Discurso no Senado Federal

ANALISE SOBRE A ILEGALIDADE DO PROJETO SIVAM.

Autor
Josaphat Marinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Josaphat Ramos Marinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).:
  • ANALISE SOBRE A ILEGALIDADE DO PROJETO SIVAM.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Gilberto Miranda, Osmar Dias, Pedro Simon, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/1996 - Página 6059
Assunto
Outros > SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM).
Indexação
  • ANALISE, ILEGALIDADE, SISTEMA DE VIGILANCIA DA AMAZONIA (SIVAM), AUSENCIA, LICITAÇÃO, CONCORRENCIA, FORNECIMENTO, EQUIPAMENTOS, PROJETO.

O SR. JOSAPHAT MARINHO (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as limitações e a rigidez das normas regimentais do Senado quanto ao tempo destinado à discussão de projetos, obrigam-me a antecipar as considerações que julgo cabíveis sobre o Projeto Sipam-Sivam. Não o faço no propósito de precedência do debate, que seria estultice. Faço-o pela necessidade de dispor de tempo para uma apreciação abrangente, quanto possível, dos aspectos essenciais do projeto, permitindo o diálogo democrático, inclusive perante as comissões conjuntas, a quem retorno a matéria com as emendas de Plenário.

Reservo o exame de conteúdo tecnológico do projeto aos especialistas nesse domínio. Essa tarefa é precípua da empresa brasileira que for designada para as funções de acompanhamento e integração do sistema planejado. Não analisarei os depoimentos prestados nas comissões conjuntas, os quais, substancialmente, buscaram justificar ou condenar o projeto. Sem desmerecê-los, porém para evitar a alegação de parcialidade, não trarei a confronto artigos e comentários que foram publicados na imprensa, nem os discursos proferidos nesta Casa. Prefiro deter-me na leitura e na comparação dos textos oficiais, no propósito de extrair deles conseqüências lógicas, de interesse público.

Como "o direito é uma continuação da política por outros caminhos", na penetrante observação do Prof. Prosper Weil, dentro dessa visão larga e flexivelmente delimitada, tentarei analisar o projeto em discussão.

A Mensagem e seus complementos

Por Mensagem de nº 858/95, identificada na Casa sob nº 284/95, o Presidente da República, invocando o inciso V do art. 52 da Constituição Federal, solicita

      "a adequação das Resoluções nºs 91, 93, 95, 96 e 97, datadas de 27 de dezembro de 1994, às condições hoje vigentes, para permitir a implementação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Projeto Sivam), para o qual foram aprovados neste Senado da República os financiamentos necessários, conforme parecer do seu ilustre Relator, Senador Gilberto Miranda".

Em seguida, esclarecendo a razão do pedido, informa

      "que a empresa ESCA - Engenharia de Sistemas de Controle e Automação S. A., que fora selecionada para prestar o serviço de integração do sistema, não tendo apresentado, em tempo hábil, a documentação necessária para habilitá-la a assinar o Contrato Comercial, foi afastada do processo. Dessa forma, o Governo estabeleceu o prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da assinatura do Contrato Comercial com a empresa norte-americana RAYTHEON COMPANY, ocorrida no dia 27 de maio de 1995, a fim de determinar a execução de uma solução definitiva para a matéria".

Em conseqüência, evidentemente, desse fato, o Chefe do Poder Executivo pede

      "curso à presente mensagem, com a finalidade de adequar o texto das Resoluções mencionadas à realidade atual, de sorte que, em sua nova redação, sejam concedidas ao Governo, por intermédio da Comissão para Coordenação do Projeto SIVAM (CCSIVAM) todas as condições para realizar as tarefas anteriormente cometidas à ESCA, garantindo-lhe a destinação, no Contrato Comercial, dos recursos disponíveis nos Contratos de Financiamento, conforme detalhado na Exposição de Motivos Conjunta que me foi encaminhada por S. Exªs, os Srs. Ministro da Aeronáutica e Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República".

A Exposição de Motivos Conjunta, a que alude a mensagem, elucida que

      "a ESCA foi acusada de envolver-se em fraude previdenciária, e não havendo apresentado em tempo hábil a documentação necessária para habilitar-se a assinar Contrato Comercial com o Governo, foi afastada do processo de implantação do projeto SIVAM. Restou, assim, apenas a empresa norte-americana RAYTHEON COMPANY, com a qual foi assinado contrato comercial, em 27 de maio de 1995."

