Pronunciamento de Mauro Miranda em 20/03/1996
Discurso no Senado Federal
EXCLUSÃO DO ESTADO DE GOIAS NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA.
- Autor
- Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
- Nome completo: Mauro Miranda Soares
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA AGRICOLA.:
- EXCLUSÃO DO ESTADO DE GOIAS NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA.
- Aparteantes
- Lauro Campos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 21/03/1996 - Página 4484
- Assunto
- Outros > POLITICA AGRICOLA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, SAIDA, CRISE, AGRICULTURA, ESTADO DE GOIAS (GO), RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA AGRARIA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), LIBERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, AGROINDUSTRIA, AUMENTO, EMPREGO, RENDIMENTO, TRIBUTOS.
- COMENTARIO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, REFORÇO, MODERNIZAÇÃO, SETOR PRIMARIO, REVISÃO, POLITICA, JUROS, IMPOSTOS, EXPORTAÇÃO, REDUÇÃO, ALIQUOTA, IMPORTAÇÃO, MAQUINA, IMPLEMENTOS, AGRICULTURA.
O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a agricultura brasileira está saindo lentamente de uma crise sem paralelo em toda a sua história. Vivemos, no ano passado, um período negro, em que o desespero traumatizou a quase totalidade dos nossos agricultores, num nível de gravidade que alcançou seus índices mais críticos no Centro-Oeste, de economia preponderantemente agrícola. Em Goiás, por exemplo, a agricultura responde por 70% da formação da renda estadual. O setor primário foi paradoxalmente eleito como a "âncora verde" do Real. Uma honraria de aparências, já que, na verdade, fomos humilhados com um troféu de perdedor.
Preços aviltados na remuneração dos produtos e juros extorsivos na correção dos financiamentos levaram à inadimplência generalizada. A etapa seguinte foi o longo e sofrido impasse na renegociação das dívidas. Quem devia não podia pagar, e muito menos contrair novos empréstimos. Encurralados, milhares e milhares de pequenos e grandes proprietários perderam o calendário de plantio, enquanto muitos outros abandonaram a atividade ou abriram mão de suas terras para os bancos credores. O resultado foi o êxodo rural, com seus rastros de miséria em torno das cidades. Mais grave ainda foi a queda de 14% na safra estimada de grãos, obrigando às importações que estão para acontecer e fazendo perigar a estabilidade econômica.
Não faltaram advertências sobre a morosidade das negociações da dívida. Eu mesmo usei seguidamente esta tribuna para reclamar sensibilidade das autoridades econômicas. O fato é que as leis da economia ainda não produziram o milagre de importar os industriais capitalizados para substituir o agricultor no campo. Sofrendo e chorando, perdendo ou ganhando, quem faz a agricultura é o agricultor.
Mas, como diz o velho refrão, não há mal que sempre dure. Há novos fatos que lançam algumas sementes de esperança sobre o futuro próximo. Embora sujeita a algumas correções de percurso, a lei que instituiu a securitização das dívidas estancou o prosseguimento da crise. O principal entrave ao cumprimento da lei é a resistência do Banco do Brasil e dos bancos particulares no repasse dos financiamentos que têm origem nos recursos do BNDES. O Secretário de Agricultura de Goiás, Dr. Robledo Rezende, me informou que essas intransigências burocráticas acabaram, por decisão do próprio BNDES, sobretudo nos financiamentos derivados do Finame. A garantia foi dada na recente reunião de secretários de agricultura, realizada no Rio de Janeiro.
É positivo o anúncio da diretoria desse mesmo banco de desenvolvimento, ao comprometer R$3 bilhões para a agroindústria este ano. Trata-se de uma garoa de esperanças sobre as áreas de plantio. Afinal, quem acompanha a evolução das estatísticas de produção sabe que o grande surto expansionista de fronteira agrícola ocorrido nas últimas décadas foi em Goiás. Mas, infelizmente, crescemos para dentro da porteira, ficando estacionados para fora. Os meios de transporte colocados à disposição do escoamento ficaram sucateados por duas décadas de paralisação dos investimentos, e nossos produtos, principalmente o complexo milho-soja, vêm perdendo capacidade de competição nos mercados interno e externo. Além da precariedade dos transportes e da capitalização precária do setor, trabalham contra a produção goiana a defasagem cambial, que beneficia as importações e onera as exportações, e ainda a concentração das indústrias de beneficiamento nos Estados mais desenvolvidos do Centro-Sul.
