Discurso no Senado Federal

TERROR NA PENITENCIARIA DE GOIANIA, MANCHETE DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DE HOJE, JUSTIFICANDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 57, DE 1996, DE SUA AUTORIA, LIDO NA PRESENTE SESSÃO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • TERROR NA PENITENCIARIA DE GOIANIA, MANCHETE DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, DE HOJE, JUSTIFICANDO O PROJETO DE LEI DO SENADO 57, DE 1996, DE SUA AUTORIA, LIDO NA PRESENTE SESSÃO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Epitácio Cafeteira, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/1996 - Página 5453
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, MOTIM, PRESO, ESTADO DE GOIAS (GO), ANALISE, FALENCIA, SISTEMA PENITENCIARIO, BRASIL, EXCESSO, LOTAÇÃO, PENITENCIARIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, POSSIBILIDADE, SETOR PRIVADO, CONSTRUÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, PRESIDIO, EXECUÇÃO, SENTENÇA CONDENATORIA.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há alguns meses fiz um pronunciamento aqui, que depois tornei a repetir, sobre a situação das penitenciárias no nosso País.

Nesse meu pronunciamento - "Homens, feras e prisões" -, que divulguei aqui, manifestei a minha preocupação com o sistema falido das penitenciárias e a situação caótica dos prisioneiros de todas as penitenciárias do nosso País.

Hoje, o Correio Braziliense traz como manchete: "Terror na Penitenciária de Goiânia"; e traz, no seu editorial: "Sucursais do Inferno".

Como V. Exª acaba de mencionar, realmente apresentei hoje ao Senado um projeto, que eu já vinha estudando e discutindo há muito tempo. A proposta faculta aos Estados e ao Distrito Federal outorgar à iniciativa privada a construção e instalação de presídios, bem como a execução de sentenças penais condenatórias.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Mas logo no início do pronunciamento, nobre Senador?

O Sr. Epitacio Cafeteira - Logo no início, porque V. Exª trata de um assunto da mais alta importância.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, nobre Senador. Ouço, com muito prazer, o aparte de V. Exª.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permita-me V. Exª, nobre Senador Valmir Campelo, lembrar-me do tempo de faculdade. Naquela época, quando estudei Direito Penal, o Professor Heleno Fragoso deu-nos a missão de assistir a um filme e dizer, depois, o que tínhamos entendido dele. Assistimos ao filme. Era um filme americano que abordava o sistema penitenciário de lá, semelhante ao do Brasil em muitas coisas e diferente em outras. Diferente no que tange, vamos dizer, à forma como é tratado o preso, mas semelhante no que diz respeito à falta de critérios de como são levados os presos a uma mesma penitenciária. O filme chamava-se "O Sistema". Comprovamos que nos Estados Unidos encarceram-se juntos, como se faz no Brasil, um criminoso de alta periculosidade e um criminoso eventual, que nada tem de perigoso. Isso provoca uma espécie de transformação: aquele que não é perigoso passa a sê-lo. V. Exª está vendo neste instante notícias segundo as quais aquele cidadão que seqüestrou uma moça na Bahia, no comando desse evento, foi levado a Goiás. E por quê? Porque o domicílio dele é em Goiás. Leva-se o preso para o seu domicílio, e não para coabitar com aqueles que lhe são semelhantes. Seria o mesmo que no jardim zoológico colocarmos o tigre na mesma jaula do cordeiro. Isso não tem sentido. Ou criamos uma forma de encarcerar em função do crime cometido, do perigo que o cidadão representa para a sociedade, ou não adiantará construir mil penitenciárias. Enquanto se olhar primeiro a aproximação do preso com o seu domicílio e não a sua periculosidade, vamos sacrificar pessoas, vamos ter situações como essa a que estamos assistindo. Congratulo-me com V. Exª, porque traz ao debate um assunto na hora em que ele acontece. Esse episódio está acontecendo aqui em Goiás; aqui, que é, vamos dizer, o mesmo núcleo do Distrito Federal. E V. Exª está atento, como bom Representante que é de Brasília.

O SR. VALMIR CAMPELO - Fico muito grato a V. Exª pelas suas palavras. V. Exª, ao tomar conhecimento do nosso projeto, vai verificar que ele contempla a diferença de tratamento entre o preso que foi condenado a muito tempo de prisão, aquele perigoso, e o detento, o de crime comum - o recluso, como diz o nobre Senador Bernardo Cabral, que aqui nos auxilia com a sua experiência jurídica, com o seu saber jurídico.

Tenho absoluta certeza de que V. Exª continuará nos apoiando como agora se manifesta.

