Discurso no Senado Federal

REGISTRO DE INGRESSO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA INCONSTITUCIONALIDADE DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO SENDO FEDERAL DURANTE O PROCESSO DE INSTALAÇÃO DA CPI DO SISTEMA FINANCEIRO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • REGISTRO DE INGRESSO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA INCONSTITUCIONALIDADE DOS PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO SENDO FEDERAL DURANTE O PROCESSO DE INSTALAÇÃO DA CPI DO SISTEMA FINANCEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/1996 - Página 5464
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, MANDADO DE SEGURANÇA, IMPETRAÇÃO, SENADOR, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), CONTESTAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, NEGAÇÃO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • ANALISE, JURIDICIDADE, INTERFERENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), LEGISLATIVO.
  • CRITICA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), DISCRIMINAÇÃO, TRATAMENTO, BANCO PARTICULAR, ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, como é do conhecimento do Senado, ontem, 17 Senadores com assento nesta Casa, dos mais diversos Partidos, deram entrada, junto ao Supremo Tribunal Federal, em um mandado de segurança, para que a CPI dos Bancos venha a funcionar, já que foi criada regularmente e, por uma decisão extemporânea do Plenário, que foi acatada pela Mesa, foi extinta.

Inconformados, nós, do PSB, do PT, do PDT, do PMDB e também do PTB, batemos às portas do Pretório Excelso na certeza de que esse equívoco cometido pelo Legislativo será corrigido, com base na Constituição.

A primeira pergunta que se faz, Sr. Presidente, é a seguinte: Qual é o embasamento jurídico dos impetrantes para que o Supremo Tribunal Federal possa interferir numa decisão do Legislativo? O embasamento jurídico está na Constituição, está na nossa Carta Magna.

Em primeiro lugar, ao colocar em deliberação uma proposição inconstitucional apresentada pelo Líder do PFL, Senador Hugo Napoleão, a Mesa atingiu o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, que garante a permanência do ato jurídico perfeito, pois o requerimento que compunha a CPI fora apresentado com 1/3 das assinaturas exigidas e mais duas, com prazo determinado de 180 dias para o seu término; foi lido na Hora do Expediente da Casa, publicado, como manda o Regimento, e nenhum protesto houve nos 12 dias em que tramitou, inclusive tendo havido a indicação da maioria dos seus membros pelos diversos Partidos presentes no Senado Federal. Não só a indicação, como a instalação da CPI fez-se de forma regular.

Mas se houver alguma dúvida sobre este assunto, temos embasamento jurídico. Basta que consultemos o professor emérito de Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles, que foi Secretário de Estado do Governo de São Paulo em quatro ocasiões, apesar de não ser político, nas Pastas da Justiça, do Interior, da Educação e da Segurança Pública. Foi também parecerista emérito e advogado militante. Acima de qualquer dessas atividades, porém, seu nome ficou indelevelmente ligado ao Direito Público brasileiro, pela sua contribuição à evolução da matéria em obras hoje consagradas sobre Direito Administrativo, Direito Municipal, sobre o mandado de segurança e demais writs constitucionais, e sobre licitação e contrato administrativo.

É esse grande professor, que honrou o nosso Direito que diz, em sua obra intitulada Mandado de Segurança, edição atualizada, de 1996:

      "Só não se admite mandado de segurança contra atos meramente normativos (lei em tese), contra a coisa julgada e contra os interna corporis de órgãos colegiados. E as razões são óbvias para essas restrições: as leis e os decretos gerais, enquanto normas abstratas, são insuscetíveis de lesar direitos, salvo quando proibitivos; a coisa julgada só é invalidável por ação rescisória (CPC, art. 485, e STF, Súmula 268); e os interna corporis, se realmente o forem, não se sujeitam a correção judicial".

Em outro trecho deste mesmo livro, à página 32, ele fala sobre as deliberações legislativas, caso do arquivamento da nossa CPI.

      "Por deliberações legislativas atacáveis por mandado de segurança entendem-se as decisões do Plenário ou da Mesa ofensivas de direito individual ou coletivo de terceiros, dos membros da Corporação, das Comissões, ou da própria Mesa, no uso de suas atribuições e prerrogativas institucionais. As Câmaras Legislativas não estão dispensadas da observância da Constituição, da lei em geral e do Regimento Interno em especial. A tramitação e a forma dos atos do Legislativo são sempre vinculadas às normas legais que os regem; a discricionariedade ou soberania dos corpos legislativos só se apresenta na escolha do conteúdo da lei, nas opções da votação e nas questões interna corporis de sua organização representativa. Nestes atos, resoluções ou decretos legislativos caberá a segurança contra ofensivos de direito individual público ou privado do impetrante, como caberá também contra aprovação de lei, pela Câmara, ou sanção, pelo Executivo, com infringência do processo legislativo pertinente, tendo legitimidade para a impetração tanto o lesado pela aplicação da norma ilegalmente elaborada quanto o Parlamentar prejudicado no seu direito público subjetivo de votá-la regularmente".

