIVERSARIO DO EX-PRESIDENTE TANCREDO NEVES, REMEMORANDO SUA TRAJETORIA POLITICA. APELO AO PRESIDENTE DO SENADO PARA PUBLICAÇÃO DO PERFIL PARLAMENTAR DO DR. TANCREDO NEVES.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/03/1996 - Página 3427
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, ATUAÇÃO, MULHER, CONGRESSO NACIONAL.
- HOMENAGEM, ANIVERSARIO, TANCREDO NEVES, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, COMENTARIO, VIDA PUBLICA, POLITICA.
- SOLICITAÇÃO, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, PUBLICAÇÃO, LIVRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, TANCREDO NEVES, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, em primeiro lugar, sinto alegria em ver V. Exª presidindo este Senado - aliás, V. Exª e a ilustre Senadora representante do Rio Grande do Sul. É uma Mesa composta de mulheres.
V. Exªs tinham razão quando brigavam pela emenda garantindo 20% para as mulheres nas chapas. O Senador Bernardo Cabral argumentou que era inconstitucional, pois mais tarde reivindicariam 20% para as mulheres, para os negros, para os taxistas, e a Constituição diz que todos são iguais perante a lei.
Apresentei uma proposta, que não foi aprovada, e vão-se arrepender. É muito simples: cada sexo tem direito a 20% das vagas. Por enquanto, estamos atendendo às mulheres, mais adiante precisaremos fazer uma emenda para os homens, garantindo-lhes direito a 20%. Já teríamos resolvido o problema. Mas ainda vão-se arrepender. Ainda estarei aqui para ver as mulheres ocuparem seu lugar pela sua competência, pela sua liderança, e o mundo haverá de entender a importância disso.
Não tenho nenhuma dúvida de que a mulher é mais competente, tem mais profundidade, mais sensibilidade. Não tenho nenhuma dúvida de que o mundo vem errado. Nas decisões, só metade está participando. Na melhor das hipóteses, faltava a outra metade. Como professor universitário que fui durante toda minha vida, vejo a diferença. Quando eu era estudante na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica, havia três mulheres em todo o curso. Agora, eu estava na Universidade para entregar o diploma para o meu filho, que se formou, e pude constatar que dois terços dos formandos eram mulheres. Vejam a rapidez com que as coisas estão acontecendo.
Por isso, a presença de V. Exª, como líder, como Senadora e como mulher de cor é o símbolo que estamos vendo aqui daquele Brasil que esperamos e pelo qual lutamos para que um dia seja o nosso Brasil; um Brasil com a Senadora Benedita da Silva representando 60 mulheres, com os negros com direitos iguais, cadeia também para banqueiros, deputados, senadores, pessoas ricas, empresários; um Brasil onde a manifestação do Teatro Amazonas não seja uma voz, apenas um sonho do que foi ontem e hoje é apenas o retrato da imagem do que foi ontem, mas que seja o retrato de uma região desenvolvida, próspera, como haverá de ser o Nordeste, como deverá ser a amazônia, como deverá ser o resto do País.
Neste dia, neste momento, fazendo esta homenagem às três Senadoras que nos honram aqui, eu diria que, para mim, Pedro Simon, o Plenário está cheio por causa das representantes de Roraima, Rio de Janeiro e do nosso querido Rio Grande do Sul.
Hoje, eu apresento uma moção. Vejam como a vida passa. Hoje é o aniversário do Dr. Tancredo de Almeida Neves. Houve um momento em que este Brasil vibrou e se emocionou de maneira fantástica com o Dr. Tancredo. Na verdade, demos um grande passo com a sua eleição para Presidente da República.
Sou autor de um projeto de resolução que determina que a Mesa do Congresso, anualmente, faça a publicação do perfil de um parlamentar, de um senador da República. Fiz a proposta e, no ano passado, foi tomada a decisão. Está sendo elaborado o perfil parlamentar de uma criatura fantástica, que a mim emociona: Teotônio Vilela. Até a imprensa estranhou que no dia em que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, esteve em minha terra, em minha cidade, Caxias do Sul, eu estava em Maceió, cumprindo uma promessa que eu havia feito há muito tempo: mandar rezar uma missa em homenagem a Teotônio Vilela e de colocar uma plaquinha - pequenina - mas que levasse a homenagem do amigo Pedro Simon ao Líder Teotônio Vilela. Nunca me esqueço da emoção dos últimos dois anos de vida, quando ele não pôde mais ser candidato, porque ele não tinha mais saúde para sê-lo, mas Deus lhe deu uma sobrevida e ele trabalhou fantasticamente por este País, morou no meu apartamento, trabalhou no meu gabinete e junto com ele percorremos várias vezes este País.
