Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A MATERIAS PUBLICADAS NA REVISTA ISTOE DESTA SEMANA, INTITULADAS: 'AMAZONIA A CONQUISTA BRANCA' E 'AMAZONINO MENDES, GOVERNADOR DO AMAZONAS: VIREI UM VERDE RADICAL'. IMPORTANCIA DA AMAZONIA PARA O BRASIL E NECESSIDADE URGENTE DE UMA POLITICA DE DESENVOLVIMENTO PARA A REGIÃO COM EQUILIBRIO ECOLOGICO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • COMENTARIOS A MATERIAS PUBLICADAS NA REVISTA ISTOE DESTA SEMANA, INTITULADAS: 'AMAZONIA A CONQUISTA BRANCA' E 'AMAZONINO MENDES, GOVERNADOR DO AMAZONAS: VIREI UM VERDE RADICAL'. IMPORTANCIA DA AMAZONIA PARA O BRASIL E NECESSIDADE URGENTE DE UMA POLITICA DE DESENVOLVIMENTO PARA A REGIÃO COM EQUILIBRIO ECOLOGICO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Marluce Pinto, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/1996 - Página 5017
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, EXPERIENCIA, TURISMO, ECOLOGIA, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • QUESTIONAMENTO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO AMAZONICA, REFERENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, BIODIVERSIDADE, CRITICA, PECUARIA, PREJUIZO, ECOLOGIA, EXODO RURAL.
  • EXPECTATIVA, PREVALENCIA, PROPOSTA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, RESPEITO, CULTURA, INDIO, HABITANTE.
  • NECESSIDADE, REESTRUTURAÇÃO, BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA (SUDAM), SUPERINTENDENCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMA), AMPLIAÇÃO, RECURSOS, INVESTIMENTO, TECNOLOGIA, PESSOAL.
  • INFORMAÇÃO, FINANCIAMENTO, FUNDO CONSTITUCIONAL DE FINANCIAMENTO DO NORTE (FNO), EXTRATIVISMO.
  • INFORMAÇÃO, EXPERIENCIA, PESCA ARTESANAL, MANEJO ECOLOGICO, LAGO, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • CRITICA, EXCESSO, ABRANGENCIA, PROJETO, PRIORIDADE, PARCERIA, COMUNIDADE.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer um registro de uma matéria de capa que saiu na revista IstoÉ desta semana, intitulada "Amazônia, a conquista branca".

      "O sucesso de programas que estão melhorando a vida de 16 milhões de habitantes da região, sem devastar o meio ambiente".

Também na matéria de capa, há uma chamada com o Governador Amazonino Mendes, onde diz o seguinte:

      "Amazonino Mendes, Governador do Amazonas: virei um verde radical".

Sr. Presidente, antes de comentar a matéria, que é interessante do ponto de vista das informações que traz sobre algumas experiências que estão sendo desenvolvidas na Amazônia, com o interesse e o desejo de desenvolver aquela Região, talvez embalando o sonho de compatibilizar três coisas que para mim são fundamentais: primeiro; o crescimento econômico. A nossa Região depende de mais de 90%, em alguns Estados, de repasse da União. Segundo; promover a justiça social, incluindo milhões de brasileiros que estão à margem desse processo. Terceiro; o desafio de todos nós, que é compatibilizar tudo isso com a preservação do meio ambiente.

A matéria relata algumas experiências no campo do turismo ecológico, experiências que estão sendo atribuídas ao Governo do Estado Amazonas, como a questão de plantar nas várzeas. Todos sabemos que as várzeas dos rios da Amazônia são muito férteis, porque elas vão sedimentando a alagação, enchente após enchente, criando uma camada muito forte de humus que deixa essas margens bastante propícias para o cultivo, principalmente de lavouras brancas.

Sr. Presidente, durante alguns anos, um grupo de pessoas começou a questionar a visão de desenvolvimento que se queria transplantar para a Amazônia.

Digo questionar, porque, durante muito tempo, a Amazônia foi vista com um olhar de quem percebe o estranho. Há uma frase do Caetano Veloso que diz: "Narciso acha feio o que não é espelho". Durante muito tempo, o Brasil, por não se sentir espelhado na Amazônia, tentou transformá-la; talvez a considerassem feia. Nesse sentido, começaram a fazer modificações, que, no meu ponto de vista, foram bastante equivocadas.

Um grupo de pessoas, tendo como principal líder o seringueiro Chico Mendes - que foi assassinado e cujos assassinos até hoje não foram encontrados pela Justiça brasileira -, começou, a partir da década de 70, a questionar esse modelo de desenvolvimento para a Amazônia.

