Discurso no Senado Federal

NEGLIGENCIA DO BANCO CENTRAL NA SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E DAS ADMINISTRADORAS DE CONSORCIO.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • NEGLIGENCIA DO BANCO CENTRAL NA SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E DAS ADMINISTRADORAS DE CONSORCIO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1996 - Página 5918
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CRISE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, OPINIÃO PUBLICA.
  • CRITICA, DIFUSÃO, SISTEMA, CAPITALIZAÇÃO, SEGUROS, SEMELHANÇA, LOTERIA FEDERAL INSTANTANEA, PREJUIZO, POVO.
  • CRITICA, INTERVENÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), CONSORCIO, PREJUIZO, CIDADÃO, FALTA, VONTADE, NATUREZA POLITICA, CONGRESSO NACIONAL, REVISÃO, LEGISLAÇÃO, NECESSIDADE, EXTENSÃO, AUXILIO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, neste momento de grande expectativa, de perplexidade e de crise por que passa o Sistema Financeiro Nacional, o calcanhar-de-aquiles do Governo Fernando Henrique Cardoso, temos de reconhecer, sem a menor dúvida, estar o Banco Central resvalando para o descrédito perante a opinião pública. O que temos visto é uma crise com reflexos graves para os que trabalham e produzem.

A nossa esperança é a de que essa crise por que passa o Sistema Financeiro possibilite o real saneamento do Sistema e o posterior progresso da Nação.

Nova denúncia sobre fraudes em balanços, semelhantes às ocorridas no Banco Nacional, foi feita, em entrevista aos principais jornais do País, pelo próprio Chefe Adjunto da Procuradoria-Geral do Banco Central. Como sempre, essa denúncia foi contestada pela instituição bancária, negando a existência de qualquer irregularidade. Há o temor de que outras instituições possam ter cometido o mesmo tipo de crime. Afinal já são, pelo menos, dezoito bancos que estão recorrendo diariamente à linha de redesconto do Banco Central por não estarem conseguindo fechar o caixa no fim do dia.

Entretanto, Sr. Presidente, é preciso que se faça uma análise mais profunda não somente do Sistema Financeiro, mas de todo o sistema de captação antecipada de poupança popular. As forma de "capitalização", de "seguros" e outras que, ao lado das denominadas "raspadinhas" grassam no território nacional, transformam nossa Pátria num gigantesco cassino, num desrespeito frontal à Lei das Contravenções Penais. Descapitalizam-se impunemente os incautos trabalhadores e desvirtuam-se do Programa Social a que se propõe o Presidente da República.

Esta Casa não deve ficar omissa. Pelo contrário, temos o dever de informar à Nação brasileira sobre a nova realidade do mercado financeiro. O Banco Central, segundo ficou patente da atual crise do Sistema Financeiro, tem se mostrado uma instituição despreparada, pelo menos, nos moldes como vem se conduzindo com relação à fiscalização das instituições sob o seu comando. O povo está estarrecido diante da lacuna legislativa, do emaranhado de normas jurídicas, do vaivém dos atos normativos e da turbulência que enchafurdou o mercado financeiro neste País. É preciso que se faça uma cruzada pela moralidade dos sistemas de captação antecipada de poupança popular, zelando pela sua legalidade e pela sua transparência.

Nesta hora crucial por que passa o País, há outro segmento que também está sem rumo. Trata-se, Sr. Presidente, do setor de consórcios. Segundo declaração do Presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, em depoimento nesta Casa, desde 1991, cerca de 70 intervenções administrativas foram executadas nos consórcios. Orgulha-se Gustavo Loyola daquelas medidas tomadas pelo Banco Central que a seu ver foram saneadoras. Temos nossas dúvidas, Sr. Presidente. Parece, à primeira vista, tratar-se de medida saudável, irrepreensível. De fato, apenas parece sê-lo, isto porque os prejuízos causados aos consorciados não contemplados daquelas empresas sob intervenção são irreparáveis, incalculáveis e até dramáticos.

Quantas centenas de milhares de chefes-de-família perderam suas economias, provocadas pela irreverente arrogância dos tecnocratas do Banco Central em liquidar esse importante segmento econômico! Urge, Sr. Presidente, que seja revertida essa anormalidade e proposta uma reformulação total na legislação que regula o sistema de consórcios.

Nos últimos dez anos, cerca de 15 projetos de lei foram apresentados no Congresso Nacional, sendo o último um substitutivo da lavra do ex-senador Dario Pereira. Mas infelizmente todos foram arquivados, numa demonstração inequívoca de que não há vontade política para se ver solucionada, em definitivo, essa problemática de relevante interesse para o País. O povo espera, confia e anseia, ainda que tardiamente, que sejam revistas as normas consorciais vigentes, desde a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, regulamentada pelo Decreto nº 7.951, de 9 de agosto de 1972. Centenas de modificações foram baixadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central, porque, de fato, as normas que aí estão, embora pareçam salutares, causam perplexidade. As liquidações extrajudiciais, ou intervenções administrativas em administradoras de consórcio são providências antiéticas, draconianas e até desumanas. Sabe-se, Sr. Presidente, que muitas daquelas sociedades administradoras tinham um ativo ou patrimônio superior ao passivo e poderiam cobrir quaisquer danos financeiros aos consumidores consorciados.

