Discurso no Senado Federal

SITUAÇÃO CRITICA EM QUE SE ENCONTRA A ZONA FRANCA DE MANAUS, COM CONSEQUENTE ENFRAQUECIMENTO DA SUFRAMA, TENDO EM VISTA A ABERTURA DE ZONAS FRANCAS NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A BOLIVIA E O PARAGUAI.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • SITUAÇÃO CRITICA EM QUE SE ENCONTRA A ZONA FRANCA DE MANAUS, COM CONSEQUENTE ENFRAQUECIMENTO DA SUFRAMA, TENDO EM VISTA A ABERTURA DE ZONAS FRANCAS NA FRONTEIRA DO BRASIL COM A BOLIVIA E O PARAGUAI.
Aparteantes
Geraldo Melo, Humberto Lucena.
Publicação
Publicação no DSF de 02/04/1996 - Página 5640
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, CRISE, ZONA FRANCA, EFEITO, DIFICULDADE, ATUAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMA), DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REGIÃO AMAZONICA, CONCORRENCIA, ABERTURA, ZONA DE LIVRE COMERCIO, FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, PARAGUAI.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 08 do mês de março próximo passado, mantive longa reunião, na Associação Comercial do Amazonas, com vários líderes empresariais. Ao longo desse encontro, repassamos o que tem sido a Zona Franca de Manaus desde o ano da sua criação, em fevereiro de 1967, e começamos a delinear uma série de obstáculos que vêm sendo criados à Zona Franca de Manaus, sobretudo pela área econômica do Governo Federal, que, numa tecnoburocracia reprovável, não tem posto na mesa das discussões, com a seriedade que o assunto exige, o que representa a Zona Franca de Manaus não só para o Amazonas como também para todo o Brasil.

Ali, ficou combinado que a Associação Comercial do Amazonas e o Centro de Indústrias do Amazonas fariam chegar às minhas mãos um índice com a análise completa das matérias.

Esse trabalho acaba de chegar ao meu gabinete, enviado pelo Presidente da Associação Comercial da Amazônia, Dr. Carlos Alberto Garcia de Souza. Esse documento tem como base aquelas discussões e um trabalho elaborado pelo economista Ronaldo Bomfim, que é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores autoridades na matéria, não só pela sua vivência nesse campo, mas também pela sua graduação no exterior.

O assunto é tão complexo, Sr. Presidente, que veio ele em 12 itens: 1 - enfraquecimento institucional da Suframa; 2 - contingenciamento das exportações; 3 - instabilidade das normas operacionais; 4 - entrosamento com o Mercosul; 5 - guerra fiscal; 6 - exigência de processo produtivo básico, o chamado PPB; 7 - custo Amazônia; 8 - redução das alíquotas do Imposto de Importação; 9 - especialização industrial; 10 - Zona Franca do Paraguai; 11 - Zona Franca da Bolívia; 12 - precário relacionamento do empresariado com o Governo.

Faço absoluta questão de trazer para o Senado Federal esse estudo percuciente, minucioso, para definir responsabilidades. Aqui se apontam caminhos e se indicam soluções. Se o Governo Federal não reconhecer pelo órgão competente que examina a problemática da Zona Franca de Manaus que essa será a solução, a Bancada do Amazonas continuará insistindo, porque hoje podemos asseverar, sem nenhuma sombra de dúvida, que a Zona Franca de Manaus é o único projeto governamental que deu certo em toda a história do desenvolvimento regional da Amazônia. Não há outro projeto que possa chegar perto desse.

Por isso, Sr. Presidente, vou ler o texto que me chegou às mãos:

      "Apesar da oposição de segmentos governamentais localizados em Ministérios da área econômica do Governo Federal e de Governos de alguns Estados da região Sudeste, são visíveis as transformações ocorridas na área sob sua jurisdição. Pode-se afirmar, com segurança, que 95% do Produto Interno da economia amazonense depende, direta ou indiretamente, da ação da Zona Franca de Manaus.

      Desde sua criação, em 28 de fevereiro de 1967, a trajetória da Zona Franca de Manaus tem sido pontilhada por alterações espasmódicas, que atrapalham ou dificultam a atuação do modelo de desenvolvimento administrado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

      A partir de 1995, coincidindo com o início do atual Governo Federal, que tem na Presidência um verdadeiro estadista, as dificuldades impostas à Suframa avolumaram-se de forma crescente, existindo, nos dias atuais, um clima de incerteza altamente prejudicial à vida do órgão, que poderá por em risco todo o trabalho realizado nos últimos 20 anos em prol do desenvolvimento da Amazônia Ocidental.