Qual era a visão de desenvolvimento que se tinha para a Amazônia? Aquela fundamentada numa idéia errônea que tínhamos desde a colonização, qual seja, a de que era um espaço vazio e precisava, portanto, ser ocupada. Essa visão era uma generalização desrespeitosa às populações indígenas que a habitavam. Também a generalização "índios" é preconceituosa e não dá conta da verdade. Na Amazônia, não existiam apenas índios. Haviam os Kulinas, Kaxinawás, Kampas, Jaminawas, Minawa, uma série de nações com culturas e costumes diferentes. Mas entendia-se a Amazônia como sendo um espaço vazio, inabitado.

Uma outra visão errônea, também, daquela Região era a de uma área homogênea de uma grande floresta. A Amazônia não é apenas uma grande floresta homogênea; é uma floresta com uma biodiversidade fantástica. Cito um exemplo: se a pessoas estão na margem direita de um rio, e atravessam para a esquerda, muitas experiências que podem dar certo na margem direita não darão certo na margem esquerda.

Temos vários microecossistemas na Amazônia e, portanto, a prepotência em tentar desenvolvê-la como se fosse igual não é verdadeira. Em nome dessa visão levou-se um, megaprojeto para aquela Região, e podemos citar inúmeros deles: Carajás, a Estrada Transamazônica; uma série deles que não deu certo.

Por último, tentaram implantar a pecuária na Amazônia. É como não se enxergasse a população e que, portanto, precisava ser povoada. Não se observava que os seus rios eram um potencial emergente para o transporte e tinham que se levar estradas. Não se enxergava a sua floresta, a sua biodiversidade como um potencial de riqueza e, portanto, essa cobertura vegetal fantástica tinha que ser destruída, e plantava-se capim para se criar gado.

Sr. Presidente, perdoe-me a expressão mas tratava-se de uma verdadeira imbecilidade. Derrubar uma árvore de mogno, ou uma maçaranduba ou um cumaru-ferro, ou uma quariquara?, ou uma sumaúma, que muitas vezes tem um diâmetro de 2,20m e um comprimento de 30m de altura, para plantar capim se constitui uma imbecilidade. O solo da Amazônia é fértil por um período muito pequeno, cinco anos no máximo. Uma pastagem dá retorno, do ponto de vista econômico, no máximo durante cinco anos. Depois, os investimentos, em termos de insumos, são tão grandes que não vale a pena continuar criando gado. O que se faz? Ao invés do investimento, derruba-se uma nova extensão de terra, num círculo vicioso e devastador, criando enormes problemas ambientais. Isso foi feito e é praticado até hoje.

Muitas pessoas se insurgiram na Amazônia, como Chico Mendes e tantos outros, além deles trabalhadores, seringueiros, índios, caboclos, babaçueiros, também cientistas, alguns empresários, pesquisadores, alguns políticos, sindicalistas, para mostrar que não precisava desenvolvimento na Amazônia, mas precisávamos do desenvolvimento da Amazônia. Para fazer isso, era fundamental que o Governo, que as instituições percebessem que nessa visão exógena se fazia necessária uma componente essencial. Primeiro, de não se negar a cultura, a ciência daqueles que secularmente, milenarmente vivem na Amazônia. Foi isso que Chico fez quando lutou pelas reservas extrativistas. Vejo que a sua luta não foi em vão. Não foi porque já tivemos, na pessoa do Governador do Amazonas, o Sr. Amazonino Mendes, um ferrenho opositor dessa luta. Quantas vezes Chico Mendes foi vilipendiado por defender uma proposta de conservação da Amazônia, um projeto que incorporasse a variável ambiental como uma das formas de trazer um novo ciclo de crescimento econômico para a nossa região após a decadência da borracha.

Hoje, com surpresa, graças a Deus, ouço dizer que se tornou um Verde radical. Espero, profundamente, que esteja falando a verdade. Mais cedo ou mais tarde, a verdade acaba por se impor; os bons propósitos acabam prevalecendo. Talvez isso esteja ocorrendo na Amazônia toda. Não é mais possível aos discursos oficiais negarem a importância de um projeto de desenvolvimento que articule os mais diferentes segmentos da sociedade, para construirmos uma proposta que valorize, acima de tudo, o nosso potencial.

