Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO GOVERNADOR ORLEIR CAMELI, DO ACRE, POR IRREGULARIDADES NA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS EM SUAS EMPRESAS PARTICULARES, UTILIZANDO-SE DO PODER PUBLICO EM BENEFICIO PROPRIO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.:
  • CRITICAS AO GOVERNADOR ORLEIR CAMELI, DO ACRE, POR IRREGULARIDADES NA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS EM SUAS EMPRESAS PARTICULARES, UTILIZANDO-SE DO PODER PUBLICO EM BENEFICIO PROPRIO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/1996 - Página 4544
Assunto
Outros > ESTADO DO ACRE (AC), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE FISCAL, PAIS, APURAÇÃO, IRREGULARIDADE, SONEGAÇÃO FISCAL, EMPRESA PRIVADA, ORLEIR CAMELI, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC), UTILIZAÇÃO, PODER PUBLICO, BENEFICIO PESSOAL.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma breve comunicação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer um registro e, a exemplo do que fez o nobre Senador que no momento está dirigindo os trabalhos da Casa, Senador Romero Jucá, lamentar por usar esta tribuna para tratar de assuntos particulares. Infelizmente, não são particulares, porque dizem respeito a um Estado que faz parte da Federação e, ainda mais, quando esse Estado, inúmeras vezes, tem causado constrangimentos não só a sua população, mas à população do País inteiro, com os sucessivos escândalos em que está envolvido o governador Orleir Cameli.

Ontem, falei desta tribuna que os assassinos de Chico Mendes estariam negociando sua rendição junto à Justiça acreana, com as autoridades policiais, já que estão prevendo que, ao prescrever o crime de Umuarama, podem gozar de liberdade condicional. Este é um assunto bastante grave.

No dia 5 de março, ocorreu uma audiência entre o governador do Estado do Acre, Sr. Orleir Cameli, e mais seis srs. deputados federais de sua base de sustentação aqui no Congresso.

Qualquer pessoa de bom-senso que imagina uma audiência entre o governador de um Estado com problemas muito grandes, como é o caso do Acre, e o Presidente da República, de pronto iria supor que S. Exª foi pedir reforço policial para prender os assassinos de Chico Mendes, antes que a Justiça se desmoralize por completo; ou teria ido pedir apoio para a saúde, que hoje está abandonada, fazendo com que em alguns municípios se tenha apenas um médico para 30 mil habitantes, sem as mínimas condições de funcionamento; ou o governador teria ido pedir recursos para a área de educação, cuja situação é semelhante; ou teria ido pedir ao Presidente da República ajuda para os seringueiros que estão abandonados nos altos rios e na floresta, vendendo um quilo de borracha por R$0,60 e comprando um quilo de sal por quatro quilos de borracha, numa situação de completa miséria, até mesmo sem roupa, como foi denunciado para o Presidente do Ibama, quando esteve no Estado do Acre, a meu convite, mais precisamente no Município de Assis Brasil; ou, ainda, o governador, quem sabe, teria ido ao Presidente da República pedir que o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama se empenhassem com o devido rigor, antecipando-se às queimadas que, sabemos, virão a partir de agosto e setembro, numa quantidade assombrosa, fazendo com que todos os anos se tenha uma camada de fumaça de três mil metros de espessura; ou poderia ter ido pedir recursos para as estradas, o que parece ser a "bandeira um" de seu governo, pois, inclusive, tira dinheiro da educação, da saúde, do funcionalismo público, de onde pode, para fazer a estrada de qualquer forma, como vem fazendo; ou, ainda, poderia essa pessoa de bom-senso pensar que teria ido pedir recursos para um programa de geração de emprego e renda num Estado cujo maior empregador é o governo, que vai demitir cinco mil pessoas - inclusive já deu início a um processo de demissão. E demissão no Acre significa o caos porque as pessoas não têm outra alternativa, não existem indústrias e o extrativismo está falido -; ou, por fim, poderia ter ido pedir ajuda a um programa ousado de geração de emprego e renda.

Mas não foi para fazer nenhuma dessas reivindicações que o governador foi ao Presidente da República. O governador do Acre foi fazer um apelo a Fernando Henrique Cardoso no sentido de que afrouxe a fiscalização e afaste o atual Procurador da República. Esta é a manchete do principal jornal de circulação no Estado do Acre, a Gazeta do Acre, no dia 15 de março:

      Governador pede a Fernando Henrique que mande afrouxar fiscalização e afastar o Procurador da República.