Registro com todas as tintas, Sr. Presidente, esta frase que vem da Associação Comercial: "poderá por em risco todo o trabalho realizado nos últimos 29 anos, em prol do desenvolvimento da Amazônia Ocidental."

      Na falta de entendimento de alguns segmentos da sociedade brasileira quanto ao importante papel da Zona Franca de Manaus na manutenção de uma economia próspera, no interior de gigantesca área do território nacional com fantástica riqueza de recursos naturais, a um custo social mínimo para a Nação, encontra-se a origem das adversidades enfrentadas pela Suframa.

Dentre esses obstáculos, destacam-se aqueles 12 itens que ainda há pouco citava, que começa pelo enfraquecimento institucional e vai até o precário relacionamento do empresariado com o Governo.

Vamos abordar, Sr. Presidente, de forma analítica, cada um desses itens.

      1) Enfraquecimento institucional.

      A Suframa, nos últimos anos, vem sofrendo um processo de enfraquecimento institucional que tirou o dinamismo que a caracterizava como um órgão eficaz de desenvolvimento. Tolheram-lhe a liberdade de atuação com a retirada de uma série de direitos e atribuições. O mais grave foi o direito de reunir periodicamente o seu próprio Conselho de Administração (CAS), a exemplo do que ocorre com a Sudam e a Sudene.

Agora pasmem, Srs. Senadores:

      Nos últimos 14 meses, o Conselho de Administração da Suframa reuniu-se apenas uma vez.

      Dentre as funções do CAS, destaca-se a de aprovar novos projetos e autorizar a ampliação de projetos já implantados. Não aprovar novos investimentos é criar um cartório para os que já estão na Zona Franca de Manaus, desestimulando a competitividade. Como os poderes e a autonomia administrativa do Superintendente têm sido progressivamente reduzidos, a falta de reuniões do colegiado significa a estagnação operacional do órgão. Nem ao menos na data do seu aniversário, 28 de fevereiro de 1996, houve reunião, rompendo-se uma tradição de 28 anos.

      O CAS é a interface da Zona Franca de Manaus com o Governo Federal, o foro onde são discutidas as questões magnas da Amazônia Ocidental. É, conseqüentemente, inquestionável a importância de suas reuniões regulares. Para garanti-las, é conveniente que seja estabelecido um calendário anual, de modo que todos tenham prévia informação das datas das reuniões ao longo do ano. Essa informação será de grande utilidade aos empresários, ao corpo técnico da Suframa, aos consultores que elaboram projetos e aos próprios conselheiros que se integram o CAS para que reservem, nas suas agendas de trabalho, espaços para esses compromissos.

      O enfraquecimento da instituição acentuou-se em 1995, com a criação, em Brasília, de um Comitê Interministerial, de caráter permanente, sem a participação de nenhum representante da Suframa para administrar a Zona Franca de Manaus. Esse ato pode ser comparado a uma espécie de "bomba de nêutrons": destruiu a Suframa, deixando intactas suas instalações físicas.

      A partir daí, assistiu-se a um rápido esvaziamento do órgão. O Comitê (de caráter permanente) incorporou as principais atribuições da Suframa e do CAS, deixando o Superintendente praticamente sem qualquer função decisória. Este foi o ato decisivo para a fragilização do órgão.

      No elenco de obstáculos que hoje se antepõem à Zona Franca de Manaus, o enfraquecimento institucional da Suframa é indiscutivelmente o mais grave. Dele derivam, praticamente, todos os outros.

Tanto o é que, vendo o Senador José Bianco, lembro-me que S. Exª, há duas semanas, estava no edifício da Suframa, reclamando para o seu Estado o descumprimento, por parte do Governo Federal, de assunto já devida e exaustivamente examinado há muitos meses, por causa exatamente dessa circunstância, ou seja, das dificuldades e obstáculos que foram antecipando e resultaram no enfraquecimento institucional da Suframa.

Vamos ver, Sr. Presidente, quais são os demais obstáculos que derivam, praticamente, dessa circunstância do enfraquecimento institucional.