Quando falo de uma ciência da Amazônia, dos povos que conhecem aquela região, lembro-me de fazer um registro. No vale do Juruá, temos conta de que ali existe a maior biodiversidade do mundo. Antigamente achava-se que era na Bahia, na Mata Atlântica. Poder-se-ia indagar se, sendo a maior biodiversidade do mundo, existem seres humanos no vale do Juruá. Há séculos vivem lá os seringueiros; há milênios, os índios. Os Campas moram naquela região. Como foi possível a sobrevivência dessas populações sem alterar o ecossistema da região? Foi possível graças à ciência, ao conhecimento que eles têm que lhes permite conviver com a floresta. Eles podem nos oferecer as respostas que hoje se constituem em um desafio para todos nós.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, insisto - tenho reiteradas vezes feito isso nesta Casa, parecendo talvez prepotente - em tentar fazer com que o Brasil conheça a sua outra metade. Somos a outra metade do Brasil, desconhecida, não a arrogante, não a faladora, não aquela que se impõe, que é exibida, como é o caso das cidades. A floresta, de alguma forma, esconde-se, é tímida, é úmida. Ela não é para fora; é para dentro. Mas tudo o que é para dentro está relacionado com grandes propósitos: o coração é bem protegido, o espírito não se vê sequer.

Quando estive nos Estados Unidos, perguntei o que um cidadão comum fazia para divertir-se em Nova Iorque. Uma pessoa respondeu-me que ia ao Central Park. Fiquei curiosa. Percebi que era uma cidade meio complicada, meio fria. Já acho Brasília meio fria, quanto mais Nova Iorque! Fiquei assustada. Fiz a mesma indagação a uma outra pessoa, uma moça que trabalha com as artes e que se chama Beth Robinson. E ela me disse que vai ao Central Park. Perguntei a um moço que vendia frutas em uma banca na calçada o que ele fazia para divertir-se em Nova Iorque. A Beth traduziu para mim, pois não sei falar inglês. Ele disse que ia, com a família, ao Central Park. Eu resolvi também ir ao Central Park. Estava muito frio. Chegando lá, entendi por que se vai ao Central Park: é porque Nova Iorque, não tendo alma, construiu uma alma artificial, que é o Central Park, onde as pessoas vão em busca da alma de Nova Iorque.

O Brasil tem o privilégio de ter a alma do mundo: uma fantástica reserva biológica de recursos, de floresta e de tudo o que Deus nos deu. Nós, até há bem pouco tempo, não éramos capazes sequer de pensar nessa floresta como um potencial de desenvolvimento a ser preservado.

Com alegria, com expectativa, vejo que hoje este discurso é incorporado até pelos nossos mais ferozes opositores do passado. Espero que, no presente, sinceramente haja um propósito de desenvolver a Amazônia com preservação ambiental. Isso não poderá ser feito, com certeza, plantando soja nas várzeas. As várzeas deverão ter as culturas apropriadas, que darão muito retorno e que poderão proporcionar o crescimento necessário à Amazônia, que hoje clama por melhoria de condições de vida à sua população.

Vejo o Senador Jefferson Péres acompanhando meu raciocínio. E, com tristeza, registro que 50% da população do meu Estado está morando nas periferias das cidades. Segundo o INPA, no Amazonas, Estado do Senador Jefferson Péres, 75% da população está em Manaus, onde não há indústria e cuja área de livre comércio, que é a Zona Franca, está entrando em um processo de decadência.

Isso demonstra quão perversa foi a política de desenvolvimento para a Amazônia, que obrigou aquele povo a virar mendigo na periferia, a ser um profissional desqualificado.

Tenho tentado sensibilizar as autoridades para o fato de que um trabalhador, um seringueiro, um caboclo, um camponês, na cidade, é um profissional desqualificado, é mão-de-obra barata. Lá no campo ele é altamente qualificado, ele sabe plantar, ele conhece a floresta, de onde tira seu sustento e vive com dignidade.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres - Senadora, não chega a ser 75%. Mas mais de 50% da população está em Manaus e, o que é pior, numa zona periférica de favelização. Realmente chega a ser aterrorizante. O pior é que as perspectivas de desenvolvimento são de desenvolvimento entre aspas. Estou inscrito para fazer um pronunciamento amanhã a respeito da chegada de grandes madeireiras da Malásia, que já estão se implantando na Amazônia. O seu pronunciamento em defesa de um desenvolvimento ecológico, equilibrado na Amazônia vem bem a propósito. Essa é uma ameaça muito grande, real, efetiva e está começando a rondar o Estado do Amazonas. Vou falar sobre isso amanhã. Parabéns pelo seu pronunciamento.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço a V. Exª.