O estímulo à agroindústria vai ampliar o nível de emprego, aumentar a renda estadual e acrescentar valor agregado à produção primária. O Estado de Goiás está cansado da posição de mero exportador de matérias-primas. Nosso imenso potencial ainda está engatinhando, com poucas indústrias de porte. Com a industrialização próxima da fazenda, outro resultado positivo será a gradual reversão dos movimentos migratórios que estão tomando a direção das cidades. Os previsíveis efeitos da reforma administrativa no enxugamento das folhas de salários das prefeituras, por outro lado, terá no suporte agroindustrial um amortecedor social de médio e longo prazos.
Espero que se confirme, também, o prometido desengessamento das rotinas de empréstimos cobertos pelo Finame. Precisamos mais do que nunca dos pivôs centrais e de um grande esforço de mecanização que corresponda ao tamanho de nosso território irrigável e agricultável. Esse é um grande trunfo das terras planas do Centro-Oeste, em oposição à topografia marcadamente irregular e extremamente recortada do Centro-Sul, com seus efeitos nos custos de mecanização. A opção futura para as grandes produções de escala será o Centro-Oeste, e quem duvidar vai acabar vendo que isso não é uma fantasia regionalista.
Já que estamos substituindo as realidades trágicas do passado recente por uma visão menos pessimista do futuro imediato, considero oportuno incluir o quadro internacional favorável entre os trunfos da agricultura neste ano.
O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador?
O SR. MAURO MIRANDA - Com todo prazer, Senador Lauro Campos.
O Sr. Lauro Campos - Estou ouvindo, com muita satisfação, o discurso de V. Exª sobre um tema tão importante quanto esse, que diz respeito à nossa sacrificada atividade produtiva agrícola e pecuária. Poucas vezes o nosso Presidente da República, homem que como sociólogo parece saber quase tudo, refere-se ao problema da agricultura no Brasil. Na revista intitulada Esquerda 21, há uma entrevista com o Presidente da República, em que Sua Excelência fala sobre a agricultura - obviamente não a agricultura brasileira. Leio um pequeno trecho:
"Eu sobrevoava, outro dia, a Baixa Saxônia, na Alemanha, com o governador de lá, e comecei a perguntar sobre uma determinada cultura que via. Era colza, que eles plantam muito lá. "E como é que é o sistema aqui?", perguntei. Ele disse: "O governo dá o subsídio. Não vem nem verificar se plantou ou não plantou. Se não colheu, melhor ainda, desde que a pessoa fique plantando lá". Quero dizer, não planta por causa do sentido de produção, porque a produção é muito grande. A produtividade agrícola é brutal".
"Eu disse outro dia em Bariloche: ´Olha, os conceitos estão mudando`."
Tudo isso na mesma página, de Bariloche para a Saxônia, enquanto passa pelo nosso Centro-Oeste sem se preocupar com as questões que V. Exª aborda com tanta proficiência. Fico pensando no destino perverso da agricultura e da pecuária. Passa, de repente, pelo impulso da produtividade, de uma fase de penúria, de baixa produção, de baixa produtividade, para outra, como essa a que se refere o Senhor Fernando Henrique Cardoso em seu espaço aéreo na Saxônia, em que a produção agrícola se estraga nos paióis, apodrece, e a superprodução é que passa a ser o grande problema. Fernando Henrique Cardoso considera que essa é uma das características da modernidade: o Governo pagar para não plantar, como se isso já não tivesse ocorrido em 1847; como se isso não tivesse ocorrido na crise de 1863; como se isso já não tivesse ocorrido em 1870; e como se isso já não tivesse ocorrido na década de 30, quando Roosevelt pagou para que os fazendeiros não plantassem. Quando foi julgado inconstitucional, ele passou a pagar para que se plantassem cactos, a fim de se evitar o excesso de produção e os custos ainda maiores com esse excesso. De modo que é sempre o consumidor que é excluído desse processo, e a agricultura acaba demonstrando a sua capacidade de produção, que supera e ultrapassa a minguada capacidade de consumo e de alimentação da nossa sociedade. Muito obrigado.
