Discurso no Senado Federal

REPUDIO A DECISÃO, ONTEM, DO PLENARIO DO SENADO, DE ARQUIVAR A CPI DO SISTEMA FINANCEIRO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.:
  • REPUDIO A DECISÃO, ONTEM, DO PLENARIO DO SENADO, DE ARQUIVAR A CPI DO SISTEMA FINANCEIRO.
Aparteantes
Lauro Campos, Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 23/03/1996 - Página 4801
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
Indexação
  • OPINIÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, DECISÃO, PLENARIO, SENADO, NEGAÇÃO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCOS.
  • DEFESA, VANTAGENS, LEGALIDADE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • INFORMAÇÃO, APRESENTAÇÃO, RECURSO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ANALISE, AUSENCIA, JURIDICIDADE, MOTIVO, VETO (VET), SENADO, LOBBY, EXECUTIVO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), IRREGULARIDADE, FISCALIZAÇÃO, BANCO PARTICULAR.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem à tarde, tivemos uma decisão deste Plenário que, a meu ver, violentou a nossa Constituição, que atingiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito instituída na forma da lei, que obedeceu todos os trâmites legais. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito que, no mérito, tenho certeza absoluta, iria prestar um benefício enorme à nossa sociedade, principalmente com a regulamentação do sistema financeiro nacional. Seria uma das exigências da CPI: elaborar uma legislação que pudesse conter qualquer fraude contra o sistema, impor severas punições aos culpados e dar ao Estado, em situações como estas que escandalizaram o País, a força e as condições de que precisa para agir com celeridade.

Por que, então, derrubaram a CPI? Os argumentos que vieram a público são jurídicos, mas temos certeza de que serão derrubados no Supremo Tribunal Federal, porque a decisão de uma Casa como esta, composta de 81 Senadores eleitos pelo povo, não é jurídica: baseia-se na conveniência ou não de se fazer uma CPI.

Afinal, com a abertura da CPI, iríamos penetrar no mundo invisível do Banco Central; iríamos penetrar a fundo na caixa-preta do Banco Central, abri-la para a sociedade e mostrar as mazelas cometidas ao longo desses anos todos, subtraindo-se dinheiro importante da sociedade, que poderia ser utilizado, por exemplo, na reativação da nossa economia, que está quase parada; na montagem de um esquema financeiro de apoio à pequena e média indústria, ao comércio, à agricultura, que se encontram, neste instante, em situação vexatória no Brasil; na abertura de linhas de crédito para os setores produtivos da Nação.

Posso dizer que algo já foi feito pelo Governo, pelo menos abertura de inquérito contra alguns envolvidos nos escândalos financeiros. Mas, em compensação, existem ainda as ameaças de que novos escândalos podem surgir.

Aí, pergunto aos senhores: se surgir agora um escândalo parecido com o do Banco Econômico, como o do Banco Nacional, será que o Senado Federal cometerá outro ato de penalidade, perdoando o Governo? Porque a decisão de ontem foi uma decisão política. E se disseram: vamos dar um perdão ao Governo, lógico que não participei desse perdão. Votei contra essa dádiva política, assim como os Senadores Gilvam Borges, que está apontando para o coração, e Lauro Campos. Mas respeito a decisão, porque, afinal de contas, esta Casa é democrática. Respeito o resultado político, só que não vou na conversa fiada de que foi um resultado jurídico. Tanto que vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

Por que vamos recorrer? Porque os argumentos jurídicos são insustentáveis, são "cabeludos", como dizemos em Sergipe, não têm nenhuma procedência; é conversa para boi dormir.

O requerimento que propôs a CPI, sobre os objetivos, os fatos determinados que fundamentaram a sua criação, é tão claro como a luz do dia. Vejamos: "Criar uma comissão parlamentar de inquérito, obedecido o princípio da proporcionalidade partidária destinada, no prazo de 180 dias, a apurar: a responsabilidade civil ou criminal de agentes públicos ou privados."

Abro aqui um parêntese para explicar "responsabilidade civil ou criminal de agentes públicos ou privados". Quem são os agentes privados? Os banqueiros. Quem são os agentes públicos? Funcionários, elevados ou não do Banco Central. "Que por ação ou omissão possam ter causado prejuízos à União". Onde é que fica a União? A União fica no Brasil. "Em especial Banco Central do Brasil e cujos bancos tenham sido atingidos a partir do ano de 1995, por intervenção ou colocados em regime de administração especial."