Sr. Presidente, continuando, eu gostaria de registrar que toda essa discussão tem sentido à medida que formos capazes de articular três coisas que considero fundamentais. A primeira delas é a necessidade de um projeto de desenvolvimento para a Amazônia que seja coerente com a sua natureza amazônida. Precisamos que Governos, Prefeitos, empresários, trabalhadores tenham a visão de que essa floresta, esses rios, essa mata se constituem num potencial de riqueza muito grande.

Não adianta dizer que existem propostas de implantação de madereiras ecológicas, se não sabemos que tipo de tecnologia irão utilizar para fazer o manejo. Muitas vezes, em nome do manejo - quero dizer que não sou contra uma proposta séria de manejo - cometem-se atrocidades contra o meio ambiente, contra esse nosso potencial de riqueza de recursos naturais e biodiversidade.

Outro ponto fundamental é que os órgãos que promovem o desenvolvimento da Amazônia, como o BASA, a Sudam e a Suframa, precisam passar por um processo de rediscussão, de redefinição, de aprimoramento da sua ação na Amazônia, de forma a estarem realmente integrados. Para estarem integrados, precisam de um plano de desenvolvimento. Para terem um plano que alavanque o desenvolvimento, é preciso haver uma política séria de incentivos fiscais.

A Amazônia hoje conta com isso. Mas acredito que esses recursos foram utilizados para projetos que não dão o devido retorno. São tão grandes, como falei anteriormente, que os pobres, os pequenos nem alcançam. Quando se pensa em Amazônia, logo se vai com megaprojetos.

O Sr. Romeu Tuma - Senadora Marina Silva, V. Exª me permite um aparte?

A SRª MARINA SILVA - Com todo o prazer, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Senadora Marina Silva, não posso dizer que a ouço com alegria, porque seria uma agressão aos nossos sentimentos. Ouço-a com tristeza. Sei do seu trabalho na luta em defesa do meio ambiente e dos povos da floresta, que, mesmo na miséria, sobrevivem naquela região, namorada de todos os brasileiros. Fico pasmado. Canta-se em prosa e verso a riqueza da Amazônia e o que representa a Amazônia para o mundo. Não sei como permanentemente as autoridades ficam de costas para essa região tão importante do País. Quero solidarizar-me com V. Exª. Creio que essa frente que V. Exª lidera tão bem com outros senadores que representam a Amazônia neste Senado, conta com todos aqueles que têm a esperança de que um dia uma política pública séria e real para a Amazônia possa ser discutida neste plenário. Conclamamos o Governo democrata do Presidente Fernando Henrique Cardoso a incluir, como uma das prioridades do seu Governo, o desenvolvimento daquilo que a Amazônia pode oferecer em benefício da sociedade brasileira.

A SRª MARINA SILVA -  Agradeço o apoio de V. Exª, que tem sido, no plenário desta Casa, um aliado de inúmeras questões quando se trata da Amazônia, talvez em função da convivência que teve com as populações daquela região.

V. Exª afirmou que não compreende como as autoridades continuam a não ouvir esse clamor. Do ponto de vista do discurso, da retórica, entendo que já houve um avanço. Hoje não se tem como falar de desenvolvimento do Brasil sem mencionar a importância da Amazônia, da sua preservação, do respeito ao seu processo de crescimento, incorporando os mecanismos que possibilitem a preservação ambiental. Necessitamos, porém, de mecanismos concretos para viabilizar essas idéias.

É possível identificar, em algumas instâncias do Governo, pessoas que têm interesse, que têm uma proposta séria e que, em muitos momentos, têm até nos ajudado, como foi o caso do Superintendente da Sudam, e colaborado com algumas idéias no campo do desenvolvimento sustentado na Amazônia. Infelizmente, essas idéias ainda são pequenas, embrionárias, precisam ser ampliadas.

Há uma sensibilidade a esse respeito por parte da Presidente do Basa, Drª Flora Valadares, e uma preocupação de várias pessoas ligadas ao próprio Ministério do Meio Ambiente, como o Dr. Raul Jungmann, com quem estive recentemente no Estado do Acre; a Drª Aspásia Camargo; o Dr. Seixas Lourenço.

Todavia, sabemos, para que essas idéias boas possam ser implementadas, que precisamos, primeiro, que haja recursos, investimentos em tecnologia e em pessoal, porque é necessário qualificação para executar a grande tarefa de alavancar esse processo na Amazônia. É preciso, acima de tudo, não ter medo da democracia e instituir uma parceria com a sociedade, com as entidades não-governamentais, com os sindicatos, com as pessoas, pois são elas que podem levar a cabo um projeto dessa envergadura.