Assevera mais a Exposição Conjunta que

      "O Governo, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, a contar da data da assinatura desse instrumento, indicará empresa brasileira para executar as tarefas de integração ou assumirá tais atividades, com absorção do pessoal técnico daquela empresa."

Nela vem acentuado, também, que

      "O acatamento às observações expedidas pelo Senado Federal quanto à participação da empresa brasileira no processo de contratação, como consubstanciadas nas Resoluções, está integralmente acolhido no Contrato Comercial, o qual preserva tal participação e mantém no domínio nacional o acervo de conhecimentos técnicos e dados estratégicos contidos no Projeto."

Realça, adiante, a Exposição:

      "É condição, sine qua non, para a entrada em vigor desse Contrato Comercial a assinatura dos contratos de financiamento, para o que se faz necessário adequar as Resoluções do Senado à realidade atual, uma vez que a empresa ESCA, pelas razões mencionadas, não mais possui as qualificações legais para continuar como a empresa integradora do sistema."

Determinadamente, acentua o documento ministerial:

      "Essa conformação não implicará modificação nas regras estabelecidas pelas Resoluções, tampouco nas regras e condições de financiamento, as quais foram analisadas pelo Ministério da Fazenda, bem antes da aprovação do Senado Federal."

E ressaltam os Ministros:

      "Resumem-se as alterações ora propostas ao seguinte:

      a - retificar o valor total do financiamento para US$1.395.000.000,00 (um bilhão trezentos e noventa e cinco milhões de dólares norte-americanos), ao invés de US$1.395.100.000,00 (um bilhão trezentos e noventa e cinco milhões e cem mil dólares norte-americanos), de modo a atender ao montante global do financiamento concedido;

      b - garantir, no Contrato Comercial, um montante no valor de US$360.000.000,00 (trezentos e sessenta milhões de dólares norte-americanos) do total financiado, a serem aplicados pela Comissão para Coordenação do Projeto SIVAM (CCSIVAM) da seguinte forma:

      b.1 - US$80.000.000,00 (oitenta milhões de dólares norte-americanos), relativos aos serviços de integração;

      b.2 - US$170.000.000,00 (cento e setenta milhões de dólares norte-americanos) relativos aos serviços, equipamentos e fornecimentos complementares essenciais à implantação do SIVAM;

e

      b.3 - US$110.000.000,00 (cento e dez milhões de dólares norte-americanos) relativos às obras civis do SIVAM.

      c - atribuir à RAYTHEON COMPANY e suas subcontratadas, no Contrato Comercial, o valor de US$1.035.000.000,00 (um bilhão e trinta e cinco milhões de dólares norte-americanos) do total financiado, relativos aos fornecimentos de bens e serviços;

      d - revisar editorialmente a redação dos Contratos de Financiamentos, introduzindo as correções de natureza administrativa que se fizerem necessárias para adequação ao Contrato Comercial, excluindo dos textos as referências à empresa ESCA S.A. e ao Consórcio RAYTHEON COMPANY/ESCA S.A."

Por fim, noticia a Exposição

      que o Contrato Comercial, assinado com a RAYTHEON COMPANY, será novado em função da aprovação, pelo Senado Federal, das Resoluções que viabilizam os contratos de financiamento, porquanto a essa deliberação subordina-se a validade daquele diploma contratual".

Como dado complementar, Srs. Senadores, sobreveio a carta do Presidente da República ao Presidente do Senado, datada de 5 de fevereiro, que, além de renovar o objetivo da Mensagem e a expectativa de sua aceitação, salienta que:

      a) "a decisão relativa ao projeto SIPAM-SIVAM foi tomada no Governo anterior dentro das normas legais e com o propósito de dotar a região amazônica de um instrumento moderno de controle não apenas do espaço aéreo, mas do contrabando, de informações ambientais, climáticas, etc." - ou seja, "para assegurar o controle soberano daquela importante porção do território e para criar condições de desenvolvimento sustentável que possam beneficiar as populações amazônicas";

      b) "as condições de financiamento implicaram a reabertura de créditos do Eximbank para o Brasil, fechados desde 1988, e a concessão de um prazo de carência de oito anos, taxa fixa de juros e prazo de amortização de dezoito anos. Estas características do empréstimo pesaram na seleção da empresa vencedora";