2. Contingenciamento das importações

      O sistema de quotas de importação é um mecanismo imposto pelo Governo Federal com o objetivo de controlar as importações da Zona Franca de Manaus, maciçamente constituídas de matérias-primas e máquinas e equipamentos para suprir o setor industrial e, em menor escala, de produtos finais para atender ao segmento do comércio que vende produtos estrangeiros.

      Funciona como o indexador que atrela o desenvolvimento das empresas ao seu desenvolvimento no passado. Tratando-se de um indexador altera os mecanismos da dinâmica econômica. A economia é submetida a uma camisa-de-força que impede ou dificulta seu desenvolvimento, especialmente no caso da Zona Franca de Manaus que depende, fundamentalmente, de importações.

      As empresas, quando projetam e constroem as suas plantas industriais, levam em consideração, para dimensioná-las, as quantidades de insumos previstas nos projetos aprovados pela Suframa em resolução emitidas pelo CAS, publicadas no Diário Oficial da União.

      Em situação normal, operam suas linhas industriais em níveis de produção situados acima de ponto de nivelamento (break-even point), onde custos igualam receitas, de modo a obter resultados operacionais positivos. A eventual restrição ao abastecimento de matérias-primas provocada pelo contingenciamento de importações poderá modificar os níveis operacionais, originando mudanças na rentabilidade e no retorno do investimento.

      Se fosse conhecida a história da Zona Franca de Manaus pelos tecnoburocratas de Brasília, jamais teria sido admitido o retorno do contingenciamento de suas importações. Durante 17 anos, da primeira crise do petróleo até o início dos anos 90, o sistema de cotas subverteu os dogmas da economia baseado na livre iniciativa e ensejou o aparecimento de um esquema de corrupção na Suframa. Se os técnicos do Governo conhecessem a realidade de Manaus saberiam que já existe um contingenciamento natural, a saber:

      Setor comercial - contingenciado pelo tamanho do mercado local e pelo impedimento da internação de produtos com incentivos da Suframa, exceto nas quotas de bagagem de passageiros quando deixam a Zona Franca de Manaus sob controle da Receita Federal.

      Setor Industrial - contingenciado pelos orçamentos trienais de importação obrigatoriamente constantes dos projetos aprovados na reunião do CAS, que limitam as compras internas em cada exercício. Qualquer acréscimo desses limites (verdadeiras quotas de importação) somente poderá ser conseguido mediante apresentação do projeto de ampliação.

      A Zona Franca de Manaus é uma economia reflexa que depende da conjuntura econômica do Brasil. Quase tudo que produz destina-se ao mercado doméstico. Se há um aquecimento da demanda nacional, a produção da Zona Franca de Manaus se eleva e vice-versa. O mercado brasileiro funciona como um macrocontingenciado da Zona Franca. Os principais defeitos do sistema de cotas de importação são:

      1 - afetam negativamente o desempenho macro e microeconômico da economia da Zona Franca de Manaus ao criar constrangimentos artificiais ao nível de eficiência das empresas;

      2 - promovem injustiças em razão de ser impossível definir critérios perfeitos para repartição das quotas, geralmente favorecendo as grandes empresas, que têm maior poder de pressão, em detrimento das pequenas e médias;

      3 - criam privilégios cartoriais às empresas mais antigas ao preservar o status quo, reduzindo a dinâmica da mudança econômica;

      4 - geram esquemas de corrupção através de tráfico de influência, advogacia administrativa, etc.

      5º - elevam custos financeiros ao incentivar formação de estoques;

      6 - induzem antecipações de importações como forma de as empresas se resguardarem de eventual escassez de quotas;

      7 - diminuem a arrecadação tributária ao frear o nível dos negócios; e

      8 - inibem a criação de empregos.

      A Zona Franca de Manaus também é um modelo substituidor de importações, portanto, poupador de divisas. De acordo com a filosofia econômica delineada no Decreto-lei nº 288/67, que criou a Suframa, está evidente sua função substituidora de importações de atendimento do mercado interno. Com seus incentivos, passaram a ser fabricadas na Zona Franca de Manaus uma série de bens de consumo, tais como televisores, videocassetes, aparelhos de áudio, relógios, veículos de duas rodas, etc, que, se não fossem produzidos no País, teriam de ser importados - legal ou ilegalmente - para atender à demanda nacional.

Nesse ponto, faço um breve chamado aos eminentes Colegas Senadores. O que foi embutido aqui pela Associação Comercial do Amazonas é de um didatismo perfeito, Sr. Presidente, para acabar com a problemática que fala sobre os produtos fabricados em Manaus.