A Srª Marluce Pinto - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Marina Silva?

A SRª MARINA SILVA - Pois não, nobre Senadora Marluce Pinto.

A Srª Marluce Pinto - Senadora Marina Silva, não resta a menor dúvida de que V. Exª tem sido uma batalhadora, expondo sempre no plenário desta Casa as situações desagradáveis, as dificuldades que as pessoas do Norte enfrentam. Quero me solidarizar com V. Exª e dizer que nós, representantes dos Estados amazônicos, precisamos sempre nos reunir, fazermos composições firmes e definidas do que poderemos tratar junto aos órgãos públicos e às autoridades competentes para o desenvolvimento da nossa Amazônia. Realmente, a depredação tem sido constante, mas não por parte dos moradores ou dos nativos da nossa região, e sim por aqueles que vêm de fora, pelas grandes empresas que se têm instalado na Amazônia, principalmente no Estado de Rondônia, e que depois só deixam o rastro da miséria. Há poucos instantes, ouvimos o nobre Senador Jefferson Péres comunicar-nos que madeireiras da Malásia vão se instalar no Estado do Amazonas. Isso não deveria acontecer. Se existe tanta matéria-prima naquela região e tantas maneiras de ser explorada, respeitando o meio ambiente, sem depredação, por que não pelos brasileiros, pelas microempresas, por pessoas que podem gerar não só renda mas também empregos, para começar, através de uma região tão rica e tão grande como a Amazônica, a combater o desemprego no nosso País. Não dá para entender. Às vezes, faz-se um investimento tão grande num determinado Estado onde tudo já está saturado e onde só as máquinas vão funcionar, em vez do homem, e desperdiçam a grande mão-de-obra da Região Amazônica e as grandes riquezas ali existentes. Portanto, é um convite que faço hoje a V. Exª e àqueles que queiram ingressar: vamos fazer um trabalho entre nós, porque senão vamos ficar a vida toda a fazer discursos através desta tribuna e nunca vamos conseguir nada. Creio que o pouco tempo de V. Exª aqui no Senado da República foi suficiente para concluir que toda verba destinada para a Região Norte, por mínima que seja, tem dificuldade de ser liberada e, muitas vezes, é até criticada por outros que pensam que a nossa região não é viável. Não quero aqui ser contra nenhum Estado da Federação brasileira, mas há tantos Estados que, por si só, por sua renda e desenvolvimento, já poderiam, através das suas arrecadações, marchar sem ter necessidade de investimento da União. Contudo, é exatamente nos nossos Estados, onde tudo isso poderia ser feito e ser bem aproveitado, que faltam incentivos. Esse é o apelo que faço diretamente a V. Exª e a outros parlamentares da nossa região que porventura estejam me ouvindo. Agradeço a oportunidade do aparte.

A SRª MARINA SILVA - Agradeço a V. Exª e concordo inteiramente com a proposta apresentada. Penso que sem uma articulação mínima dos governadores, senadores, deputados e prefeitos, das pessoas e entidades da Amazônia, é muito difícil sensibilizarmos o Governo Federal para a viabilidade dos nossos projetos.

Como eu dizia anteriormente, acredito que é fundamental que se faça um processo de reestruturação desses órgãos de promoção do desenvolvimento da Amazônia.

Recentemente, em reunião com a diretoria do Basa, com sua Presidente, Drª Flora Valadares, obtivemos alguns resultados no que se refere aos recursos do FNO. Pela primeira vez, teremos uma linha de crédito especial para financiar o extrativismo na Amazônia. Assim, o Basa e o FNO terão uma feição de amazônia. 

Não é possível uma instituição de desenvolvimento da Amazônia deixar de prever uma linha de crédito para o extrativismo, a base de sustentação para a estruturação econômica inicial da região.

Podemos asseverar, então, que alguns passos já estão sendo dados.

Nós, enquanto parlamentares, temos a possibilidade de conversar com o Executivo, seja nos Estados, seja no Governo Federal, e de fazer com que os recursos destinados para a região não sejam direcionados alhures para atividades empresariais que, muitas vezes, não possibilitam o devido retorno.

