Discurso no Senado Federal

COMENTANDO NOTICIA PUBLICADA NO JORNAL O GLOBO, EDIÇÃO DO DIA 15 ULTIMO, SOBRE O INTERESSE DOS ASSASSINOS DO SINDICALISTA CHICO MENDES EM SE RENDEREM A JUSTIÇA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • COMENTANDO NOTICIA PUBLICADA NO JORNAL O GLOBO, EDIÇÃO DO DIA 15 ULTIMO, SOBRE O INTERESSE DOS ASSASSINOS DO SINDICALISTA CHICO MENDES EM SE RENDEREM A JUSTIÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1996 - Página 4455
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, INTERESSE, CRIMINOSO, RESPONSAVEL, HOMICIDIO, CHICO MENDES, LIDER, SERINGUEIRO, ESTADO DO ACRE (AC), ACEITAÇÃO, PRISÃO, MOTIVO, PRESCRIÇÃO, CRIME, BRASIL.
  • CRITICA, GRAVIDADE, FATO, AUTORIZAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), AUTORIDADE POLICIAL, RETORNO, CRIMINOSO, BRASIL, MOTIVO, PRESCRIÇÃO, PENA, PERDA, CONFIANÇA, OPINIÃO PUBLICA, PAIS.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

Quero fazer um registro que considero importante até pelo que representa para a justiça brasileira, e, com certeza, é uma mácula que levaremos anos para sanar, se a justiça brasileira conseguir dela se recuperar.

Há no jornal O Globo do dia 15 de março a seguinte manchete: "Os matadores do sindicalista Chico Mendes poderão entregar-se à justiça. Advogado garante que Darli, velho e doente, só está esperando a prescrição de outro crime do qual é acusado no Paraná."

Trata-se do famoso crime de Umuarama, que, segundo as autoridades policiais e informações de jornais, foi o motivo da fuga do assassino do sindicalista Chico Mendes, Darli Alves e de seu filho Darci Alves. Eles fugiram para ganhar tempo, pois o crime ocorrido no Paraná irá prescrever. Sendo assim, eles não seriam julgados por esse crime, tendo, portanto, uma pena menor.

Como o crime irá prescrever neste ano, eles, segundo o seu advogado, estão planejando entregarem-se à justiça. Diz a matéria:

      Os fazendeiros Darli Alves da Silva, de 63 anos, e seu filho Darci Alves Pereira, de 28, condenados a 19 anos de prisão pelo assassinato do líder dos seringueiros Chico Mendes, em 22 de dezembro de 1988, em Xapuri (AC), deverão entregar-se à Justiça no fim do ano. A informação foi dada ao Globo pelo advogado dos criminosos, Roberto Duarte, que está negociando a rendição de seus clientes com as autoridades do Acre. Darli e seu filho fugiram da Penitenciária de Rio Branco no fim de 1993.

"Segundo o advogado, um dos fatores que contribuirão para a rendição de seus clientes é que no fim do ano prescreverá" o crime ocorrido no Paraná, do qual eles estão sendo acusados, e que, portanto, poderiam ter uma pena muito grande se se entregassem agora.

Os advogados do Darli e do Darci, inclusive, sempre dizem nos jornais do Acre que eles têm uma conta e que recebiam há alguns meses a quantia de R$5 mil mensais para cuidar dos interesses dos assassinos.

A Rede Globo de Televisão fez uma longa matéria no Fantástico, dando conta de que Darli e Darci escondiam-se numa fazenda do outro lado, na Bolívia, e que as populações circunvizinhas tinham todas as informações da movimentação dos dois assassinos. Por várias vezes, enviei ofícios, expedientes ao Ministro da Justiça tentando sensibilizá-lo para que, numa operação conjunta do Governo brasileiro com os governos boliviano e peruano, realizassem uma busca aos assassinos de Chico Mendes.

Infelizmente, nunca fui informada sobre qualquer esforço neste sentido, a menos que seja uma ação tão clandestina, que passe imperceptível a qualquer cidadão, mesmo àqueles que têm todo interesse na causa.

Todavia, o que diz a matéria do jornal O Globo é uma verdadeira afronta ao bom-senso e à justiça brasileira. Entendo que o Darly e o Darci deveriam vir ao Ministério da Justiça e dizer que estão aqui, pois até a Rede Globo os localizou; sabe-se que os dois mantém uma conta no Brasil e que pagam normalmente seus advogados. É claro que, por lei, os advogados têm o direito do silêncio e não podem delatar os seus clientes, mas, com certeza, se houvesse um real interesse, esses dois já estariam presos.

