Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA INTERNACIONAL DE COMBATE A DISCRIMINAÇÃO RACIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA INTERNACIONAL DE COMBATE A DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/1996 - Página 4683
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, MUNDO.
  • ANALISE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, DESIGUALDADE SOCIAL, ACESSO, OPORTUNIDADE, TRABALHO, EDUCAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1890, Rui Barbosa mandou incinerar inúmeros documentos relativos à escravidão no Brasil, afirmando ser necessário apagar de nossa memória a "vergonha nacional" da escravidão. Atualmente, os historiadores sabem que as motivações de Rui Barbosa eram outras.

Pretendia-se, na realidade, destruir os registros em cartório que poderiam ser utilizados pelos ex-senhores para exigir da República reparações pelas perdas econômicas advindas da abolição ocorrida dois anos antes. "Temos direitos adquiridos", afirmavam os escravocratas, escorando-se no formalismo jurídico, mesmo quando esses direitos se referiam ao poder de exercer a violência sobre outros seres humanos, à tentativa de redução de homens à condição de "fôlegos vivos", simples peças de um sistema de produção econômica.

Temos, no entanto, nas palavras de Rui Barbosa, uma síntese da forma pela qual muitos brasileiros ainda vêem a questão racial no Brasil. Um tema sobre o qual, acreditam alguns, devemos silenciar. Assim fez-se o Brasil e assim se fez nossa história, ocultando-se, no discurso oficial, na história ensinada nas escolas e nas universidades, na fala do Estado e de seus representantes, nas ideologias que reproduzem as desigualdades, a sanha dominadora das elites e as barbaridades que cometeram e que ainda vêm cometendo.

Sob o argumento de que a verdade acirra os ânimos e agrava os conflitos, queimaram-se arquivos como hoje em dia tenta-se abortar CPIs. Assim como se quis apagar a memória histórica da escravidão procura-se hoje, cinicamente, propagandear o ingresso de nosso País no paraíso da modernidade enquanto muitas de nossas crianças são aviltadas no trabalho precoce e são submetidas à exploração sexual: 3 milhões e 500 mil crianças trabalham de forma dura neste País, e pelo menos 500 mil crianças, entre 10 e 15 anos, são submetidas à prostituição.

A verdade, Sr. Presidente, não faz senão revelar conflitos já existentes. Conflitos de uma realidade desigual que corrói nossa sociedade e destrói o futuro de nossas crianças e adolescentes. A verdade não cria as feridas, mas as expõe para que sejam vistas e que sirvam de motivação na luta para a superação dessa mesma sociedade.

Todos sabemos que, entre muitas outras coisas que se diz e que se pensa sobre o Brasil no exterior, está a crença de que somos um povo amável, dócil, e que sempre resolve seus problemas pela via do diálogo e do entendimento. "Um país tropical, abençoado por Deus", como diz a canção. Muitos brasileiros, ingenuamente, também acreditam nessas mentiras, que não resistem a uma simples olhada em nossos indicadores sociais.

Os mitos, muitas vezes, são reveladores da realidade que tentam esconder. A ênfase no discurso da conciliação, no argumento da "democracia racial", num sem-número de matizes criados pelo imaginário popular entre o branco e o negro nos despertam para uma realidade que se tenta a todo custo ocultar. A rejeição dos mitos de uma sociedade harmônica é o ponto de partida para qualquer reflexão crítica sobre o Brasil. Assim, queremos reforçar a denúncia da situação de dupla exploração que vive o negro brasileiro, em sua condição de classe e de raça.

Não poderíamos deixar de manifestar nossa indignação neste dia de protesto contra a discriminação racial. O preconceito, a desigualdade no acesso às oportunidades de educação e trabalho reforçam a triste realidade que desfaz os mitos sobre uma suposta "cordialidade" do brasileiro. Se compararmos os resultados do estudo empreendido em 1940, por Florestan Fernandes, que foi, aliás, um dos maiores estudiosos da temática, no Brasil, com pesquisa recentemente realizada pela Folha de S.Paulo, veremos como são lentas as transformações ocorridas nesse setor.

Os negros continuam ocupando postos menos qualificados, têm menos escolaridade, menores oportunidades de acesso à universidade e menor renda familiar. O preconceito racial, isto é, a associação indevida de traços de comportamento ou de "caráter" a características físicas de uma determinada comunidade não só justifica ideologicamente a desigualdade como vem agravá-la.

Vemos, portanto, como são importantes as iniciativas no sentido da revisão dos conteúdos ensinados em nossas escolas pois ali, muitas vezes, é forjado o preconceito racial. Muitos manuais escolares e universitários ainda insistem nas surradas teses da formação do povo brasileiro a partir das três raças, atribuindo a cada uma delas qualidades que teriam se fundido dando origem a um produto original e, por natureza, cordial e conciliador. É preciso chamar a atenção para a nossa verdadeira formação histórica e demonstrar toda a exploração a que tem sido submetido nosso povo, pelas classes dominantes e nas relações internacionais de dominação.

É um equívoco acreditar que o combate ao preconceito racial deve ser exclusividade da comunidade negra, que tem efetivamente atingido elevado nível de organização na defesa de seus direitos. A luta contra o preconceito racial é a luta pela cidadania e deve ser empreendida pelo conjunto das instituições que desejam a construção de uma sociedade mais justa e humana.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/1996 - Página 4683