Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM AS RUINAS PATRIMONIAIS DA CIDADE DE AIRÃO OU VELHO AIRÃO, AS MARGENS DO RIO NEGRO, NO ESTADO DE AMAZONAS. APELO PARA O TOMBAMENTO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM AS RUINAS PATRIMONIAIS DA CIDADE DE AIRÃO OU VELHO AIRÃO, AS MARGENS DO RIO NEGRO, NO ESTADO DE AMAZONAS. APELO PARA O TOMBAMENTO.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Ramez Tebet, Valmir Campelo.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/1996 - Página 5448
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, MUNICIPIO, VELHO AIRÃO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), SUGESTÃO, INCLUSÃO, ROTEIRO, TURISMO, ECOLOGIA.
  • DEFESA, TOMBAMENTO, PATRIMONIO HISTORICO, ENCAMINHAMENTO, ORADOR, SUGESTÃO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), ANEXAÇÃO, PROJETO, RECUPERAÇÃO.
  • VANTAGENS, SETOR PRIVADO, BENEFICIO FISCAL, PUBLICIDADE, RECUPERAÇÃO, BENS CULTURAIS, LEI FEDERAL, INCENTIVO, CULTURA.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo, hoje, essa qualificada tribuna para falar sobre as ruínas da cidade de Airão ou Velho Airão, às margens do Rio Negro, há 250Km de Manaus, povoamento fundado em 1658, sendo mais antiga, por exemplo, que Ouro Preto, para citar uma referência conhecida, como dá notícia a matéria jornalística que a este acompanha.

Abandonada pelos seus moradores, na década de 50, em virtude de razões controversas (que vão desde querelas políticas até uma invasão de formigas), o remanescente arquitetônico de Airão configura o exemplar característico do século XVII, sendo o mais antigo povoamento do Vale do Rio Negro.

A preocupação com os destinos das ruínas patrimoniais é, portanto, procedente, pois sobram motivos para tal. Além disso, a mesma reportagem informa sobre as providências que já estão sendo tomadas para fundamentar o processo de tombamento em esfera federal, ressaltando que a documentação de registro do sítio compreende um extenso relatório em três volumes, com fotos, textos, mapas e plantas do local.

Isolados pela própria floresta há duas décadas e meia, os exemplares arquitetônicos e os vestígios arqueológicos encontram-se em situação extremamente precária e, para sua recuperação, exigem um investimento de monta.

Como iniciativa fundamental, o tombamento em nível federal constitui, sem sombra de dúvida, a providência mais urgente e de efeitos mais duradouros que se poderiam encetar. Pela via do tombamento, os bens culturais são registrados, a atenção do poder público é acionada, os recursos são canalizados.