Vamos abrir um novo parêntese. Quais foram os bancos atingidos em 1995 por intervenção ou colocados em regime de administração especial? Não estamos em Bangladesh, não estamos no Japão, estamos no Brasil; e os jornais foram mais do que claros nas suas manchetes, porque apontaram onde houve os escândalos. Não é preciso nem que a gente vá ao Banco Central para saber quem sofreu intervenção. Não é preciso, está na cara, todo mundo sabe! Se V. Exª, Senador Gilvam Borges, perguntar a uma criança, ao lavador de carro, se sabe de algum banco que cometeu alguma fraude, vai dizer: Ah! O Nacional, aquele do rombo do Nacional. Qualquer pessoa, qualquer criança sabe quem "arrombou com o sistema financeiro nacional".

O fato determinado é o seguinte: fiscalizar os bancos que sofreram intervenção em 95. Para que coisa mais clara do que isso? Agentes públicos ou privados, Banco Central, Presidente do Banco Central, será que é preciso dizermos os nomes? Será que é preciso sujar o requerimento e citar nominalmente Clarismundo Sant'anna e Ângelo Calmon de Sá? E ainda consta no requerimento:

      "...bem como investigar com profundidade a prática denunciada pela imprensa de atividades ilícitas relacionadas com empréstimos e balancetes fictícios".

Neste instante, porque o requerimento fala em fraudes denunciadas pela imprensa, pergunto a V. Exªs: algum jornal ou alguma revista publicou, por acaso, algo sobre balanços fictícios? Era obrigado constar no requerimento que a revista Veja noticiou em primeira página, na edição de 28 de fevereiro de 1996, "Crime no Banco Nacional - a história da fraude monstruosa para acobertar um rombo de R$4,6 bilhões"? Gostariam que eu colocasse isso no requerimento?!

Sr. Presidente, outro fato apontado, não só o fato determinado, já provei que o fato determinado existiu no requerimento, e mostrarei aos senhores que nenhum requerimento na história da CPI do Brasil foi mais elucidativo a respeito do fato determinado do que o nosso. Senão, vejamos.

Temos aqui, a partir de 1988, várias CPIs que foram instituídas pelo Senado.

Temos uma, de autoria do Senador Leite Chaves, que diz assim: "... requerem, nos termos do art. 58, § 3º da Constituição Federal, e ainda nos termos dos art. 168 e seguintes do Regimento Interno do Senado, a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apuração dos conflitos de terra ocorrentes no País".

Quantos conflitos de terra existiam em 1988 no Brasil? O requerimento não aponta nenhum. Diz: "conflitos de terra". Quer requerimento mais vago, mais genérico do que esse?

Temos outra. A comissão formada em 1989, composta de sete membros, de autoria do Senador Jarbas Passarinho: "...requerem a constituição, pelo Senado, de uma comissão parlamentar de inquérito para, no prazo de quatro meses, apurar as denúncias sobre a devastação da hiléia amazônica e a participação estrangeira nessas denúncias."

Qual o fato determinado nessa comissão? Nenhum.

A nossa é que é exata, precisa. E foi aprovada pelo Senado.

Em 1990, o Senador Maurício Corrêa apresentou um requerimento, que foi aprovado pelo Senado, para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito "destinada a examinar os critérios e as possíveis irregularidades e os efeitos sócio-econômicos da dispensa e colocação em disponibilidade de servidores, da extinção de cargos e empregos em repartições, autarquias e empresas, no âmbito da administração pública da União, direta, indireta e fundacional".

Meu Deus do céu! Uma comissão de inquérito, a mais genérica possível, foi aprovada pelo Senado.

Outro fato a destacar, Sr. Presidente, é que em nenhuma delas, de 1988 para cá, houve previsão de despesas para sua realização.

Na CPI dos Bancos, fomentaram a inexistência de fato determinado e ainda disseram que não houve previsão de despesa para sua realização, quando a Constituição não exige. Foi um verdadeiro casuísmo, Sr. Presidente. Se eu continuar, vou cansá-los. Nós temos, até 1996, as comissões parlamentares de inquérito que foram instituídas, inclusive no governo de Sarney. "Para apurar atos de corrupção"... Tem coisa mais genérica? Foi aprovada, funcionou, teve relatório final.

A CPI da Mineração, recentemente aprovada por este Senado Federal... Tem coisa mais vaga? Foi aprovada, está funcionando.

E assim por diante.

Como disse, para não me estender muito, vou parar por aqui e afirmar que, como Senador da República, eu me conformo com o resultado, porque esta é uma Casa política. Mas, como homem que estudou na faculdade de Direito, não posso me conformar com essa balela de fato determinado, quando o requerimento sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bancos foi o mais preciso, o mais exata, o mais explicitado, o que mais se deteve em fatos determinados, de 1988 para cá. E, no entanto, por pressões do Poder Executivo, ele foi derrubada no âmbito desta Casa.