      c) "diante das "críticas" supervenientes à aprovação inicial da matéria, tomou "uma única resolução: retirar do consórcio a firma nacional ESCA e fazer com que a Aeronáutica absorvesse os técnicos daquela empresa para conservar em seu poder os conhecimentos necessários para o acompanhamento adequado da implantação do projeto SIVAM pela RAYTHEON e para a posterior execução do projeto";

      d) "passados seis meses de intensos debates, não me foi trazida à consideração qualquer razão fundamentada para que o contrato fosse quebrado e a seleção refeita. Não hesitei em retirar a ESCA do projeto porque havia flagrantes irregularidades na empresa. Não hesitarei em proceder à denúncia do contrato, se algo efetivo que o invalide for trazido à minha consideração";

      e) "as ações administrativas para dar curso ao Projeto SIVAM foram tomadas depois da autorização do Senado".

A essas considerações, adita o Presidente a observação de que "ficaria muito mal para o Brasil se o Governo viesse a quebrar decisões anteriores sem motivação sólida, com o abalo de nossa credibilidade internacional".

É oportuno recordar, no entanto, que, consoante nota oficial de 06.12.95, ouvido o Conselho de Defesa Nacional, que apenas "reafirmou a importância e a urgência para o Brasil do SIPAM/SIVAM", o "Presidente da República resolveu aguardar o pronunciamento do Senado sobre a mensagem que lhe foi enviada". É só.

Assim exposto o pensamento do Poder Executivo, tanto quanto possível na sua literalidade, dele se depreende, fundamentalmente, que:

      1º) o Projeto SIPAM-SIVAM é considerado relevante para o País, do ponto de vista técnico e estratégico, assim como do ângulo sócio-econômico;

      2º) a RAYTHEON e a ESCA foram escolhidas sem licitação, tendo o Presidente da República expedido, para tanto, o decreto nº 892, de 12 de agosto de 1993, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;

      3º) a ESCA foi "afastada" por "fraude previdenciária" e outras irregularidades, ou seja, por inidoneidade;

      4º) o afastamento da ESCA acarreta a necessidade de substituição da "empresa integradora", referindo-se a Mensagem às respectivas "condições", "conforme detalhado na Exposição de Motivos Conjunta". Essa Exposição declara que o Governo "indicará empresa brasileira para executar as tarefas de integração ou assumirá tais atividades, com absorção do pessoal técnico daquela empresa" - a ESCA;

      5º) "o acatamento às observações expedidas pelo Senado Federal quanto à participação da empresa brasileira no processo de contratação, como consubstanciadas nas Resoluções, está, integralmente, acolhido no Contrato Comercial". Daí asseverar, ainda, a Exposição Conjunta;

      6º) a "conformação não implicará modificação nas regras estabelecidas pelas Resoluções, tampouco nas regras e condições de financiamento";

      7º) afora a substituição da ESCA, "as alterações ora propostas", como diz a Exposição Conjunta - que integra a mensagem presidencial -, são as nela especificadas no item 4, concernentes a valores, uns do contrato comercial, outros de serviços.

Diante dessas resultantes da palavra oficial, Srs. Representantes, o que primeiro merece relevo é a argüida importância técnica e estratégica e sócio-econômica do projeto. A esse respeito, isto é, quanto à inspiração e à finalidade do SIPAM-SIVAM, não nos parece que haja dúvida ponderosa. A dimensão da Região Amazônica e o que nela se encerra, no solo como no subsolo, justificam as medidas destinadas a protegê-la e às suas riquezas, assim se preservando o domínio nacional em toda a área e a sorte da população que ali reside e trabalha.

Quando o Presidente da República salienta, em sua carta, o propósito de "assegurar o controle soberano daquela importante porção do território nacional", reconhece, em verdade, que a política de globalização não pode ignorar ou desprezar valores e interesses do País, evidentemente superiores à idéia de internacionalização.

Esse intuito preeminente de defesa da soberania nacional e dos direitos do povo amazônico ao desenvolvimento e à conseqüente felicidade coletiva conferem, em princípio, legitimidade e relevo ao projeto.

Mas a legitimidade e o relevo do projeto não se confundem com o processo de articulá-lo e de executá-lo. Singularmente, a importância e o custo do projeto requerem procedimentos límpidos para levá-lo a cabo.