      Além de substituir importações, os produtos fabricados em Manaus ensejam substancial economia de divisas: cada dólar de matéria-prima importada gera US$ 4,3 dólares de produto acabado, com base nos dados relativos a 1995. Grosso modo, isso quer dizer que, nesse ano, houve uma economia de divisas da ordem de US$9,2 bilhões para a balança comercial brasileira em razão da existência da Suframa, uma vez que o faturamento global da Suframa foi da ordem de 12 bilhões.

      Para fabricar tais produtos, consumidos no mercado doméstico, foram importados insumos no valor de US$2,8 bilhões. A diferença (12-2.8=US$9,2 bilhões) compreende valores adicionados dentro da economia do País; gastos com matérias-primas, máquinas, equipamentos, construções civis, fretes, salários, juros, tributos, lucros etc.

3. instabilidade das normas operacionais

      As constantes alterações das normas de operações da Zona Franca de Manaus constituem um forte elemento negativo que eleva o coeficiente de incerteza para os investidores, particularmente os estrangeiros. É francamente desfavorável a relação custo/benefício das frequentes mudanças provocadas pelo Governo. O clima de desconfiança e de insegurança que produzem junto aos empresários, fatalmente leva a uma redução do nível dos investimentos e da eficiência produtiva, dificultando a melhoria da competitividade dos produtos da Zona Franca de Manaus.

Fico muito à vontade para falar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque, ao longo dos meus 40 anos de advocacia, jamais patrocinei ou defendi o interesse de qualquer empresa da Zona Franca de Manaus. Não tenho nenhuma empresa, por mais modesta que seja, nem lá, nem fora de meu Estado. Não sou sócio cotista, nem interessado em nenhuma dessas empresas. Vivo exclusivamente da minha profissão de advogado e, agora, dos meus subsídios de Senador. De modo que esta defesa é pela consciência que me dita minha atuação no Senado, em favor de uma instituição a que os tecnoburocratas - volto a registrar - da área econômica deveriam prestar um pouco mais de atenção.

Peço desculpas à Casa, porque este é um tema um pouco árido. Se fosse para tocar num assunto mais ameno, Sr. Presidente, sei que seria ouvido com a alegria de sempre. De qualquer maneira, preciso da cooperação dos eminentes Senadores para me ajudarem na defesa da Zona Franca de Manaus.

Passo agora ao 4º item, Sr. Presidente.

      4. Entrosamento com o Mercosul

      Os produtos fabricados em Manaus passam por ponderável elaboração industrial, que se reflete na relação entre o valor dos insumos importados e o faturamento. Em 1995, essa relação foi de 1 para 4,3 (U$2,8 bilhões : U$12 bilhões), que ainda agora eu dizia. Em termos de matérias-primas nacionais, no mesmo ano foram consumidos U$3 bilhões, o que comprova o grande valor agregado que a Zona Franca de Manaus produz na economia brasileira. No caso do Mercosul, essas características devem ser suficientes para qualificar os produtos da Zona Franca de Manaus a receber a condição de produtos zonais, o que os isentará da tarifa externa comum incidente sobre importação de terceiros países.

      É indispensável que a Suframa, por intermédio de seu corpo técnico, seja convidada pelo Ministério das Relações Exteriores (a quem vou enviar este material), a participar de todas as negociações em que esteja presente o Brasil, a fim de compatibilizar seus interesses às normas do Mercosul e da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Lamentavelmente, essa convocação, esse convite, essa chamada não está sendo levada a efeito.

      5. Guerra Fiscal entre Estados

      A guerra fiscal entre Estados objetiva criar atrativos adicionais para induzir novos investidores a selecioná-los como local de implantação de suas fábricas. Entretanto, por um dispositivo legal, somente a Zona Franca de Manaus pode oferecer incentivo na esfera do ICMS. Quando um Estado como São Paulo, que apresenta boa infra-estrutura e apreciáveis economias externas, oferece incentivos fiscais para investimentos, é evidente que a Zona Franca de Manaus leva vista desvantagem.

      A guerra fiscal promovida pelos Estados mais desenvolvidos é contrária à política de desconcentração industrial, imprescindível para tornar a economia brasileira mais eficiente. É do interesse nacional que essa prática nefasta seja abolida o quanto antes.