      O Professor Mário Henrique Simonsen diz:

      A Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974 precisa ser mudada radicalmente... A intervenção deveria ser uma maneira de sanear as instituições financeiras. Mas a história mostra que as intervenções funcionam como porta de entrada para as liquidações extrajudiciais. E o outro aspecto: é preciso criar uma figura que dê agilidade ao Banco Central, obrigando as instituições financeiras a tomarem medidas preventivas antes de entrarem em insolvência.

O Banco Central, Sr. Presidente, tem afirmado não ter funcionário para fiscalizar o Sistema Financeiro e nem para acompanhar as operações bancárias. Entretanto, pode designar um batalhão de funcionários, na maioria aposentados, com a remuneração atribuída pela própria instituição, sem que haja normas que limitem valores e prazos, para promoverem a liquidação extrajudicial nas sociedades administradoras de consórcios.

Quais são as perspectivas dos consorciados não contemplados virem a receber os pagamentos efetuados? Qual o socorro financeiro, via Proer, prestado pelo Banco Central àquelas instituições, equiparadas que são, pelo art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 7.492/86? Qual o critério adotado pelo Banco Central para tal discriminação, já que vem socorrendo, com somas astronômicas as instituições bancárias, sob a alegação de que, em assim procedendo está evitando graves prejuízos aos correntistas? E os consorciados não contemplados das empresas administradoras sob intervenção, às centenas de milhares, não deveriam ter os mesmos privilégios? Afinal de contas aquelas empresas administradoras não estão sob a égide de uma autorização do Poder Público? Claro que estão!

Nem mesmo a Lei de Falências tem dado tratamento tão arbitrário ao comerciante ou industrial cuja empresa tenha sofrido processo falimentar. Em sua defesa requer o que for de seus interesses, fiscaliza a administração da falência, tem o direito de intervir no processo falimentar, ativa e passivamente. O Poder Público não tem compreendido o real papel do instituto da falência, aplicável ao sistema de consórcios, em sua exegese mais pura e exata.

Diante de tal fato, a Administração Pública e o Poder Judiciário devem sempre questionar-se sobre as conseqüências, a conveniência, a oportunidade e a adoção da apenação atribuída à empresa organizadora do consórcio. Nesse caso, a forma como está disciplinada, a penalidade prevista na legislação vigente é administrativamente impraticável e contrária ao Direito. Foi esse o entendimento da Drª Adriana Pileggi de Soveral, juíza da 8ª Vara Federal de São Paulo, acatando medida judicial no sentido de suspender, "por inconstitucionalidade", a liquidação extrajudicial, pelo Banco Central, de duas sociedades administradoras de consórcios.

      "Houve - ressalta a douta decisão judicial - violação do direito de propriedade, de liberdade e de um julgamento justo perante o Poder Judiciário, e não permitiu qualquer possibilidade de defesa por parte dos administradores das empresas sob liquidação extrajudicial.

Outra decisão judicial no mesmo sentido foi prolatada pela Drª Maria de Fátima de Paula Pessoa Costa, da 12ª Vara da Justiça Federal, nesta Capital. Essa medida judicial foi movida simplesmente pelo fato de o Banco Central ter manifestado a intenção de intervir na empresa administradora, em conseqüência de acordo firmado entre o consórcio e seus consorciados. Esse acordo previa o pagamento pelos consorciados de uma prestação que teria sido dispensada no início da formação do grupo, para tentar solucionar dificuldades financeiras da empresa e garantir a contemplação de todos os consorciados. O Banco Central entendeu que, como a prestação tinha sido dispensada pela empresa a título de estímulo para realizar, o quanto antes, a primeira assembléia do grupo, a empresa não poderia cobrar no meio do contrato a citada prestação, a pretexto de salvar o consórcio dos problemas financeiros enfrentados pela empresa.

Por que o Banco Central não aplicou outra forma de penalidade, tal qual a prevista pela própria Lei nº 6.024/74?

Dispõe a lei:

      A intervenção cessará:

      a) se os interessados, apresentando as necessárias condições de garantia, julgadas a critério do Banco Central do Brasil, tomarem a si o prosseguimento das atividades econômicas da empresa.