É uma vergonha para a Justiça de nosso País a manutenção dessa situação, porque, repito, se houvesse interesse em colocá-los na cadeia, essas prisões já teriam ocorrido. Basta observarmos que PC Farias, que possuía muito mais condições de se esconder, não conseguiu fugir ad aeternum da Justiça e acabou sendo preso. Os assassinos de Chico Mendes planejaram a fuga e estão, agora, negociando com as autoridades acreanas seu retorno.

Não sei que tipo de autoridade é essa que negocia com esses assassinos o seu retorno, levando em conta o pedido de relaxamento de prisão, para cumprirem em liberdade condicional a pena que lhes foi imputada pela Justiça brasileira.

Faço questão de colocar este fato, porque o considero da maior gravidade. Se o Ministério da Justiça e as autoridades policiais deste País permitirem que os assassinos de Chico Mendes voltem ao Brasil e se apresentem numa delegacia qualquer ou até mesmo no Palácio do Governador do Estado do Acre, alegando que voltaram porque a pena prescreveu, perderão toda a credibilidade perante a opinião pública do País.

Digo isso porque eles estão contando como líquido e certo que o fato de terem fugido não lhes causará qualquer prejuízo. Pelo contrário, poderão gozar, a partir de agora, da liberdade condicional, mesmo sendo infratores da lei e dos direitos humanos por inúmeras vezes, uma vez que cometeram assassinatos no Paraná, no Acre, fugiram da Justiça, sentindo-se, ainda, no direito de planejar e negociar o seu retorno com as autoridades.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª. MARINA SILVA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Cumprimento V. Exª pela reiterada preocupação com respeito ao procedimento da Justiça e da Polícia Federal, que, infelizmente, não conseguem ser ágeis e eficazes o suficiente para prenderem aqueles que assassinaram Chico Mendes e que já foram condenados por isso. Há um contraste com respeito à maneira como algumas pessoas conseguem escapar da Justiça ou mesmo da ação da prisão e outras que lutam pelo seu direito à sobrevivência, o direito de estar lavrando a terra e que passam por dificuldades extraordinárias. Felizmente, na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão histórica, reconhecendo inclusive o direito de resistência dos trabalhadores Sem Terra, resolveu conceder habeas corpus a Diolinda Alves de Souza e aos demais líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Mas parece que os promotores do próprio Estado de São Paulo continuam com ações que criam dificuldades para o Movimento dos Sem-Terra. Fomos informados pela direção deste Movimento que o Promotor de Justiça Paulo Cezar Laranjeiras ajuizou ontem pedido de prisão preventiva de onze membros do Movimento dos Sem-Terra de São Paulo, acampados na Fazenda Anhumas, no município de Castilho, região de Andradina. Após a ocupação da fazenda, várias reintegrações de posse foram concedidas e os trabalhadores voltaram a ocupar a área. Bem, o Juiz João Roberto Casali da Silva ainda não se manifestou, como juiz da 2ª Vara Distrital de Andradina, a respeito deste assunto. Não sei, portanto, qual a sua decisão. Mas espero que tenha uma avaliação pelo menos similar àquela que tiveram os juízes do Superior Tribunal de Justiça na semana passada, ao avaliarem em profundidade as razões que levam os trabalhadores do Movimento Sem-Terra a mostrar a necessidade imperiosa da realização da reforma agrária muito mais depressa no Brasil.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço a V. Exª pelo aparte, principalmente quando faz uma relação entre o quanto a Justiça tem agido de forma tendenciosa, adotando dois pesos e duas medidas.

No caso da Diolinda e do Movimento dos Sem-Terra, a Justiça faz questão de agir antecipando-se até aos acontecimentos; e no caso de Chico Mendes, ela faz questão de ser morosa e de justificar a sua não-ação por falta de estrutura, por falta de condições para o trabalho. Esses motivos são inegáveis. Entretanto, se houvesse um empenho, se houvesse um esforço, com certeza não estaríamos sendo humilhados por esses dois bandidos inescrupulosos, que, agindo em conluio com várias pessoas de grande poder na Região Norte, mais particularmente no Estado do Acre, tripudiam sobre os homens e mulheres de boa vontade, sobre os homens e mulheres de boa-fé, que ainda gostariam de acreditar na Justiça brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1996 - Página 4455