      6. Processo Produtivo Básico (PPB)

      A indústria da Zona Franca de Manaus é a única no País que é obrigada a adotar PPBs estabelecidos pelo Governo Federal. Isto possibilitou que um empresário implantasse no Rio de Janeiro uma fábrica de televisores coloridos (marca Zenith), quebrando a hegemonia de Manaus. Nessa trajetória, comenta-se a próxima instalação de uma fábrica de videocassetes no interior da Bahia. A guerra fiscal e a não exigência de PPBs fora da Zona Franca de Manaus poderá viabilizar essas e outras iniciativas.

      Na esteira da obrigatoriedade do PPB para a Zona Franca da Manaus, começa-se a esboçar a tentativa de ressuscitar os "demônios" da compulsoriedade de índices de nacionalização e de regionalização, que se pensava estivessem exorcizados da economia brasileira. Evidentemente, a escalada dessas exigências promoverá a elevação dos custos de produção da Zona Franca de Manaus, tornando-a menos competitiva, desestimulando a vinda de novos projetos e frustrando os empreendimentos já implantados. Pode-se até aceitar o PPB, desde que compatível com a estrutura industrial da Zona Franca de Manaus, o que não se deve admitir (jamais) é o retorno à obrigatoriedade do cumprimento de índices mínimos de nacionalização e/ou regionalização, a fim de resguardar a competitividade da indústria incentivada pela Suframa e de evitar o "retrocesso econômico" resultante da adoção dessas exigências.

      Outro problema na área do PPB é que existe uma série de projetos implantados, aprovados pelo CAS, cujos produtos não tiveram seus PPBs definidos. A falta dessa definição impede a Suframa, por instrução de Brasília (é bom que se diga mais uma vez: por instrução do alto escalão do Governo), de aprovar projetos de ampliação e de implantação desses segmentos sem PPBs. Como o grupo de trabalho encarregado de realizar essa tarefa não se reúne, criou-se verdadeiro "congelamento" da situação existente, com graves prejuízos para a dinâmica da Zona Franca de Manaus.

7. Custo Amazônia

      É o elenco de fatores restritivos localizados na precária infra-estrutura, na escassez de recursos humanos e de economias externas e na ineficiência e má qualidade do aparato burocrático-institucional, que elevam os custos de processamento industrial na Zona Franca de Manaus relativamente aos Estados economicamente mais avançados.

      A consolidação e a expansão da Zona Franca de Manaus - para situá-la no novo paradigma econômico da competitividade e da globalização - dependem fundamentalmente da redução do "custo Amazônia", isto é, do conjunto de "deseconomias", que se encontram fora do controle das empresas e que oneram os seus custos. A ausência dos investimentos públicos - e isso aqui, Sr. Presidente, é bom que se diga - quando ocorre em infra-estrutura econômica e social é um dos componentes mais expressivos do "custo Amazônia", especialmente na área de transportes e na formação de recursos humanos.

Passo ao item 8 e concluo, Sr. Presidente. Vou respeitar o tempo que V. Exª indicou.

      8. Redução das Alíquotas do Imposto de Importação.

      A drástica redução (dos atuais 62% para 20%, em 1.04.96) das alíquotas do Imposto de Importação de produtos com similares fabricados na Zona Franca de Manaus, tais como veículos de duas rodas e produtos eletrônicos de consumo, setores que, em conjunto, respondem por 75% do faturamento industrial da Zona Franca de Manaus é, sem dúvida, um fator de desestabilização. Não se pode ser contra a abertura econômica, contesta-se apenas a forma abrupta de sua implementação. A indústria incentivada pela Suframa já deu provas, no início dos anos 90, de vigorosa capacidade para elevar seu padrão de competitividade.

      Deve-se negociar com o Governo Federal, respeitando-se naturalmente acordos internacionais eventualmente celebrados, o estabelecimento de uma linha mais suave de redução tarifária, menos traumática para a Zona Franca de Manaus, sem comprometer a abertura da economia.

Veja, portanto, V. Exª, que os próprios líderes empresariais entendem que há necessidade de haver uma negociação com o Governo Federal, desde que, ainda que isso seja o ideal, respeitando-se acordos internacionais, mas haja uma redução tarifária e que seja menos traumática para a Zona Franca de Manaus, e com isso estou de pleno acordo, Sr. Presidente.