O SR. MAURO MIRANDA - Agradeço o aparte de V. Exª e espero que o mesmo seja um alerta ao Presidente da República, e implique, talvez, uma tomada de posição mais firme em favor da nossa agricultura, especialmente a do Centro-Oeste.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na globalização da economia, é legítimo imaginar que seremos grandes beneficiários da expansão comercial dos produtos agrícolas. A abertura comercial da China e o fracasso de sua produção agrícola neste ano sinalizam grandes possibilidades de consumo para os nossos produtos. A imprensa internacional tem mostrado que a demanda por alimentos tem crescido nos Estados Unidos e na Europa, sem que a produção tenha acompanhado esse movimento. São tendências que se somam para alimentar a esperança de preços melhores e de reconquista da capitalização no meio rural, com seus efeitos sobre a indústria, o emprego e a renda. O exemplo do milho, cujos preços estão em alta nas principais bolsas do mundo, é eloqüente. São as forças do mercado atuando positivamente para os nossos produtos, independentemente das trapalhadas oficiais aqui realizadas.
Cumpre ao Banco do Brasil, como principal agente de financiamento da agricultura, agilizar seus serviços, ficar mais perto do homem do campo e abandonar procedimentos burocráticos desnecessários. Indício de alguma sensibilidade é a campanha que o banco está empreendendo para fixar o homem à terra. A frase que simboliza a campanha da fundação do Banco do Brasil é de retórica irretocável: "Cada vez que um brasileiro sai do campo para a cidade, o Brasil perde alimentos e ganha fome". Mas o fato é que existe uma dessintonia entre as intenções e os fatos, se considerarmos que o bem-estar do homem do campo, que está na origem da campanha, será uma utopia se não houver a correspondente agilidade nos investimentos. Mão-de-obra e investimento constituem um binômio cujas forças se entrelaçam desde que equilibradas. Em Goiás, estamos vendo a direção nacional do banco caminhar em uma direção e a superintendência regional buscar o caminho oposto. Nada como os números estatísticos para confirmar esse desencontro: em 1994, o volume de financiamentos alcançou a cifra de R$400 milhões, a preços corrigidos de hoje, enquanto que em 1995 esse montante foi reduzido para R$200 milhões. O número de propostas aprovadas caiu de 14.742 para 9.389. São os números que temos. E são fatos objetivos que o Banco do Brasil terá de corrigir para não ficar apenas na retórica das intenções.
Com a lei de securitização das dívidas rurais, alcançamos a paz momentânea. Ela teve o efeito de conter o avanço do grande incêndio que se alastrava sobre o futuro próximo da agricultura brasileira. Para mim, e sei que essa preocupação ocupa a consciência de muitos colegas da Câmara e do Senado, continuamos atrelados ao empirismo e ao casuísmo das emergências. A agricultura brasileira quer uma Carta Política que sobreviva ao tempo, aos governos e às crises. Precisamos de políticas duradouras que levem em conta o papel do Brasil como o grande celeiro que vai liderar a distribuição de alimentos em todo o planeta, e que contemple o Centro-Oeste como o principal centro irradiador dessa missão que vai desafiar as nossas capacidades no próximo século. É hora de sentar e imaginar como vai ser essa agricultura e como devemos conformá-la aos novos tempos. Governo, Congresso, economistas, empresários e operadores de mercado devem buscar linhas de consenso para esse desafio.
Um grande esforço nacional de fortalecimento e de modernização do setor primário terá que passar pela revisão da política de juros, pela diminuição dos custos sociais da mão-de-obra, pelo estabelecimento de impostos compensatórios nas importações e pela redução de alíquotas na importação de máquinas e implementos. A agricultura brasileira, para ser forte e cumprir a sua vocação de alavanca da indústria e dos serviços, terá que superar a era quixotesca que é feita do ideal escoteiro e da tradição. Para competir no mundo cada vez mais complexo e sofisticado das commodities, a soja de Goiás, por exemplo, terá que integrar-se à velocidade das bolsas mundiais, como se fosse o ouro da África do Sul. Imagino uma integração ágil e impetuosa entre a roça, os armazéns e os computadores, unindo ao mesmo tempo Goiânia, Campo Grande, São Paulo, Chicago, Londres e Frankfurt. Imagino um agricultor familiarizado com operações a termo e de mercado futuro, e participante ativo de leilões eletrônicos. Uma realidade em que agrobusiness não seja apenas um modismo ou uma expressão pedante para os executivos engravatados da Avenida Paulista. Para isso, precisamos arrumar a retaguarda. Temos quase tudo, faltando apenas decisão política, sensibilidade estratégica e adesão à simplicidade, onde infelizmente impera a complicação. As vias largas da prosperidade só estarão abertas quando forem definitivamente superados todos os preconceitos contra a agricultura, especialmente pela classe política e a burocracia paulistana.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.