Pronunciamento de Roberto Requião em 08/04/1996
Discurso no Senado Federal
COMENTARIOS A EDITORIAL PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE ONTEM, SOBRE A ABSURDA LEI DE PATENTES, EM APRECIAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
- COMENTARIOS A EDITORIAL PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE ONTEM, SOBRE A ABSURDA LEI DE PATENTES, EM APRECIAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/04/1996 - Página 5907
- Assunto
- Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
- Indexação
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- LEITURA, COMENTARIO, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, PATENTE DE INVENÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, APROVAÇÃO, SENADO, APRECIAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
- PROTESTO, PROJETO DE LEI, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, OBEDIENCIA, LOBBY, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Para uma breve comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os jornalões acordaram. Pelo menos um deles despertou de repente, não mais que de repente, como diria Guimarães Rosa, para a aberração patente e publica um enérgico editorial, que eu me permito ler para trazê-lo ao conhecimento do Senado. Trata-se de opinião do Jornal Folha de S.Paulo, edição de domingo, 7 de abril de 1996:
Sob pressão do Executivo, o Congresso Nacional poderá aprovar uma lei de patentes leonina, que vai muito além das exigências de organismos internacionais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio).
Certamente não interessa ao Brasil ficar à margem dos padrões de convivência econômica mundial. E é desejável que o País defina critérios de proteção intelectual mais amplos, em alguns aspectos. Mas o substitutivo do Senador Fernando Bezerra (PMDB-RN) sobre a lei de patentes, que aguarda apenas a votação na Câmara, ultrapassa em muito o que se poderia considerar uma postura não nacionalista e de bom senso.
Contrariando conceitos universalmente aceitos e aplicados em praticamente todo o mundo, a patente passará a ser, no Brasil, o direito de impedir a produção e até mesmo a importação de certos produtos.
A lei fere, assim, o conceito internacionalmente consagrado da "licença compulsória", pela qual o detentor da patente tem a obrigação de produzir em dado prazo, de um ano, por exemplo, ou, no mínimo, de demonstrar diligências nesse sentido.
Os critérios para tanto são óbvios: o interesse de qualquer nação em conceder patentes está não apenas no avanço de sua ciência e indústria, como na melhoria dos bens e serviços oferecidos à população.
O substitutivo do Senador Bezerra, porém, não só desobriga o detentor da patente de produzir no país como ainda lhe concede o monopólio da eventual importação do produto. Com a aprovação dessa vergonhosa reserva de mercado - vergonhoso mesmo, Sr. Presidente, foi também o silêncio da grande imprensa a respeito disso até agora -, grandes laboratórios poderão impor ao consumidor brasileiro o uso de produtos mais caros ou obsoletos, sem temor da concorrência nem a necessidade de novos investimentos no Brasil.
O projeto incorpora, ademais, um mecanismo retroativo, o pipeline, defendido apenas pelos EUA e rejeitado pela OMC - Organização Mundial do Comércio. Poderão ser patenteados aqui produtos que, no mundo, foram patenteados até cinco anos antes da aprovação da lei brasileira. A Argentina, cujo alinhamento diplomático aos EUA é conhecido, não só rejeitou a retroatividade como fixou um prazo de oito anos para que sua lei de patentes entre em vigor.
Como se não bastassem essas aberrações, o substitutivo avança no campo temerário do patenteamento de seres vivos. Ainda não se conhecem, em todo o mundo, as implicações das patentes na área de biotecnologia. Trata-se da possibilidade de que laboratórios ou corporações sejam "donos" de dada espécie ou raça.
Não são infundados os temores que isso provoca. Há um mês cientistas da Escócia anunciaram o sucesso da clonagem de ovelhas. Milhares de seres idênticos podem ser produzidos. Em 1993 a Secretaria de Comércio dos EUA chegou a preparar petição de patente sobre a seqüência genética de uma mulher indígena do Panamá, recuando após protestos.
Por fim e como agravante, as sanções unilaterais dos EUA para pressionar por esses itens da lei de patentes são condenadas pelo direito internacional. Em vez de acionar persistentemente a OMC contra tal abuso, o Governo brasileiro cedeu, aceitando o papel de infrator que cabia aos EUA.
Não foi apenas o Governo brasileiro que cedeu, Sr. Presidente; foi o Senado da República que capitulou, sancionando uma das mais absurdas e impatrióticas leis que já se gerou no mundo moderno, estabelecendo uma condição imperial e submetendo tecnológica e cientificamente o Brasil para os próximos anos e décadas ou próximo século.
E este Senado, suportado pela maioria do Governo, sequer examinou uma das emendas que apresentei, que consagrava o princípio da reciprocidade da Convenção de Genebra, ou seja, a lei brasileira só acataria patentes de países que tivessem uma lei com as mesmas concessões que fazíamos naquele momento. Nem isso foi considerado.
Ao ritmo da descrição inteligente do Governador Tasso Jereissati, o Congresso Nacional se encaminha para aprovar mais essa barbaridade.
No Senado, o capítulo já está encerrado. Resta a Câmara, porque do Executivo nada a esperar. É o Executivo das reformas concessivas, é o Executivo que tem medo de ser brasileiro, que não tem coragem de assumir a nacionalidade e que pratica cotidianamente a política da globalização.
Aprendi, Sr. Presidente, nos bancos do grupo escolar que me alfabetizou, que isso se chama entreguismo em português.
Muito obrigado, Sr. Presidente.