      9 - Especialização Industrial:

      A especialização industrial da Zona Franca de Manaus não deve ser imposta, como é desejo de alguns setores do Governo Federal. Deve ser um processo natural de livre escolha dos empresários, da forma bem sucedida como vem sendo conduzida até o presente. Restringir a indústria da Zona Franca de Manaus aos ramos existentes é um cerceamento de sua liberdade para atrair futuros projetos que surjam em áreas estratégicas, em função de novas tecnologias em desenvolvimento ou a desenvolver. Deve-se recusar, terminantemente, qualquer tentativa de "congelar" o parque industrial nos segmentos atuais.

      10 - Zona Franca do Paraguai.

Sr. Presidente, vários Senadores, já desta tribuna, e eu talvez tenha sido um dos primeiros, verberaram contra isso. Este título traz a seguinte análise:

      A Zona Franca que o Paraguai (ZFP) está agressivamente desenvolvendo em seu território é uma ameaça para a ZFM em decorrência dos incentivos fiscais mais amplos e da recente oferta de energia elétrica e gratuita por dez anos. A Zona Franca do Paraguai é a versão externa da "guerra fiscal" dos Estados brasileiros (geralmente os que têm maior concentração industrial) para atrair investidores, competindo diretamente e de forma iníqua com a Zona Franca de Manaus.

      O Governo Brasileiro deve estudar minuciosamente a Zona Franca do Paraguai, com a participação de técnicos da Suframa, a fim de que sejam estabelecidos mecanismos defensivos da sua própria Zona Franca - a Zona Franca de Manaus.

Mas, ao chegar ao item 11, devo declarar da bela coincidência que é V. Exª estar presidindo os trabalhos de hoje do Senado Federal. É que o item nº 11 é sobre a Zona Franca da Bolívia, que diz respeito ao prejuízo que irá causar ao Estado de V. Exª. Aqui diz:

      11. Zona Franca da Bolívia

      A Bolívia também criou nova Zona Franca em sua fronteira com o Brasil, em local próximo a Corumbá, no Estado de Mato Grosso do Sul, que poderá tornar-se concorrente da Zona Franca de Manaus no suprimento do mercado brasileiro de bens de consumo. Como os incentivos nesses países são geralmente mais amplos que no Brasil, deve-se desde já identificar a real amplitude dessa zona franca e avaliar sua real interferência na área de interessa da Zona Franca brasileira.

E não apenas aí, Sr. Presidente, em termos de produtos, à medida que o Estado de V. Exª, nesta área limítrofe, começar a receber as benesses do lado de lá, a sua desnacionalização e a sua descaracterização, o povo do Mato Grosso do Sul, começará a sentir os seus efeitos. Daqui a pouco as crianças estarão crescendo sob o impacto de um vizinho que lhe oferece atrativos que ele não entende, esse brasileirinho, porque não lhe são concedidos no seu Estado. De modo que penso que V. Exª deve sentir que isso já deve estar a ocorrer no seu Estado.

Chego ao último item, Sr. Presidente.

      12. O precário - e é mesmo precário - relacionamento do empresariado com o Governo.

Este item, Sr. Presidente, traz uma espécie de chamamento ao que dizia no começo: a responsabilidade das pessoas que não se dão conta de que no passado se criava a expressão - "Amazônia: é melhor integrar para não entregá-la". Começo a ver novos ventos soprando em direção desse interesse. E quando os interesses são altamente perniciosos, não têm pátria. O nosso Ruy Barbosa disse, na sua Oração aos Moços, que o Brasil era uma presa fácil à cobiça internacional, que nós devíamos olhar com certa desconfiança para os que se aproximavam de nós.

Vou registrar nos anais do Senado Federal esse item que tem o título: Precário Relacionamento do Empresariado com o Governo - se o Governo Federal entender deste item, Sr. Presidente.

      Está havendo grande dificuldade no relacionamento do setor privado da Zona Franca de Manaus com segmentos do Governo localizados em alguns Ministérios da área econômica. Tradicionalmente, os canais de comunicação com o setor governamental não têm a fluidez desejada, em maior ou menor escala, em função de maior ou menor conhecimento do processo que culminou com a criação da Suframa ou de mais ou menos simpatia em relação à Zona Franca de Manaus. Na atual administração do Governo Federal, o "ruído" na comunicação ampliou-se em razão do prolongado silêncio do Conselho de Administração da Suframa. Na feliz metáfora de Samuel Benchimol: "a interrupção das reuniões do CAS é um ato de rompimento unilateral das relações políticas do Governo Federal da Zona Franca de Manaus".