Cumpre informar que o tombamento é o instrumento que garante, do ponto de vista institucional, a promoção de iniciativas requeridas pela restauração e preservação de um bem cultural.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muito prazer, Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Bernardo Cabral, sou um dos freqüentadores das sessões das sextas-feiras. Na realidade, já cheguei a chamar isso aqui de terapia de grupo, ou seja, o Senado funciona. O mais interessante é que são discutidos temas importantes como esse que V. Exª traz à tribuna nesta manhã. Hoje, ao dirigir-me para o Senado, li, se não me engano, no jornal local, crítica a respeito de que há poucos parlamentares em Brasília nas sextas-feiras. A meu ver, são poucos também os jornalistas nas sessões de sextas-feiras; eles não vêm aqui e depois dizem que nós não viemos. Como é fácil se bater na representação popular, principalmente aqueles que têm o poder dos meios de comunicação. Seria interessante, portanto, que estivessem aqui, como as duas representantes do Jornal do Senado. Então, dá a idéia de que eles é que não se interessam por assuntos que nos interessam, como este da maior importância que é o problema de Airão. Lembro-me de que acompanhei as notícias sobre a Nova Airão. Parece-me que há uma Nova Airão, para onde foi a população expulsa da Velha Airão pelas formigas, segundo a notícia. Não me parece que essa razão seja procedente, porque, se a cidade fosse em cima de um formigueiro, o tombamento da cidade não seria histórico, seria natural, seria físico, provocado por crateras que iriam se formar pela existência do próprio formigueiro. V. Exª faz muito bem em defender o tombamento, por parte do Governo Federal, de cidades como Airão. Afinal de contas, cidades como Airão e Alcântara, no Maranhão, e tantas outras lembram-nos que temos raízes, temos História. Por mais que se tivesse feito no Maranhão para recuperar parte de sua História, quando fui à Europa, senti que tudo aquilo para o turista era tão pouco. Homenageia-se no Maranhão um prédio de 200 anos, enquanto na Europa encontram-se prédios que datam de séculos. Então, aquilo que para nós é importante não o é para o turista. Ele vive a própria História. Nós, que temos uma História bem mais recente, devíamos lutar para mantê-la. Estou com V. Exª. Louvo a sua lembrança e louvo o seu pronunciamento para que se ressuscite a Velha Airão e se descubra o motivo pelo qual houve essa mudança, se foi um motivo político ou se foi pelas formigas. A História deve ficar registrada. A recuperação da cidade é importante até para fomentar o turismo, para que turistas venham conhecer a Velha Airão, do século XVII. Congratulo-me com V. Exª e lamento que a imprensa não esteja aqui para registrar o seu pronunciamento.

O SR. BERNARDO CABRAL - Senador Epitacio Cafeteira, o incentivo do Parlamentar, sobretudo do Extremo Norte como eu, é verificar o espanto de V. Exª, que relembra as tradições de Alcântara, cidade histórica do Estado que V. Exª tão bem representa nesta Casa, por não se ter procedido ao reconhecimento de uma cidade histórica, como é a do Airão, há 300 anos perdida no Amazonas.

O problema das formigas foi devidamente solucionado. Ainda bem! O que é mais interessante: foi solucionado com a ajuda de tecnologia estrangeira.

Quando V. Exª lembra o que existe na Europa, recorda-me de quando eu, ainda moço, visitei a primeira vez a cidade de Veneza. No Palácio dos Doges, com um guia à frente explicando como tinha sido feita a construção, um grupo de norte-americanos estava comendo pipoca e fazendo um barulho que interrompia a dissertação do guia. Ele parou e fez uma advertência a esse grupo, dizendo que eles impediam que ele passasse aos demais visitantes o traço histórico do Palácio Ducal, também chamado Palácio dos Doges, que já estava construído antes do descobrimento do país deles, portanto, antes do descobrimento da América do Norte, e que era preciso respeitar a tradição cultural.

Veja só V. Exª: um palácio que já existia antes de 1492 e que ainda existe até hoje e que é conservado por essa tradição histórica que nada mais é do que o tombamento. O que significa o tombamento? É o instituto jurídico do qual o Poder Público lança mão para determinar quais os bens culturais a serem protegidos pelo Estado e de que forma essa proteção se dará.

V. Exª reclama a presença da imprensa para registrar, numa sexta-feira, o comparecimento daqueles que freqüentam e que, portanto, trabalham e defendem o nome do Legislativo. Jamais conheceremos os efeitos do seu desaparecimento, porque já sabemos das conseqüências de quando ele ficou fechado. A imprensa só dá grande divulgação para o fato negativo.

Veja V. Exª que, quando algum Ministro diz uma frase mais disparatada, ela assume a maior publicidade possível. Quando um Senador ou um Deputado Federal aborda, da tribuna de suas Casas, um problema da maior seriedade, não há uma linha a respeito. Foi por isso que aplaudi o Jornal do Senado, quando ele foi criado. Temos a prova aí, ou seja, duas funcionárias - conheço ambas -, jornalistas da melhor categoria, estão fazendo o registro para que isso não caia no vazio.