Naquele momento em que prestei aquela homenagem o Congresso estava em falta, pois não havia publicado o perfil parlamentar de Teotônio Vilela. Hoje, aniversário de Tancredo Neves, envio requerimento à Mesa, presidida pelo Senador José Sarney, que foi eleito vice-Presidente do Sr. Tancredo Neves, que presenciou como eu, aquela noite, aquela madrugada trágica, quando pensávamos que era uma doença rápida, tênue, apendicite ou coisa semelhante, e que afastou em definitivo o Presidente do nosso convívio. Proponho que o Senado Federal publique o perfil parlamentar, o livro com as obras parlamentares de Tancredo Neves. Tenho certeza de que o Presidente José Sarney, hoje como Presidente do Senado Federal, vai se sentir muito feliz em participar da elaboração e da publicação da obra da figura de Tancredo Neves.
Minha querida Presidente, a figura de Tancredo Neves tem que ser analisada no seu conteúdo geral. Ele era jovem, Deputado de trinta e poucos anos, quando Getúlio Vargas o convidou para Ministro da Justiça. Foi Ministro da Justiça do Dr. Getúlio Vargas, quando houve o "Golpe de 54".
Na última reunião do Ministério, quando os militares e o Ministro da Fazenda já tinham tudo tramado para o "golpe", no sentido de que o Dr. Getúlio Vargas pedisse uma licença, que seria definitiva já que não lhe permitiriam voltar, ele perguntou: "Então, estou deposto, já que não será permitido o meu retorno?". Tancredo Neves pede ao Dr. Getúlio Vargas, quando o Ministro Zenóbio da Costa, em uma atitude que até hoje manchou a sua biografia, não aceitou manter, não teve a coragem de agir como Ministro da Guerra, o Dr. Tancredo Neves, um jovem, disse-lhe: "O senhor me nomeia Ministro da Guerra que eu me encarrego de manter a ordem e garantir o seu mandato." Ali naquela hora, desiludido, machucado, ferido, o Dr. Getúlio Vargas preferiu o suicídio do que o derramamento de sangue. Isto está mais do que provado que na História deste País o Dr. Getúlio Vargas teve a grandeza de preferir a morte com dignidade à guerra civil, o derramamento de sengue. Eu era um guri, estudante da faculdade de Direito, quando fui a São Borja, como nós, gaúchos apavorados, em pânico, não conseguiam acreditar o que estava acontecendo. Lá em São Borja, assisti aos dois discursos talvez mais lindos de minha vida: Osvaldo Aranha e Tancredo Neves. Os dois falaram em São Borja ao lado do túmulo do Dr. Getúlio Vargas. Ali, o Dr. Tancredo conseguiu mostrar, ao lado de Osvaldo Aranha, que nos seus sessenta anos era um homem que estava chegando ao auge da sua competência, da sua inteligência. Tinha começado em 1930 com Dr. Getúlio Vargas e era, depois de Getúlio, talvez a figura mais proeminente, mais extraordinária da Revolução de 30 e das décadas de 30 a 50 neste País.
Enquanto o Dr. Osvaldo Aranha fazia o seu pronunciamento, contando a sua biografia, o Dr. Tancredo Neves, um jovem, falava ali contando a sua história, o que Getúlio Vargas representava para sua geração. O tempo passou, e em 1964, o Dr. Tancredo Neves, numa hora dura, numa hora dramática, teve a coragem, aqui na tribuna do Congresso Nacional, de protestar contra o golpe, dizer que era um absurdo o Sr. Auro de Moura Andrade declarar vaga a Presidência da República quando o Sr. João Goulart ainda estava no Brasil, estava em Porto Alegre, e que aquilo era um golpe, um escândalo, um absurdo.