Mas, Sr. Presidente, eu diria que, para corroborar o que tenho denunciado com certa freqüência neste plenário, mais uma penitenciária brasileira enfrenta a revolta dos detentos. Desta feita é o pacato e progressista Estado de Goiás que enfrenta as conseqüências nefastas da falência do sistema penitenciário nacional. Nos arredores de Goiânia, na Cidade de Aparecida, os presos se revoltaram contra as péssimas condições de vida do presídio, fizeram reféns, apresentaram uma série de exigências e também passaram a serem manchete de televisão, dos jornais de todo o País, como aliás se tornou corriqueiro no Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há anos o Governo não investe um centavo na construção de presídios; há anos assistimos à paulatina degradação do sistema penitenciário brasileiro. A situação chegou a tal ponto que se tornou impossível ignorá-la. Fugas e rebeliões violentas, como esta que Goiás está enfrentando, já passaram a fazer parte do cotidiano das nossas casas prisionais.

Como já mostrei aqui anteriormente, as causas desse verdadeiro caos são as absurdas condições de encarceramento. Os presídios brasileiros transformam delinqüentes em feras. O que acontece em nossas prisões reduz o mais surrealista dos filmes de Fellini a desenho animado.

Sem qualquer exagero, a situação dos nossos presídios é desesperadora: superlotação; falta de condições de higiene; promiscuidade; ociosidade; contágio de doenças, particularmente AIDS; violência de toda ordem, inclusive sexual; suicídios; fome; tratamento brutal aplicado por certos agentes penitenciários despreparados para a função; uso e tráfico de drogas; corrupção, etc, etc.

Não é só isso, Sr. Presidente. Além da degradação total do sistema, cujas penitenciárias, de tão lotadas, acabaram por se transformar em "pavorosos depósitos de presos", como bem definiu o nobre Senador Bernardo Cabral um dia desses, existe o problema da absoluta falta de vaga para abrigar novos prisioneiros.

Por conta disso, as delegacias policiais estão também superlotadas. Aliás, quando se tenta avaliar o déficit de vagas no sistema prisional é preciso considerar as milhares de pessoas já sentenciadas que estão irregularmente cumprindo penas em cadeias públicas e distritos policiais, ao invés de estarem recolhidas em penitenciárias. Só no Estado de São Paulo, são mais de 13 mil, ou quase 1/3 dos presos sentenciados.

É preciso computar também os cerca de 220 mil condenados que estão em liberdade por não terem sido cumpridos os mandados de prisão. Esse número é 70% maior do que o número de condenados efetivamente recolhidos, sem falar daqueles crimes que sequer são comunicados à polícia.

Em suma, Srªs e Srs. Senadores, o sistema penitenciário brasileiro está totalmente falido. Ninguém, em sã consciência, pode negar essa realidade vergonhosa. A impotência do governo face ao caos que impera em nossas prisões é completa e incontestável.

Pensando nisso, apresentei agora pela manhã à Mesa do Senado Federal um projeto de lei até polêmico, mas corajoso, facultando aos Estados e ao Distrito Federal outorgarem à iniciativa privada a construção ou a instalação de presídios, bem como a execução de sentenças penais condenatórias.

Em outras palavras, estou propondo a privatização dos presídios brasileiros. Estou convencido de que essa é a melhor solução para os crônicos problemas do nosso sistema penitenciário.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Com muito prazer, ouço o nobre Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Valmir Campelo, esse assunto é muito debatido. Como afirma V. Exª, é um assunto polêmico, crônico no País. Há superpopulação nos presídios, as condições dos presos são subumanas, há ainda os que estão condenados e em liberdade. Tudo isso clama por uma solução. O importante é que V. Exª, com a apresentação do seu projeto, no mínimo levanta o debate e busca realmente encontrar uma solução. Digo isso por quê? Porque se trata de uma questão polêmica. Eu mesmo ainda não tenho uma consciência formada de qual seria a solução para esse grave problema, abordado com oportunidade por V. Exª. Os últimos acontecimentos que assolam o País - rebeliões de presos, com autoridades, pessoas humildes e funcionários tomados como reféns -, estão a demonstrar que alguma coisa precisa ser feita. Mas V. Exª, com seu projeto, vai permitir que o Senado da República passe, efetivamente, a discutir o assunto. Isto é, saia do discurso puro e simples para buscar uma solução. O projeto de V. Exª naturalmente terá que ser discutido e votado, e, no curso desses procedimentos, receberá emendas, opiniões, sugestões. Ficarei torcendo e serei, se V. Exª me permitir, um acompanhante do itinerário desse seu projeto de lei. Por quê? Porque vivenciei isso na minha caminhada profissional, quando iniciei a minha vida profissional como Promotor de Justiça - por pouco tempo, três anos e alguns meses -, e depois como advogado militante na advocacia criminal, notadamente no Tribunal do Júri. De sorte que trago a V. Exª a minha solidariedade, o meu abraço e os meus cumprimentos por trazer esse problema através da apresentação de um projeto de lei.

O SR. VALMIR CAMPELO - Senador Ramez Tebet, agradeço-lhe o aparte. Sei que V. Exª, além de advogado militante, é um grande conhecedor do sistema penitenciário de nosso País, que, aliás, está falido. Fico muito honrado em tê-lo como companheiro no acompanhamento desse projeto.