Ora, Senadoras e Senadores, as críticas, suspeitas e objeções, como os vícios que estão recaindo sobre o projeto, emanam, essencialmente, da falta de licitação para escolha das empresas a que caberá a tarefa de fornecer equipamentos e de executar ou fiscalizar os serviços programados, e que o tornem realidade.

O afastamento da ESCA, por inidoneidade, é prova irrefutável dessa errônea opção. Escolhida livremente pelo Poder Executivo, este induziu o Senado a erro de julgamento de pessoa jurídica, ao incluí-la como "empresa integradora" nas Resoluções editadas - de nºs. 91, 93, 95, 96 e 97, de 1994. Posteriormente, o Governo apurou a incapacidade da empresa e a eliminou da operação jurídica e administrativa, inclusive por "fraude previdenciária".

Mas, ao dispensar a licitação e admitir, ou melhor, escolher a ESCA como "empresa integradora", o Executivo transmitiu ao Senado uma impressão de certeza e legitimidade, que conduziu às resoluções autorizadoras. Não obstante isso, foi desfeita ou desmentida essa impressão de segurança e correção com o afastamento da Sociedade, por inidônea. Logo, extinguiu-se o motivo determinante das autorizações do Senado, a razão de concedê-las, que se fundou na presunção de firmeza do Governo, na seleção das empresas. E dos motivos determinantes, que Bielsa, em seus Principios de Derecho Administrativo, denomina também "motivos pressupostos", depende, como ele ensina, "a validade ou legitimidade do ato". Tal equivale a dizer, ainda na linguagem do mestre argentino, que "o erro como vício da vontade afeta a validade do ato"(2ª ed, Libreria y Editorial "El Ateneo", B. Aires, 1948, p.p.75 e 76).

Viciado e insubsistente o ato de seleção de uma empresa, excluída por falta de legitimação, somente apurada a posteriori, maculada está a escolha da outra, realizada no mesmo processo, porque o erro de indicação verificado apagou a nitidez do procedimento de preferência pelas organizações designadas. O fundamento das decisões do Senado foi um só: a crença na segurança da proposta governamental. O reconhecimento, pelo Executivo, da falta de legitimação de uma empresa, configurando erro de escolha - erro in eligendo - atinge a posição da outra, selecionada em obediência ao mesmo critério. A insegurança revelada anula a garantia de proteção do interesse público, pelo processo de livre seleção. E a defesa do interesse público é o fim superior do ato administrativo, como firmemente admitido no direito.

Demais, é difícil entender-se, e diante da controvérsia aberta, que seja dispensada licitação, num projeto da índole do SIVAM, sob alegação de necessidade de sigilo, para não comprometer a segurança nacional, e a ele se incorpore, na categoria de fornecedora principal de equipamentos, uma empresa estrangeira. Note-se, ainda, que o ilustre Relator, Senador Ramez Tebet, mesmo atendendo à solicitação da Mensagem, considerou necessária esta recomendação:

      "A inovação representada pelo software de integração tem elevadíssimo valor comercial e, por isso mesmo, torna-se conveniente que o contrato CC-SIVAM/RAYTHEON contemple cláusula explícita que impeça a empresa RAYTHEON de utilizar as informações privilegiadas obtidas por ela sobre o software de integração do Projeto SIVAM, sem a devida autorização e pagamento ao Governo brasileiro. (Parecer - 4 - Recomendações, al. c, final).

Seria ingenuidade, entretanto, e não a nutre o nobre Relator, admitir a certeza do resguardo de tais informações. Tanto menos se há de admiti-la depois que a recente carta do Presidente da República ao Presidente do Senado, esclarecendo as condições e vantagens do financiamento do Eximbank ao Brasil, informou que as "características do empréstimo pesaram na seleção da empresa vencedora". É estranhável: como e por que pesaram? Há vínculos negociais entre o Eximbank e a Raytheon? De qualquer sorte, resta a desconfiança, que aconselha a licitação como processo normal de contratação de obras e serviços públicos.

Em decorrência desses elementos de convicção, é óbvio que se deslegitimou o decreto de dispensa de licitação, tanto quanto a livre escolha das empresas. Certo será reconhecer-se a conveniência de aplicação do processo de licitação, estabelecido como regra no art. 2º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Esse processo é que se harmoniza com os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, enumerados no art. 37 da Constituição Federal, como regedores normais da Administração Pública.