Pouco depois, quando cassaram o Jango, declarando vaga à Presidência, não deixaram o Presidente da Câmara assumir em definitivo, criaram uma junta governativa e os governadores se reuniram e "elegeram" o Sr. Castello Branco Presidente da República, e o Sr. Castello Branco veio para ser votado aqui, o Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, ex-Presidente, senador por Goiás, candidato já lançado, ele e Lacerda, a Presidente a República, votou em Castello Branco . E o Sr. Tancredo de Almeida Neves disse: "Eu não voto. Não voto, porque conheço, porque deram um golpe. Não posso, com meu voto, perpetuar o golpe".
Morreu João Goulart. Morreu no exílio, o mais longo e cruel exílio. Morreu longe da sua terra, e ali, já como Deputado e Presidente do MDB do Rio Grande do Sul, fomos a Uruguaiana buscar o corpo e fomos a São Borja, para enterrá-lo ao lado do Dr. Getúlio, onde fica o túmulo da família Goulart.
Hora difícil aquela; hora em que o exército estava naquela dúvida se deixava ou não deixava entrar, e, deixando ou não deixando entrar o cadáver e o caixão, se permitiam ou não permitiam enterrá-lo.
Eu, presidente do partido tive que desafiar e dizer que nós exigíamos que ele fosse enterrado em São Borja. Aí veio a determinação que ele tinha que chegar em São Borja e diretamente ser enterrado. O povo que esperou no aeroporto, foi caminhando - e é longo o caminho - e se colocou ali na Catedral de São Borja. Havia forças do Exército de São Borja, de Livramento, de Uruguaiana e de Alegrete. Era metade povo e metade Forças Armadas. Mas o povo estava ali, se agarrou no caixão e o levou para a catedral.
Aí veio a determinação para mim: "Olha, são duas horas". E daqui estavam as forças, a patrulha, e o carro de bombeiro pronto para levar o caixão rapidamente para o cemitério. O povo foi lá, pegou o caixão na igreja e levou a pé para o cemitério.
Até hoje isso me emociona ao lembrar aquela montanha de povo e aquela montanha de militar que, ali, não tinham nada o que fazer. O povo foi cantando o Hino Nacional, da Catedral ao cemitério. Estávamos vivendo a época mais dramática de cassações, de violência e de arbítrio e no cemitério estavam algumas pessoas como Almino Afonso, Valdir Pires. Muitos foram convidados e não compareceram, mas lá estava Tancredo Neves, de grande expressão político-nacional, de grande evidência. Falei em nome do Rio Grande do Sul, levando minha homenagem de gaúcho ao Presidente, que não era de minha geração, mas de uma anterior a minha, e ali falou Tancredo Neves em nome do Brasil. Precisava ter muita coragem, dignidade e valor, como teve Tancredo Neves para fazer o discurso que fez naquele momento, sabendo que estava transgredindo uma determinação, uma norma. Onde ele olhava, havia mais gente de verde-oliva do que povo. Mesmo assim falou. Falou ao Presidente morto, rememorando-o em sua sinceridade e dignidade. Disse que tinha sido para ele uma honra ter sido Ministro de Getúlio Vargas e uma honra de ser Primeiro Ministro de João Goulart. Tancredo era homem desses gestos, era homem de passo largo. Deus lhe reservou um grande destino, pois ele elegeu-se Presidente da República. Na verdade, mas na verdade mesmo, Tancredo se sacrificou.
Havia um movimento muito intenso sobre passar ou não o poder. O que aconteceria na última hora? Participei desse movimento, juntamente com o Presidente José Sarney, o vice-Presidente da República, Marco Maciel, e Aureliano Chaves, pelo antigo PDS, e o Dr. Ulysses Guimarães, já falecido, o Dr. Tancredo Neves, já falecido, e eu, pelo PMDB.
As reuniões se realizavam em meu gabinete, no meu apartamento, no de Marco Maciel e no gabinete do vice-Presidente da República. Houve muita reunião, muito debate, e depois ficou muito bonito, foi aquela avalanche de votos.