De modo que, Senador Cafeteira, a observação de V. Exª é plenamente procedente. Neste País cuida-se muito mais do invólucro do que do conteúdo. Ás vezes o invólucro é como um tambor que faz muito barulho por fora, mas é vazio por dentro. Seriedade é uma coisa que precisava ser estabelecida em todos os níveis, porque brincadeira, dislates, disparates, que ganham manchetes, nem sempre a História, no futuro, registrará como contribuição à cultura de um país.

Eu fico muito feliz. Pode estar reduzido o número, a quantidade de Parlamentares. Prefiro a qualidade que aqui está.

Quero prosseguir, Sr. Presidente, dizendo que vou defender o tombamento. Agrada-me muito que seja V. Exª que esteja presidindo esta sessão hoje, amazonense como eu, professor universitário como eu, mas sobretudo preocupado com as circunstâncias que envolvem o abandono do Norte.

Quero dizer que vou defender o tombamento, porque o referido instrumento é uma prerrogativa exclusiva do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que é conhecido com a sigla IPHAN, por força de um decreto-lei - vejam V. Exªs! - que vem de 1937, portanto, ainda do Estado Novo, e que continua em vigor.

Como a História é um patrimônio cultural a que pouco se dá atenção, esse instituto, com mais de meio século de trabalho no trato do patrimônio cultural, é o órgão executor da política do Ministério da Cultura para atividade da preservação na esfera federal.

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Bernardo Cabral, chego ao plenário no meio do seu pronunciamento. Significa que já perdi muito. Espero haurir ainda a sua fala porque ela enriquece o Senado da República. E hoje V. Exª demonstra mais uma vez isso, quando ocupa a tribuna para defender a figura do tombamento, para defender a cultura do seu Estado e a cultura do Brasil. Quero cumprimentar V. Exª pela preocupação que tem com a cultura, com as tradições históricas de nosso País e particularmente do seu Estado. Os meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL - Eu queria apenas, Senador Ramez Tebet, retificar o que considero um equívoco. V. Exª não perdeu a metade do meu discurso; eu perdi a presença de V. Exª desde o início. Vamos colocar as coisas em seus devidos termos.

Quero continuar, Sr. Presidente. Para que o bem cultural possa ser tombado - o que, a rigor, constitui a sua inscrição nos livros de Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - instaura-se um processo que é obrigatoriamente instruído por estudos técnicos especializados, tendo em vista o valor cultural e, em última instância, o interesse social daquele bem, providência já implementada no caso em análise.

O tombamento é, pois, um ato administrativo, cujo andamento e conseqüente resultado compreendem estudos, prospecções e outras providências técnicas específicas (como notificação do proprietário, desapropriação, etc.), relativas à natureza do bem a ser tombado, seja ele móvel ou imóvel, histórico, artístico ou documental.

Nesse sentido, sabendo-se que o tombamento é prerrogativa do Poder Executivo e inteirando-me das informações sobre o andamento do processo, quero, neste momento, encaminhar ao IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional esta oportuna manifestação de interesse relativa ao bom termo e à eficácia da iniciativa em questão.

E já, agora, o faço lastreado pelos apartes com que os eminentes Senadores acabam de me honrar, para formar uma cadeia para preservar esta cidade, de mais de 300 anos, no interior do meu Estado.

O Sr. Valmir Campelo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Com muita honra, Senador Valmir Campelo.

O Sr. Valmir Campelo - Eu queria apenas parabenizar, mais uma vez, V. Exª, que sempre traz a esta Casa assuntos importantes. Este que V. Exª traz hoje, o tombamento dessa cidade, que é internacionalmente conhecida, é de suma importância para todos nós e para o nosso País. De forma que louvo a iniciativa de V. Exª, que não defende só o seu Estado, mas o Brasil como um todo, nos pronunciamentos que traz ao Senado Federal. Nesta manhã de sexta-feira, apesar dos poucos Parlamentares aqui presentes para ouvir V. Exª, sentimo-nos honrados de ouvir o apelo que V. Exª faz e de saber que encaminha, inclusive ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, solicitação para que esse órgão tome as providências que terão que ser tomadas. Parabéns a V. Exª por essa idéia e por essa proposição!