Corrobora essa convicção o fato, que veio a ser conhecido, de a RAYTHEON, já em julho de 1992, ter assinado "memorando de entendimento" com a ESCA no sentido de trabalharem "em regime de mútua exclusividade no projeto SIVAM" (item 3). Ambas se preparavam, assim, para o monopólio dos serviços do projeto. E o "memorando" contém outros dados valiosos. A primeira empresa assumia a "responsabilidade" de fazer os contatos necessários com outras companhias americanas que possam ser úteis ao conteúdo técnico e político do empreendimento (item 4.1). Note-se a particularidade da referência ao conteúdo político do projeto. A ESCA investia-se da "responsabilidade" "de ser o principal membro brasileiro do grupo e de trabalhar com o grupo para definir a sua composição legal".

Não importa indagar da utilização desse memorando, ou se foi desfeito. Relevante é que ele atesta a aliança prévia entre as duas empresas no empenho de domínio do projeto, contra-indicando-as para nele trabalhar, sobretudo sem licitação.

Tudo, pois, recomenda a concorrência pública. A livre escolha tornou-se, comprovadamente, ilegítima. A doutrina ensina, bem resumida em trecho de Marcello Caetano, que "o ato administrativo pode deixar de vigorar... por terem deixado de se verificar os pressupostos de sua aplicação" (Manual de Dir. Adm., Forense, Rio, 1970, T. I., p. 485). Foi o que se apurou com as escolhas livremente feitas.

Dir-se-á, Srªs e Srs. Senadores, que tal conclusão implica reiniciar o procedimento de escolha das empresas e em obstar os efeitos do contrato que o Governo antecipou com a empresa americana. Mas esse recomeço atende às exigências de ordem jurídica interna e à conveniência da correção administrativa. Não corresponde a apelo de contestação infundada e emocional, antes ao desdobrar de reflexões baseadas nos fatos e no direito. Não significa "quebrar decisões anteriores sem motivação sólida", com "o abalo de nossa credibilidade internacional", da advertência do honrado presidente da República em sua carta, já referida. Decisões baseadas na ordem constitucional e legal, como a que se encerra na conclusão exposta, prestigiam o País, pelo respeito ao que é impessoal e permanente. A consciência jurídica e política de um povo, vinculada à proteção de seus altos interesses, não pode dobrar-se ao medo de má repercussão externa e localizada, presa a objetivos materiais.

A par disso, com tranqüilidade tanto maior poderá deliberar o Senado quanto não participou da decisão de assinatura do contrato com a RAYTHEON, antes de substituída a ESCA, já condenada. Correta e prudentemente, esse contrato somente deveria ser firmado depois de efetuada a substituição da ESCA, com o conhecimento desta Casa e de modo que o instrumento já envolvesse a nova empresa brasileira. Cumpre ver que as Resoluções editadas se referem a ambas as empresas - a fornecedora e a integradora - e prevendo vínculos entre elas. Donde depreender-se, logicamente, que, alterada a composição empresarial, nenhum compromisso poderia ser adotado, sem prévia ciência do Órgão fiscalizador.

Ainda que não se houvesse tornado imprescindível a licitação para escolha das empresas, como se tornou, de modo irremissível, depois dos fatos relativos à inabilitação e à exclusão da ESCA, ainda assim seria impróprio, dentro da legalidade, atender ao pedido presidencial, nos termos em que está formulado.

A Mensagem não designa a nova "empresa integradora". Não o faz, também, a Exposição Conjunta, do Ministério da Aeronáutica e da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que a acompanha e complementa. A Mensagem solicita que, na adequação das Resoluções,

      "em sua nova redação, sejam concedidas ao Governo, por intermédio da Comissão para Coordenação do Projeto SIVAM (CC-SIVAM), todas as condições para realizar as tarefas anteriormente cometidas à ESCA, garantindo-lhe a destinação, no Contrato Comercial, dos recursos disponíveis nos Contratos de Financiamento. Conforme detalhado na Exposição de Motivos Conjunta." ...