Mas era um imenso desafio para nós na Oposição e para o Colégio Eleitoral. Perguntavam-nos como o MDB, que sempre considerou o Colégio um escândalo, uma imoralidade, uma indecência que iria perpetuar a ditadura, como o MDB iria para o Colégio Eleitoral? O Dr. Tancredo respondia: "Vamos para destruir o Colégio Eleitoral. Vamos com embasamento popular, vamos porque o povo sabe que chegaremos lá e terminaremos com esse regime". Foi uma belíssima vitória. E que momentos lindos vivemos durante a campanha das Diretas Já, talvez uma das campanhas mais bonitas da História deste País. Depois tivemos a eleição do Dr. Tancredo Neves para a Presidência da República.
Tenho dito muitas vezes, querida Presidente, que se conseguíssemos fazer um filme de grandes Lideranças de 64 para cá, contando a biografia de Brizola, do Lula, do Dr. Ulysses, do Teotonio, do Tancredo, e os que chegaram inclusive à Presidência da República, se pudéssemos editar esse filme e depois entregá-lo a uma grande comissão internacional e dizer que, destes, cinco chegaram e cinco não chegaram à Presidência da República. Duvido que não se dissesse que entre os que chegaram estariam o Brizola, o Tancredo, o Teotonio, o Dr. Ulysses Guimarães.
Mas a vida é assim. Por isso sou espiritualista. Acredito que se vem para cá com determinada missão, claro que temos o livre arbítrio de caminhar, decidir, buscar, mas ele é pautado por circunstâncias que estão acima de nós, e quanta injustiça há nisso!
A competência, a capacidade, a vontade, a disposição, o preparo que o Dr. Tancredo tinha para executar a Presidência, e Deus o tira na hora em que ele chegou para pôr em prática todo o seu conhecimento!
Ele tinha coisas fantásticas. O Fernando Henrique ficou com uma certa mágoa do Dr. Tancredo porque ele era o nosso candidato a Ministro das Relações Exteriores - já naquela época o Sr. Fernando Henrique estava para emplacar -, mas ele não conseguiu, porque os paulistas quiseram trazer para o Ministério da Fazenda, por unanimidade, o nome de Olavo Setúbal. O Presidente Tancredo não queria um paulista para Ministro da Fazenda, não queria porque não queria. Ele dizia que havia acompanhado no tempo do Jango, no tempo do Getúlio e sabia como eram esses paulistas, não queria um paulista para Ministro da Fazenda.
No entanto, os paulistas trouxeram o Sr. Setúbal para Ministro da Fazenda, mas o Tancredo, com aquela mineirisse dele, disse que o Setúbal era um grande nome e colocou-o no Itamaraty. Foi quando o Fernando Henrique deixou de ser Ministro e veio ser Líder do Governo dele aqui. Como Olavo Setúbal foi para o Itamaraty, Tancredo então colocou o Dornelles na Fazenda. Foi uma guerra. Dornelles tinha um prestígio enorme, e tem até hoje, diga-se de passagem. Dizia-se que o Dornelles tinha uma fama enorme de competente na Receita Federal, na arrecadação. Todos reclamaram dele, que havia colocado um burocrata no Ministério da Fazenda, um encarregado da arrecadação, que Dornelles entendia muito bem de arrecadação, e era só.
O Dr. Tancredo perguntava se era pouco: "Se ele entende de arrecadação, ótimo, porque de gasto entendo eu. Não é preciso que mais ninguém entenda de gastos. Ele arrecada, eu gasto. Que ele faça o papel dele, o resto deixem para mim". Esse era o homem que havia feito aquela costura, aquele entendimento, e que estava preparado para ser Presidente da República. Tragicamente, isso não aconteceu.
São momentos que vivemos e que temos que respeitar.
Na verdade, o Brasil é um País de triste memória. Certas coisas me emocionam. Por exemplo, quando vou a Washington e vejo a cidade lotada de caravanas de jovens, estudantes que ficam embevecidos frente ao monumento a Lincoln ou a Jefferson, ouvindo atentamente suas professoras contando a história. Isso não acontece aqui, e temos gente. Na verdade, repito, não temos história, não cuidamos de nosso passado, não reverenciamos, não respeitamos nosso passado.