Nobre Senador, talvez eu não esteja no caminho certo a respeito desse projeto, mas a minha intenção é a de ajudar a sociedade e o nosso País. Realmente, esse projeto suscita dúvidas, mas também traz um resultado positivo: a humanização do preso, do condenado.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Valmir Campelo, em primeiro lugar, agradeço a V. Exª a honra de ter sido citado em seu discurso, não só na justificativa do projeto, mas também por ocasião de uma intervenção minha feita nesta Casa. Agripino Grieco dizia, quando tinha um bom relacionamento com um outro escritor, um outro companheiro seu, que geralmente os escritores exercitam a "maçonaria dos elogios cruzados". Não tome V. Exª este meu aparte como o exercício de uma maçonaria, cruzando a sua manifestação a meu favor com o meu registro sincero em derredor do projeto de V. Exª. Realmente, penitenciária tomava esse nome porque era onde o cidadão ia expiar o seu crime; cumpria pena para a sua reabilitação e voltava à sociedade. Hoje, penitenciária é sinônimo de "universidade do crime". É o antônimo filosófico de tudo aquilo que possa ser uma universidade. O cidadão que comete uma infração penal está fazendo vestibular para se doutorar no crime dentro das "universidades". Com a apresentação de um projeto dessa natureza - e devo lhe dizer, por uma questão de sinceridade, que não sei se a privatização será o melhor caminho, pois já visitei várias penitenciárias privatizadas nos Estados Unidos e sei que ainda existem algumas coisas a serem contornadas -, para servir de discussão à Nação, Senador Valmir Campelo, digo-lhe que agora será ainda maior o registro do seu nome nos Anais da Casa.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado.

O Sr. Bernardo Cabral - Crimes, agentes, penas, tudo isso faz parte de uma sociedade que a cada dia mais se desmoraliza. Hoje, o padrão é ser criminoso; a exceção é o homem de bem. Antigamente, o homem de bem era regra; apontava-se um ou outro criminoso. Hoje, o sério, o decente, o honesto, acaba sendo chamado de tolo. E V. Exª vê por aí que corre uma piada nesta nossa cidade de que o julgamento do Sr. PC Farias não mais será feito pelo Supremo, mas por um juizado de pequenas causas, tamanho é o volume de irregularidades que estão a surgir atualmente, muito mais significativas que as praticadas pelo Sr. PC. De modo que o projeto de V. Exª enriquece o Senado, dignifica o seu autor e faz com que os seus colegas passem a admirá-lo ainda mais.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, nobre Senador Bernardo Cabral.

Quero, nesta oportunidade, agradecer o aparte de V. Exª pela sua experiência, pelo seu saber jurídico e pela sua sensibilidade no que diz respeito ao sistema penitenciário de nosso País. V. Exª, quando Ministro da Justiça, destinou recursos para a melhoria, ampliação e construção de penitenciárias em todo o País, inclusive a de Brasília. O Pavilhão "C" da Papuda, por exemplo, foi construído graças aos recursos destinados a mando de V. Exª para o Distrito Federal - somos-lhe gratos por isso. Com a sensibilidade de homem público e também como ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, V. Exª luta pelos direitos e pela justiça social. Esse projeto visa, acima de tudo, dar dignidade ao ser humano.

Continuando, Sr. Presidente, o projeto de lei que acabo de apresentar não contém, nem de longe, a intenção de retirar do Poder Judiciário ou dos Juízes de Execução a sua competência constitucional e legal.

Na verdade, o objetivo da proposição é facultar aos Estados-membros da Federação a oportunidade de repassar a administradores particulares o encargo de construir, aparelhar e, por fim, administrar presídios, albergues e casas de detenção.

Tenho absoluta certeza de que os custos, por preso, serão substancialmente menores; que serão muito mais e melhor observados os comandos constitucionais sobre a preservação da dignidade dos presos e sua integridade física e moral.

Por outro lado, Sr. Presidente, abre-se a oportunidade de acabarmos com um dos grandes males das prisões brasileiras: a ociosidade dos detentos. O projeto determina que as prisões privadas ofereçam aos internos trabalho remunerado, a necessária formação intelectual e profissional, assistência à saúde, além de atividades de lazer e entretenimento.

A idéia, evidentemente, não é nova. Colhi subsídios das bem-sucedidas experiências francesa e norte-americana. Em nenhum dos presídios privados desses dois países o custo de um preso, por dia, ultrapassa os US$25. Hoje, o Correio Braziliense diz que o preso brasileiro custa mais de três salários mínimos por mês. As estatísticas revelam também que rebeliões e fugas são acontecimentos ocasionais, desprezíveis nas constantes pesquisas e avaliações levadas a efeito pelos governos daquelas nações.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em abril do ano passado, ao concluir daqui, desta tribuna, um longo pronunciamento sobre esse mesmo tema, alertei o Governo e a Nação acerca da necessidade de uma ampla e completa reformulação do nosso sistema penitenciário.

O projeto de lei que ora submeto à apreciação dos meus Pares é uma contribuição séria, pertinente e muito oportuna, capaz de provocar uma verdadeira reviravolta - para melhor, é bom que se diga - no nosso sistema prisional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/1996 - Página 5453