No Acre, houve um projeto para extração do álcool em que foram investidos 25 milhões de dólares. Lembro-me de que houve uma polêmica incrível. Pessoas defendiam porque iria gerar cerca de 2 mil empregos. Na época, ia ser concedido o título de cidadão Acreano para o proprietário da Alcoolbrás, que estava sendo instalada no Estado do Acre. Como Vereadora, fui a única a não votar favoravelmente a essa indicação. Três anos depois, todo o Estado do Acre ficou escandalizado porque aquele senhor sumiu - não sei se está em algum país estrangeiro - e todas as máquinas, o plantio de cana, os carros, enfim, todo o patrimônio está abandonado, e o Banco do Brasil teve de confiscar um prejuízo enorme para a instituição financeira estadual e nenhum emprego gerado a custa desse megaprojeto.

No entanto, com os 3 milhões de reais do Prodex para este ano, com certeza, teremos mais de três mil famílias beneficiadas diretamente. Imaginem se, ao invés daquele megaprojeto, se tivesse investido junto aos produtores. Esses não se tornam inadimplentes, pois pagam o que devem. Eles não têm como fugir para Portugal, porque, muitas vezes, não têm sequer como ir a Rio Branco para se tratar de uma malária, ou cuidar da sua saúde.

Muitas das atuais conquistas, que hoje beneficiam o conjunto da população, são oriundas da luta dos seringueiros do Acre, da luta dos trabalhadores rurais do Pará - principalmente de Santarém -, ou dos inúmeros gritos da Amazônia - do grito da terra, dos trabalhadores do Bico do Papagaio, dos trabalhadores do Maranhão, de Roraima, de Porto Velho -, que fazem ver que, enquanto não se investir na ponta, não haverá retorno de qualquer dinheiro que seja levado para a Amazônia, mesmo com uma política generosa de incentivos fiscais.

E, como falei anteriormente, existe um capital político, um capital que é de conhecimento, que é de vida, que é de cultura e que não pode ser desprezado jamais. Trata-se das populações que ali residem e que têm muito a opinar num processo de discussão, em que se redefinirá uma política de desenvolvimento para a Amazônia.

Faço questão de fazer este registro a toda hora, porque, como salientei no início do meu discurso, durante muito tempo, as autoridades acreditavam que podiam pensar numa proposta para a Amazônia de fora para dentro. Isso não é possível. Os inúmeros fracassos têm dado conta de que essa forma de encarar o problema não fornece resultados. Se não incorporarmos as milhares de famílias que hoje estão à margem do processo produtivo, estaremos fadados ao fracasso.

É por isso que, para mim, a qualquer política de estradas tem que estar acoplado um plano de desenvolvimento. Qualquer injeção de recursos tem que estar associada a um programa que estabeleça uma diretriz no sentido de que as populações tradicionais também devem ser contempladas.

Hoje, por intermédio de recursos do PDA, que são verbas oriundas do PTG-7, já existe um trabalho de parceria com essas comunidades. Com essas linhas de crédito do Basa, será possível realizar trabalhos com essas comunidades.

Posso registrar aqui uma experiência fantástica dos pescadores do Estado do Amazonas, em que se está propondo um manejo na exploração dos lagos. Haveria lagos destinados à pesca permanente, outros à pesca eventual e outros, ainda, que seriam considerados lagos-mãe, os quais serviriam para abastecer de peixes aqueles explorados pela pesca por inúmeras famílias de pescadores artesanais.

Penso que essa proposta é muito interessante. Até assumi o compromisso de tentar viabilizá-la do ponto de vista prático, seja através de projeto de lei ou através de articulação junto ao Ministério do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, no sentido de se conseguir os recursos necessários a um projeto dessa natureza.

E mesmo os setores empresariais terão que se submeter a uma lógica que hoje se impõe a todos nós: não se pode desconhecer que a Amazônia, sem a sua floresta, sem a sua biodiversidade, com o empobrecimento do seu ecossistema, é absolutamente nada, é deserto, é uma terra arrasada.

É contra isso que muitos de nós têm se insurgido nesta Casa. E penso que se instituiu um consenso: hoje, ninguém mais acredita que a saída para a Amazônia é a pecuária pura e simplesmente, nem os megaprojetos das grandes mineradoras. Todos sabemos que a saída para a Amazônia é deixá-la continuar a ser a Amazônia, para que se constitua nesse celeiro que é, de inúmeras possibilidades para a pesquisa científica e para as respostas que a humanidade até hoje não foi capaz de dar com relação a vários aspectos da nossa existência, inclusive o cultural, pois os valores ali cultivados talvez nos possibilitem nos tornarmos mais humanos.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/1996 - Página 5017