      É a seguinte a matéria:

      O desespero e o medo de prejuízos pessoais e familiares e o receio de conseqüências políticas indesejáveis levou o Governador Orleir Cameli a procurar na semana passada, em Brasília, o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o vice Marco Maciel e toda cúpula nacional do PFL para pedir que a Receita Federal afrouxe a fiscalização que há alguns meses vem fazendo nas empresas de sua família. A solicitação do governador foi extensiva também à ação da Procuradoria da República no Acre, representada pelo procurador Luiz Francisco, cujo afastamento do estado também foi pedido ao Presidente.

      Os pedidos de Orleir Cameli foram feitos durante a audiência que manteve com o presidente da República no último dia 5, no Palácio do Planalto, onde o governador se fez acompanhar de cinco deputados federais.

      Segundo revelaram em Brasília fontes do Palácio do Planalto, há alguns meses, fiscais e auditores da Receita se encontram dentro das empresas do governador e de alguns empresários à cata de sonegação fiscal e outras irregularidades perante o fisco, denunciadas pela oposição acreana junto à Procuradoria-Geral da República.

Inclusive, o Senador Nabor Júnior foi autor de uma dessas denúncias, que obrigou a Receita Federal a investigar a sonegação que era praticada pelo governador Orleir Cameli, através de suas empresas Marmude Cameli.

A justificativa para a sua vinda a Brasília foi a de que viria tratar do assunto estradas, a mesma velha história.

Prossigo na leitura da reportagem:

      Também a pedido de Brasília, segundo as mesmas fontes palacianas, tanto o governador como os empresários passaram a ser fiscalizados de perto pela Polícia Federal.

      Em vez de tratar de estradas, como chegou a ser ventilado na imprensa local, o governador Orleir Cameli usou o tempo da audiência com o presidente Fernando Henrique para pedir que interferisse junto à Receita Federal e à Procuradoria-Geral da República no sentido de "maneirar" com as investigações que vêm sendo feitas tanto em nível de governo como nas empresas do grupo Marmude Cameli.

      Na conversa com Fernando Henrique, Orleir Cameli chegou até a apelar para o forte argumento político de que, se o Governo não afrouxasse a fiscalização da Receita e da Procuradoria-Geral da República, os seis deputados federais que o apóiam em Brasília passariam a votar contra o Governo já a partir da reforma constitucional da Previdência Social, que começaria a ser votada naquela semana.

Acho um absurdo, uma afronta um governador de um Estado com problemas como esses que acabei de elencar ir ao Presidente da República utilizar do pouco tempo que Sua Excelência tem para tratar de problemas de sonegação de impostos de sua empresa.

Espero que isto que está sendo dito aqui no jornal não seja verdade. Neste caso, penso que, sendo o Presidente um intelectual respeitado e de bom-senso, a sua resposta deveria ser mais contundente, não admitindo nem esse tipo de pedido. Mas o que diz o jornal é que o Presidente respondeu da seguinte forma - e já estou mandando ofício com a cópia dessa matéria para o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro:

      O Presidente explicou ao Governador que dentro da Receita Federal, a exemplo do que ocorre na maioria dos órgãos federais, existe "gente de esquerda", que faz questão de exercer patrulhamentos e de levar suas funções ao pé da letra.

Ou seja, utilizar a lei com todos, independentemente da posição que ocupam. Lamento muito se o Presidente tiver realmente dito isso. Espero, com sinceridade, que Sua Excelência tenha dito peremptoriamente que não pode, de maneira alguma, fazer com que o Fisco faça vista grossa para as irregularidades, ainda mais quando isso está sendo colocado em negociação para aprovar as reformas. As reformas irão tratar também da questão da reforma tributária.

Ora, essa bancada de sustentação que irá aprovar um projeto de modernização da reforma tributária neste País está tentando negociar para que o Governo brasileiro não faça o que é dever da Justiça: fiscalizar as empresas Marmude Cameli e seus aliados.

No que se refere ao afastamento do Procurador da República do Estado do Acre, o Sr. Luiz Francisco, o Presidente, realmente, deu uma resposta que, por uma questão de ética, desejo registrar: disse que nada poderia fazer; que a Procuradoria era autônoma; que ele, enquanto constituinte, lutou para que houvesse essa autonomia; que ela é um poder independente e que tem que fazer aquilo que deve ser feito.

Essa resposta de que nada poderia fazer porque o Fisco tem funcionários de esquerda que não deixam facilitar as coisas, espero profundamente que o Presidente não tenha dado.

Quero deixar o meu apelo para que as autoridades fiscais deste País façam o que já estão fazendo no Acre: obrigar o Sr. Orleir Cameli, que dizem que é um dos homens mais ricos do Estado do Acre, a fazer aquilo que a lei obriga, que é pagar corretamente os seus impostos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/1996 - Página 4544