Nessa Exposição Conjunta está escrito que, afastada a ESCA, e firmado o contrato comercial com a RAYTHEON, o Governo comprometeu-se com esta que, no prazo de 120 dias,

      "indicará empresa brasileira para executar as tarefas de integração, ou assumirá tais atividades, com absorção do pessoal técnico daquela empresa.

No precipitado contrato comercial, em que o Ministério da Aeronáutica representou a União, ora se cogita de "inclusão da integradora" (claus.2.1, com ref. ao Anexo XXI), ora de "pagamento dos serviços de integração" (claus. 5.1.1.1), ora de "serviços complementares" " a serem realizados pela integradora" (claus. 5.1.2.2), ora, finalmente a "empresa selecionada" para a função integradora (claus. 5.1.2.2 e claus. 38).

Não há, pois, firmeza quanto à indicação da "empresa integrada". Ao contrário, na Mensagem e na Exposição Conjunta, que são os documentos oficialmente submetidos ao Senado, é clara a tendência de substituir a empresa integradora pelo Governo, "por intermédio da CCSIVAM" - conforme a carta presidencial. E, segundo a Exposição ministerial, o "governo", vale dizer a Comissão, "assumirá tais atividades, com absorção do pessoal técnico daquela empresa" - isto é, da ESCA.

Certo é que não houve e não há indicação da nova "empresa integradora", nem compromisso de submeter, oportunamente, a que for escolhida, ao conhecimento do Senado.

Ocorre que nas Resolução anteriores, já enumeradas, o Senado deliberou à vista de empresas especificadas - a RAYTHEON e, como "integradora", a ESCA. Se, depois da deliberação parlamentar de 1994, foi apurado erro de escolha com a apuração da inidoneidade da ESCA, do que resultou sua exclusão, é lógico que o Senado não pode operar a adequação pedida sem conhecimento do nome da nova "empresa integradora". Admitir sua substituição pela "Comissão para Coordenação do Projeto SIVAM" é inaceitável:

      1º., em face da surpresa verificada em relação á ESCA, cuja situação irregular poderia ter sido captada desde início dos entendimentos, por análise mais profunda, o que certamente não escaparia da fase liminar no processo de licitação;

      2º., porque a Auditoria do Tribunal de Contas revelou irregularidades manifestas nas relações de funcionários da ESCA e servidores da Aeronáutica, inclusive de "verdadeira promiscuidade entre Estado e empresa" (Rel. de Audit., p. 19) - o que a Aeronáutica procura explicar, zelosamente, sem desfazer as inconveniências;

      3º., porquanto a Aeronáutica, declaradamente, absorveu "pessoal técnico" da ESCA, para aproveitamento nas "tarefas de integração" (Exp. Conj., n. 2);

      4º., visto que as Resoluções anteriores do Senado, no particular da consideração de presença das empresas, constituem atos perfeitos, e que não foram objeto de impugnação.

Saliente-se, mesmo, que, afastando a ESCA por apurar vício de escolha, e pedindo adequação das Resoluções à "realidade atual", a Mensagem reconhece a necessidade de submeter o nome de outra empresa ao juízo do Senado.

Nem parece discutível a exigência moral de substituição da ESCA por outra empresa, e não pela CCSIVAM. Sem afrontar nome de ninguém, de qualquer origem funcional, convenha-se em que a importante tarefa de integração e fiscalização do Projeto não pode ser exercida por órgão que absorveu "pessoal técnico" da empresa eliminada por inidoneidade, e que negociava com a companhia estrangeira antes mesmo de escolhida como "integradora".

Percebeu esse grave problema ético o nobre Relator, ao sugerir que o Poder Executivo proponha a "criação de uma empresa pública para substituir a empresa ESCA no Projeto SIVAM e no CINDACTA. E acrescentou: "serão imensas as dificuldades de manutenção do pessoal da ESCA no regime de contratação especial pela CCSIVAM durante os cerca de 10 anos do Projeto". (4. Recomendações, al. e). Indeclinável, porém, é o reconhecimento da incompatibilidade ética da presença, na "integração" do Projeto, de "pessoal técnico" da empresa expulsa da relação jurídica, por inidônea.

Diante de tudo isso, ou o Senado suspende sua deliberação até que o Poder Executivo faça indicação da nova "empresa integradora", que é o correto, ou, votando o ato de adequação, pelo menos fixará prazo, a fim de que seja cumprida essa condição.