Não estaria, Sr. Presidente, o Banco Central incurso nas penalidades previstas no art. 37, § 6º, da Constituição Federal? Peço permissão, Sr. Presidente, para ler desta tribuna, não obstante conhecido de todos nós, o referido texto constitucional:

      As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O Banco Central, Sr. Presidente, perdeu a capacidade de fiscalização do sistema bancário e mais ainda de supervisionar e fiscalizar mais de 500 empresas-administradoras de consórcios. Por mais de uma vez o Banco Central tem sido acusado de negligente por retardar ou deixar de praticar os atos que lhe são pertinentes, não cumprindo seu papel de coordenador e fiscalizador dos sistemas financeiro e de consórcios.

É imprescindível e inadiável, pela sua urgência e relevância, aprimorar o processo consorcial, genuinamente brasileiro, fazendo-se prevalecer os princípios de liberdade, igualdade, desenvolvimento e, sobretudo, de justiça social, para levá-lo aos países integrantes do Mercosul e outros da América Latina.

A sabedoria oriental ensina que "para uma caminhada de muitas léguas é preciso dar o primeiro passo." O Brasil tem cerca de 10 milhões de pessoas envolvidas diretamente na sistemática consorcial vigente e, dentre estas, a maioria composta de pessoas humildes que não podem ser ludibriadas em seus sonhos de adquirirem bens como um fogão, uma geladeira, uma enceradeira etc.

Sr. Presidente, enquanto o Governo estuda medidas para minimizar o crescente número de desempregados no País, pretendendo estimular os setores que têm maior capacidade de criação de emprego, o Banco Central fecha as portas de administradoras de consórcio, aumentando dessa forma o caos social já existente. Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não deve a fiscalização desse segmento econômico continuar sob o frágil comando do Banco Central. É preciso que haja alguma alteração.

Com as freqüentes interrupções do sistema, ocorridas em 1986, 1989, 1990, 1992, 1994 e 1995, houve um desestímulo generalizado da classe empresarial por essa atividade mercadológica. Nunca é tarde para lembrar, nobres colegas, que esse segmento econômico, que já alcançou 10% do PIB brasileiro, que superou cinco milhões de participantes, que já foi o responsável pelo escoamento de 60% da produção nacional, que gera impostos nas três áreas do Governo e cria empregos, poderá ocupar mão-de-obra especializada em torno de 100 mil pessoas, sem quaisquer encargos financeiros, auxílio ou subvenção governamental.

Até hoje, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o sistema de consórcio está envolto num enigma nebuloso. Até hoje não é permitida a formação de grupos em prazos inferiores a 50 meses. Até hoje não há permissão para serem efetuados lances livres, a mola mestra do sistema. Até hoje, não se tem notícia dos resultados alcançados nas intervenções do Banco Central. Até hoje não se tem notícia de quantos milhares de consorciados não contemplados sofreram prejuízos com as famigeradas intervenções.

Ora, Sr. Presidente, toda essa aflição, toda essa desesperança, toda essa angústia e insegurança do povo brasileiro ainda podem transformar-se em esperança e alegria, no momento em que os homens públicos que comandam as nossas instituições provem à Nação brasileira que são guardiões da Constituição, particularmente no que tange ao capítulo da administração pública, de obedecer os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Essa era a preocupação que queríamos trazer à Casa, diante do assunto que divide a Nação, que é a questão dos bancos, um problema sério que todos estamos acompanhando.

Até a imprensa começa agora, na Semana Santa, a relatar a preocupação de todos nós - não sei se com a Ressurreição de Cristo - de também resolver o problema do Banco Econômico junto ao Banco Excel, através da destinação de R$200 milhões do Proer. Agora o Banco Central quer que o Senado venha a convalidar, a chancelar, servindo de parceiro nessa decisão. Mas para repassar 5 bilhões de reais e tantos ao Banco Nacional o Senado não foi ouvido. Alguma coisa não vai bem no reino da Dinamarca. E é até estranho, Sr. Presidente. Não está certo isso. Fico me questionando e não dá para dormir direito.

Enquanto prevalece essa indolência generalizada em relação aos bancos, milhares e milhares de pessoas que têm consórcio no Brasil permanecem inseguras. E essas administradoras têm o respaldo público para buscarem a poupança das pessoas, muitas vezes humildes, que guardam um pouquinho de dinheiro para comprar isso ou aquilo, um eletrodoméstico ou alguma coisa que precisam para seu lar e vivem agora numa constante insegurança.

Isso não é possível, Sr. Presidente e nobres colegas. Precisamos dar mais tranqüilidade e paz para quem economiza um pouco na tentativa de formar uma poupança e, assim, ajudar no desenvolvimento, na geração de mercadorias, de riquezas, de empregos. E com isso o Governo ganha nas três esferas, na incidência nos impostos que acaba tendo na geração de todas essas mercadorias e negócios.

Por isso, essa é a preocupação que trago à Casa com relação aos consórcios que existem no Brasil, que sofrem também uma insegurança generalizada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1996 - Página 5918