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, Senador Valmir Campelo, sobretudo porque sendo um dos Parlamentares mais assíduos às sextas-feiras, que é um dia de revoada parlamentar, quando um de nós - e eu me incluo nessa situação -, aqui não pode comparecer, V. Exª costuma preencher a lacuna e defender os interesses políticos de seus companheiros, como está a fazer nesta hora ao se juntar à voz deste seu velho amigo.

Sr. Presidente, um outro aspecto a ser eventualmente explorado é a possibilidade de se atrair investimento privado para a recuperação de alguns dos bens culturais devidamente registrados. Poderoso parceiro do Estado no desenvolvimento econômico e social, o setor privado tem experimentado, de maneira ainda muito incipiente, as vantagens do marketing cultural, que já se tornou uma tendência mundial quando se trata de proteção do patrimônio histórico e artístico.

O atrativo principal desse tipo de marketing são os benefícios fiscais passíveis de serem usufruídos tanto pela pessoa física quanto pela pessoa jurídica, a partir do investimento em cultura realizado por intermédio da Lei nº 8.313, de 1991, a chamada Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Em países como o nosso, contrariamente aos desenvolvidos, não há tradição de investimento em cultura - raramente entendida como um bem de todos - e o marketing cultural ainda é tateante. No entanto, a isenção fiscal advinda do investimento privado na área cultural não é nada desprezível. Hoje, de acordo com a legislação em vigor, o abatimento do Imposto de Renda de pessoas jurídicas anda na casa de 5%, totalizando, quando se trata de empresa, uma parcela de 30% do valor do investimento total como patrocínio ou 40% do valor do investimento total como doação.

Nesse sentido, apresentarei um projeto de recuperação do patrimônio edificado da cidade de Airão para, eventualmente, contar com o patrocínio de uma ou mais empresas, de caráter regional ou nacional, interessadas em ter seu nome relacionado a um investimento dessa natureza. Nesse caso, esse projeto seria submetido ao Ministério da Cultura para aprovação e passaria a contar com um orçamento definido, protegido das oscilantes dotações orçamentárias peculiares aos financiamentos do Poder Público a projetos culturais. Para ilustrar a eficácia de semelhante opção, avocamos o eloqüente testemunho da produção cinematográfica brasileira do último ano, cujo êxito foi expressivamente sustentado pelo investimento privado.

Vou concluir, Sr. Presidente, sei que V. Exª me adverte porque o meu tempo está a acabar.

Quero dizer, à guisa de conclusão, que me ocorre ainda a alternativa auspiciosa da inclusão da cidade de Airão nos roteiros do ecoturismo, aproveitando o melhor momento dessa rentável atividade. Afinal, esse rico patrimônio pode perfeitamente fazer parte das inúmeras rotas turísticas que hoje cortam o Amazonas, atraindo um grande número de turistas.

Esta seria uma providência, no entanto, que, por sua natureza, caberia à iniciativa do Executivo, por intermédio de seus órgãos de atribuição específica, como a Embratur, a quem farei expediente nessa direção, a exemplo da iniciativa a ser dirigida ao IPHAN.

Ao fazer este registro, Sr. Presidente, estou juntando a ele duas publicações. Uma, com o título "Uma cidade some na mata" - veja V. Exª que não é uma publicação editada na nossa terra, é de um jornal de Brasília, o Correio Braziliense, que mostra que a lenda e a realidade se confundem na história de uma vila engolida pela floresta amazônica -, e a outra, Sr. Presidente, que testemunha que as formigas teriam provocado o abandono da vila, "Formigas teriam provocado abandono da vila".

Acrescento essa documentação para que não se diga que não se dispõe de documento próprio para a finalidade.

Era o que tinha a dizer, agradecendo aos eminentes Senadores e a V. Exª pela atenção dispensada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/1996 - Página 5448