Sr. Presidente, trata-se de um dos papas do Direito Administrativo brasileiro e especialmente do mandado de segurança, Hely Lopes Meirelles. Ele diz textualmente que as "deliberações do Legislativo podem ser corrigidas pelo Judiciário". No caso, quem é o Poder competente para anular uma decisão do Legislativo, uma decisão extemporânea quanto essa do sufocamento arbitrário de uma CPI organizada, regimentalmente correta? É o Supremo Tribunal Federal. Está no art. 102, I, d, da nossa Carta Magna, que o Supremo Tribunal Federal é competente para julgar o mandado de segurança contra ato praticado pela Mesa Diretora do Senado Federal e da Câmara dos Deputados.

E que ato foi esse, inquinado de ilegalidade, de inconstitucionalidade? O ato foi o de permitir que uma questão de ordem que lesava a nossa Constituição, que violava o nosso Regimento, fosse colocada em votação, justamente dispondo sobre matéria já vencida, com fato consumado, que feria de forma clara, insofismável e transparente aquilo que chamamos no Direito Constitucional de ato jurídico perfeito, porque ele se revestia de todos os requisitos necessários para a sua validade.

Não me demorarei muito na abordagem desse assunto, uma vez que esta é uma Casa política e não jurídica, e porque o que se decidiu aqui sobre o destino da CPI foi se o Governo Federal ainda merecia confiança desta Casa, ou não. Deu-se, podemos assim dizer, um perdão aos equívocos, às falhas, aos erros do Banco Central e do Governo Federal, quando, apesar das evidências que foram divulgadas por toda a imprensa nacional, o Banco Central injetou R$5,8 bilhões em um banco fantasma que maquiava balanços e montou uma carteira de empréstimos fictícios, depois de dar um rombo, que "não foi descoberto", durante 10 anos, de cerca de R$5 bilhões. 

Sr. Presidente, Srs. Senadores, apesar das dúvidas, das desconfianças que poderiam surgir por parte de qualquer governante, deu-se prioridade à resolução do Banco Nacional, mediante a qual os seus correntistas e investidores não tiveram nenhuma dor de cabeça. Aliás, eles não têm nenhuma culpa de encontrar um banco aberto, acreditar na viabilidade de suas finanças e fazerem suas aplicações. A culpa é do Banco Central, que não fiscalizou detidamente o Banco Nacional.

Deu-se prioridade ao Banco Nacional. O Banco Econômico quebrou primeiro, e até hoje muitos dos seus correntistas, muitos dos seus investidores foram ao suicídio, foram à quebradeira, foram à falência; os que restaram estão sem saber o que fazer a essa altura dos acontecimentos, porque o Governo Federal só se sensibilizou com a situação do Banco Nacional.

Perguntei ao Diretor de Fiscalização do Banco Central, quando esteve na Comissão de Assuntos Econômicos para um depoimento, por que se resolveu primeiramente a situação do Banco Nacional, e não do Banco Econômico. O Senador Pedro Simon ajudou-me na resposta: "Senador Valadares, é porque o Banco Nacional é Nacional e o Banco Econômico é da Bahia..."

O Banco Nacional naturalmente sensibilizou mais o Governo, talvez devido aos interesses que ali estavam. O Banco Central atendeu a possíveis pedidos - para mim, não fortes; mas para o Governo, fortes - familiares, que participavam da direção do Banco Nacional.

Sr. Presidente, antes de terminar este discurso, peço a V. Exª a transcrição desse trabalho que configura o mandado de segurança impetrado pelos dezessete Senadores, encabeçado pelo autor do requerimento para a criação da CPI, este orador que fala a V. Exªs.

Esse trabalho contou com a participação, que considero fundamental, do Partido dos Trabalhadores, mediante a atuação do jovem advogado Tales Chagas Machado, profissional talentoso, competente e inteligente, que honra a assessoria do Partido dos Trabalhadores. Houve também participação da assessoria do Partido Socialista Brasileiro, que, em nenhum momento, negou a sua contribuição para que pudéssemos, em última instância, tentar a anulação de um ato arbitrário que arquivou a CPI dos Bancos.

Incluímos, Sr. Presidente, entre as justificativas para que o pedido liminar fosse atendido, uma frase, que está às pág. 32, com a qual terminarei este discurso. Trata-se de uma frase de um integrante da Suprema Corte norte-americana, Louis D. Brandeis, que fala da clareza, da transparência com que os atos legislativos aparecem na sociedade para a investigação de escândalos no Poder Executivo:

      "A publicidade é exatamente recomendada como um remédio para os males sociais e industriais. A luz do sol, diz-se, é o melhor dos desinfetantes; a luz elétrica, o mais eficiente policial."

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/1996 - Página 5464