O Professor Samuel Benchimol, para os que convivem na área da Amazônia - e aqui são palavras minhas, Sr. Presidente, já deixando de lado o material que fez chegar à Seção Comercial do Amazonas - é um daqueles brasileiros que, tendo feito curso de mestrado e doutorado no Exterior, depois se transformou em professor catedrático da Universidade Federal do Amazonas e mais conhece essa problemática, não só regional, mas do âmbito ligado à sua profissão, uma vez que ele é professor titular de Economia Política.

Sr. Presidente, o que é curioso - para não dizer paradoxal - é que a Zona Franca de Manaus foi criada pelo Governo militar. Ao longo de todo o tempo de Governo militar, em nenhum instante se deu um tratamento de inferioridade à Zona Franca de Manaus. Nesse instante temos um Governo nitidamente democrático, um Governo que se elegeu com a maioria absoluta e que, portanto, conhece como deve funcionar uma democracia, mas despreza - já fiz aqui a ressalva do Presidente da República - mas despreza por meio de setores especializados que deveriam conhecer nossa problemática; despreza essa convivência, está abandonando aquela região no que ela tem de mais rico, de mais substancial. Está entregue à própria sorte.

Não é à toa, Sr. Presidente, que, daqui da tribuna, diviso o Vice-Líder do Governo Senador Geraldo Melo atento ao que acabo de trazer à Casa. Sei que S. Exª levará aos órgãos competentes este alerta, este brado que é menos uma denúncia do que uma comprovação do que estão a sentir na pele os líderes empresariais do meu Estado.

Assim fazendo, Sr. Presidente, estamos todos contribuindo e dizendo ao Governo Federal que a Amazônia, sobretudo aquela área, é filha do País e não enteada. Portanto, merece ser tratada com carinho, com afeto, com a ternura que um pai trata seu filho.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço o eminente Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Inicialmente, quero agradecer a distinção de haver sido percebido por V. Exª, que presta um depoimento tão importante sobre a Zona Franca de Manaus e, ao mesmo tempo, dizer-lhe que fico refletindo se essas dificuldades que estão sendo percebidas não são indicadoras de algumas teses que são, no mínimo, discutíveis, e sobre o custo que possa representar para o País o que se costuma chamar agora de renúncia fiscal em relação à Zona Franca de Manaus. Faço essa intervenção para acrescentar, como um apêndice talvez até desnecessário, mas oportuno ao discurso relevante de V. Exª, o seguinte: Primeiro, fico me perguntando como seria hoje a economia da Amazônia e, em conseqüência, a vida do seu povo, se a Zona Franca nunca tivesse existido. Segundo, ela existe; mas será que está havendo mesmo renúncia fiscal? Se os incentivos de que os empreendedores ali desfrutam não tivessem sido concedidos, existiria a Zona Franca? Seguramente, não. Então, na verdade, quando o Governo concedeu os incentivos em algum momento do passado, ele não abriu mão de coisa alguma, porque ele estava concedendo incentivos a indústrias que não existiam e continua sem abrir mão porquanto elas existem, beneficiam-se dos incentivos fiscais, mas produzem benefícios importantes à economia que não existiriam se elas não estivessem lá. Sou Senador, Vice-Líder do PSDB, é verdade, mas sou brasileiro, sou nordestino, convivi com a experiência do esforço de racionalização do desenvolvimento regional no âmbito da Sudene, organismo que ajudei a fundar. Pertenci ao primeiro corpo técnico da Sudene, sob a liderança de Celso Furtado, e sei o quanto é fácil e simples dizer-se, hoje, que o Nordeste custa muito caro ao País. Na realidade, o custo, tanto dos incentivos fiscais para a Amazônia quanto para o Nordeste, não resiste à comparação com outros custos e preocupações correntes, hoje, no Brasil. Portanto, manifesto a V. Exª que não me cabe dizer que me solidarizo com o nobre Senador, porque não é isso que espera V. Exª, mas se eu puder - como sugere o nobre Senador - ser um canal para a ampliação desse debate, com muito prazer, eu o serei, embora sabendo que a palavra, a experiência, a sabedoria, a maturidade e a autoridade de V. Exª como homem público brasileiro dispensam qualquer intermediário entre V. Exª, este e qualquer outro Governo e a opinião pública deste País. Considero o discurso de V. Exª como uma grande contribuição ao debate de um dos temas mais importantes da atualidade no País.