O Sr. Lauro Campos - Permite V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Júlio Campos) - A Mesa adverte que só restam 3 minutos para a conclusão do pronunciamento de V. Exª e solicita que os apartes sejam breves.

O Sr. Lauro Campos - Eu gostaria de expressar meu apoio e minha admiração pelo pronunciamento de V. Exª e aduzir mais um argumento àqueles que V. Exª trouxe para mostrar que o argumento levantado pelos Senadores da situação não é um argumento jurídico e nem sequer sério. O que ocorre é que durante o andamento dos trabalhos da CPI vários bancos poderão vir a falir, serem beneficiados pelo Proer ou entrarem em regime de Raet. Vários Bancos poderão ter seus "clarismundos sant'anna" fabricando moeda escritural falsa. A CPI não pode, obviamente, na situação em que nos encontramos, em que 33 bancos já se encontram no vermelho - dos 50 analisados por uma empresa isenta apenas 9 foram considerados saudáveis - limitar, enumerar os bancos que vai examinar. Quantos "clarismundos" não poderão ser produzidos agora que se sabe que se pode fabricar dinheiro falso e ficar impune? Ontem foi suspensa a prisão domiciliar do Sr. Clarismundo Sant'anna. Ele já está na rua. Na situação em que se encontram os bancos, seus dirigentes vão recorrer a esse crime, porque sabem que permanecerão impunes. Assim, não é possível preestabelecer os limites de um exame sobre uma situação que se apodrece dia a dia.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lúdio Coelho - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Ouço V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Lúdio Coelho - Senador Antonio Carlos Valadares, permita-me discordar das afirmações de V. Exª ao dizer que a imprensa denunciou. A imprensa não denunciou. A imprensa noticiou o que o Banco Central apurou. Se o Banco Central está fazendo apurações de irregularidades que vinham acontecendo há cerca de 10 anos e agora está tomando todas as providências, o Senado, pela sua maioria, considerou que os inspetores do Banco Central tinham condições de apurar as irregularidades na rede bancária brasileira, não havendo necessidade de uma comissão parlamentar de inquérito. O que está acontecendo é que os senhores estão querendo impor uma ditadura das minorias, desrespeitando a vontade da maioria do Senado Federal, que considerou desnecessária a abertura de uma nova comissão parlamentar de inquérito. Os inspetores do Banco Central estão fazendo as apurações necessárias para encontrar as irregularidades ocorridas na rede bancária brasileira. Muito obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Senador Lúdio Coelho, lamento ter que discordar do seu pronunciamento, tendo em vista que as denúncias que vieram a público através dos jornais, a meu ver, foram feitas de modo tardio. Há 10 anos que o Banco Nacional, por exemplo, vinha cometendo fraudes horrorosas contra o sistema financeiro. Maquiou balanços, instalou uma carteira de empréstimos fictícia com devedores fantasmas. Enfim, era um banco que, na prática, não existia, era um banco fantasma. Durante 10 anos. E só agora isso veio a público, Senador Lúdio Coelho, e de uma forma desprimorosa para o Governo, uma vez que desde outubro ele tinha conhecimento dessas fraudes.

Ao invés de tomar medidas enérgicas, com relação aos banqueiros e ao próprio Banco Nacional, interveio no banco e resolveu seu problema, incorporando-o ao Unibanco. Mesmo tendo conhecimento de que houve uma sangria, nesses 10 anos, de R$5 bilhões, ainda injetou, por cima dessa negociação, R$5,8 bilhões.

O Sr. Lúdio Coelho - Permite-me V. Exª mais um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Um momento.

Ora, Senador Lúdio Coelho, tenha a paciência! O Banco Central não é nenhuma criança para passar 10 anos fazendo ouvidos de mercador, acobertando irregularidades. Só depois que a imprensa noticiou o fato e uma CPI foi criada é que as providências começaram realmente a ser tomadas.

Sr. Presidente, eu também gostaria de responder que a ditadura, se houve nesta Casa, não foi da minoria, porque fomos massacrados, tanto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania como pelo Plenário, por imposição do Governo, que transformou o Senado Federal num mero penduricalho do Poder Executivo. Conseguiu desmoralizar o Senado Federal, transformando esta Casa em componentes crianças - e nós não somos crianças, Sr. Presidente.

Por este motivo, com base no ato jurídico perfeito, segundo o inciso XXXVI do Art. 5º da Constituição Federal, que prevê esse direito da cidadania, entraremos, na próxima semana, com uma ação perante o Supremo Tribunal Federal, que pode ser assinada por qualquer um dos signatários do requerimento que se considerar prejudicado, como eu me considero, nesta ação política do Governo Federal que avançou sobre os poderes desta Casa.

Sr. Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/03/1996 - Página 4801