Parecia que o Dr. Tancredo iria ser um deus. Na realidade, foi trágico ter ficado doente às vésperas de assumir. Muita gente disse que não era fácil a questão. Quando o Dr. Tancredo Neves começou a ter os sintomas mais graves da dor, os quais, nos últimos dias, eram intensos, as pessoas que conviviam com ele repetiam o que o Dr. Tancredo afirmava para os seus médicos: "Tenho que ficar até o dia da minha posse. Depois da minha posse façam o que quiserem comigo. Mas tenho que assumir. Não admito que pensem em cirurgia, tenho de assumir, porque ao José Sarney eles não darão posse".
Frase pesada essa do Dr. Tancredo Neves. Vejam o que é o destino. Estava certo ele, ao Sr. José Sarney não davam e não deram posse. O Chefe da Casa Civil, Sr. João Leitão de Abreu, defendia a tese de que se o Presidente da República não assumir, não pode assumir o seu vice, porque quem assume é o Presidente da República. Compete ao Presidente da República assumir a Presidência da República e, ao vice-Presidente, assumir a Presidência nos casos de morte, de renúncia ou de doenças. Mas se o Presidente não assumiu como o vice-Presidente irá assumir?
Essa era a tese de um jurista importante como Dr. João Leitão de Abreu. E, o outro, que não era jurista, mas que era o Presidente da República, Sr. João Baptista de Oliveira Figueiredo, se apegava a isso e dizia: "Para o Sr. José Sarney não transmito o cargo, só para o Sr. Tancredo Neves".
Quando Tancredo Neves ficou doente o Figueiredo dizia: "Só transmito o cargo para o Dr. Ulysses Guimarães porque é o Presidente da Câmara dos Deputados". Então, o Dr. Ulysses Guimarães assumiria a Presidência da República. Depois, esperava-se que o Dr. Tancredo Neves melhorasse para assumir, ou, no caso de ele vir a falecer, convocava-se uma nova eleição. Mas o que o Dr. Tancredo Neves disse aconteceu, ou seja, o Figueiredo não transmitiu o cargo ao Presidente Sarney. O Presidente Figueiredo saiu pelos fundos. Depois de o Presidente Sarney tomar posse no Congresso Nacional, enquanto todos nós íamos a pé em direção ao Palácio do Planalto, o Presidente Figueiredo saía do Palácio do Planalto e ia visitar o Presidente Tancredo Neves e sua esposa no Hospital de Base, num ritual com o qual fizeram questão de mostrar para a História - dizia o Dr. Leitão de Abreu, Chefe da Casa Civil, que era meu amigo, eu gostava muito dele - que não era um ato de desrespeito à democracia, nós é que estávamos praticando um ato de desrespeito à democracia, porque quem deveria tomar posse era o Presidente da Câmara dos Deputados.
O Dr. Tancredo tinha razão. O que ele não imaginava, o que eu não imaginava - eu, que era um guri que vinha de longe quando começou essa luta e hoje sou um homem velho e cansado - nenhum de nós imaginávamos que aquele regime que havia cometido tanto arbítrio, tanta violência, um dia seria derrubado. Rezávamos para que isso ocorresse, mas parecia que iria ficar, perdurar perpetuamente, e que para derrubar teria que ser como o Império Romano: que os hunos e os átilas viessem.
Ninguém imaginava que o Presidente Figueiredo sairia para visitar o Presidente Tancredo, e quando chegamos ao Palácio do Planalto não encontramos uma pessoa, um guarda, um funcionário, absolutamente nada. Deixaram o Palácio do Planalto absolutamente vazio, sem uma pessoa.
Então, o Dr. Tancredo tinha razão quando dizia: "Ao Sarney eles não transferem o cargo." No que Tancredo errou - e creio que todos erraríamos - foi no sentido de dizer: "Ao Sarney, não transfiro o cargo, mas vou-me embora e deixo a Casa vazia."
Neste dia em que reverenciamos a memória do aniversário do Dr. Tancredo Neves, apresento esta proposta, Srª Presidente, que solicito seja encaminhada às mãos do Senador José Sarney, que ficará muito satisfeito, em seu mandato como Presidente do Congresso e do Senado Federal, em publicar o perfil parlamentar do Presidente da República Tancredo de Almeida Neves.
Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.