O SR. BERNARDO CABRAL - Tomo o aparte de V. Exª como uma peça que não poderia dissociar do texto do meu discurso porque V. Exª atingiu o ponto nevrálgico: o problema da renúncia fiscal. Quando se fala sobre esse tema, não se vai ao fundamental, qual seja, dizer que esse exercício praticado pelo Governo acaba voltando em benefício, como V. Exª acaba de dizer.

V. Exª foi Governador do Rio Grande do Norte; portanto, é afeito às dificuldades. Lembro-me do início da Sudene, que V. Exª ajudou a fundar, juntamente com o economista Celso Furtado, de quem V. Exª em tão boa hora lembra o plano trienal. Se tudo aquilo não existisse, Nordeste e Norte continuaríamos sendo olhados como subdesenvolvidos que não têm a capacidade de marchar com seus próprios pés.

O Sr. Humberto Lucena - V. Exª permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Humberto Lucena, com muito prazer.

O Sr. Humberto Lucena - Saúdo a presença de V. Exª na tribuna para abordar tema de tão alta importância. Lembro que V. Exª era Ministro da Justiça no Governo Collor, enquanto exercia eu, mais uma vez, aqui nesta Casa, a Liderança do PMDB. Tive a oportunidade, então, de coordenar em meu gabinete várias reuniões com representantes dos mais diversos segmentos do empresariado brasileiro, interessados na consolidação e na ampliação da Zona Franca de Manaus, diante de um projeto nesse sentido que aqui se discutia, tendo, inclusive, convidado para debater conosco várias autoridades da área econômica do Governo. No final, tivemos um grande resultado: chegou-se a um denominador comum e se fez uma modificação na legislação sobre a Zona Franca de Manaus que, se executada, realmente consolidaria definitivamente aquele grande benefício fiscal para a Região Norte do País. A Zona Franca de Manaus, como bem alude V. Exª e enfatizou o Senador Geraldo Melo, é importante não só para o Amazonas, mas para a Amazônia, tanto que hoje já temos Zonas Francas em três ou quatro Estados do Norte do País. Por isso mesmo, apresentei um projeto tentando criar também a Zona Franca de Cabedelo, na Paraíba - a única do Nordeste. No documento que foi aprovado pela Sudene, por unanimidade, chamado Pacto para o Nordeste, não somente faz alusão à necessidade de criação de zonas de livre comércio, como também de instalação das zonas de processamento de exportações - ZPEs - e sabe V. Exª que a grande vocação do Nordeste é a indústria para exportação. Infelizmente, apesar de criadas no Governo Sarney, até hoje não foram instaladas porque os Governos dos Estados, com as conhecidas dificuldades financeiras, não tiveram recursos suficientes para arcar com a despesa total da infra-estrutura. Espera-se que o Governo Federal ajude Estados que têm ZPEs a serem instaladas, justamente na infra-estrutura. Enfim, quero parabenizá-lo, dar todo o meu apoio e lembrar que a Zona Franca de Manaus está, inclusive, na Constituição, porque foi V. Exª, como Relator da Constituição, que...

O SR. BERNARDO CABRAL - Com o apoio de V. Exª.

O Sr. Humberto Lucena -...naquela oportunidade quis consolidá-la definitivamente.

O SR. BERNARDO CABRAL - Sr. Presidente, confirmo o apoio dado pelo eminente Senador Humberto Lucena quando exercitava a Liderança do PMDB nesta Casa. Chego a dizer que, se S. Exª não tivesse, naquela altura, conduzido os trabalhos - havia uma desunião entre os Estados de São Paulo e Amazonas -, talvez não tivéssemos chegado a bom termo. De modo que agradeço ao eminente Senador Humberto Lucena e faço este registro.

Ao finalizar, Sr. Presidente, sei que tanto V. Exª, que ocupa agora a Presidência, quanto quem a ocupava até poucos minutos atrás, o Senador Ramez Tebet, já deram sua solidariedade. O assentimento com a cabeça, a forma manifesta - o próprio Senador Ramez Tebet, que tinha conhecimento do meu discurso, já antes havia comigo solidarizado -, apenas representa que estamos aqui em um somatório de desejos, contrariando, aliás, muitas notícias que por aí afora vão, porque vejo muitos Senadores no plenário, o que indica que nem todos deixaram de comparecer à sessão.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/04/1996 - Página 5640