Irrevogabilidade dos arts. 3º e 4º das Resoluções

Releve, também, o douto Relator que pondere a impropriedade da proposta de revogação dos arts. 3º e 4º das Resoluções objeto de adequação. O art. 3º dispõe sobre "os contratos de financiamento do Projeto SIVAM". Estabelece que "somente poderão ser assinados após a formalização do competente contrato comercial entre CCSIVAM e o Consórcio constituído pelas Empresas ESCA S. A. (empresa integradora brasileira) e a RAYTHEON COMPANY (Empresa fornecedora estrangeira)". O art. 4º, definindo o valor global de financiamento do Projeto, varia de quantia em cada Resolução ao fixar os valores atribuíveis às empresas, distintamente.

O governo não fez objeção a esse critério, nem pede, agora, que seja alterado. A Mensagem, fundamentalmente, solicita ao Senado "adequar o texto das Resoluções mencionadas à realidade atual", originária do afastamento da ESCA e para dar-lhe substituta. A exposição ministerial, em que se baseou a Mensagem, assevera, mesmo, que a adequação pedida, ou seja, a "conformação não implicará modificação nas regras estabelecidas pelas resoluções, tampouco nas regras e condições de financiamento". Além da exclusão do nome da ESCA, resume as "alterações" à diversificação de valores de alguns itens de serviços e obras, como salientado de começo.

Assim, e se o próprio parecer reconhece que as "condições" estipuladas nas Resoluções não configuram "uma extrapolação das competências do Senado (2.2.3 - Críticas à forma das Resoluções...), não é lícito considerá-las "inadequadas", nem limitativas, "de modo desnecessário", da autorização concedida ao Poder Executivo". Se este não reclamou de tais condições, antes as aceitou de forma expressa, conforme demonstrado, e se nelas não há "extrapolação das competências do Senado", suprimi-las é renunciar, gratuitamente, a prerrogativas do controle legislativo, assentadas, de modo especial, no art. 49, inciso X, e no art. 52, inciso V, da Constituição vigente.

Amplitude do poder de controle do Senado.

Por oportuno, lembre-se que esse poder de controle, na observação precisa de Hely Lopes Meirelles, e anterior à Constituição democrática de 1988, exerce-se "na dupla linha da legalidade e da conveniência", facultando até ao Legislativo acompanhar "as atividades mais relevantes do Executivo"(Direito Administrativo Brasileiro, 7ª ed. at., RT., 1979, p.p. 673 a 675).

Não há, pois, legitimamente, o que censurar nem suprimir nos arts. 3º e 4º, salvo a substituição do nome da ESCA. A supressão dos artigos - ressalte-se impediria até as "alterações" quantitativas, solicitadas pelo governo.

Responsabilidade do Senado.

O parecer e a proposta de Resolução, que o engloba, são, portanto, inaceitáveis na sua essência, apesar de justo apreço a seu ilustre prolator, e às Comissões conjuntas que os aprovaram. Não asseguram, o parecer e a proposta, a licitação geral; cuidam apenas de concorrência para as obras civis. Se recusada a formalidade da licitação geral, não garantem a indicação da nova "empresa integradora". Não resguardam os arts. 3º e 4º das Resoluções anteriores, com as "alterações" pedidas pelo governo. Não preservam, enfim, o exercício pleno do controle parlamentar.

O Sr. Gilberto Miranda - V. Exª permite-me um aparte, nobre Senador Josaphat Marinho?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Pois não, nobre Senador Gilberto Miranda.

O Sr. Gilberto Miranda - Senador Josaphat Marinho, com a responsabilidade de jurista e com a admiração de que é cercada a pessoa de V. Exª, dentro e fora do Senado Federal, saliento o quanto é altamente confortável para mim a verificação de que a análise crítica de V. Exª reforça a posição anteriormente expendida por mim dessa tribuna. Estou, portanto, em boa companhia. Só me resta agradecer a V. Exª essa fulminante abordagem.

E lamento muito, Senador, não tendo a vivência política e o arcabouço jurídico de V. Exª ter falado o que V. Exª falou hoje muito antes de ter estado eu na tribuna para falar do CCSIVAM. É lamentável que a Nação se cale. É lamentável que o Senado aceite esse tipo de jogo e fale sim, e não leve em conta tudo aquilo que V. Exª levanta na tarde de hoje. Espero que após esta nova abordagem, com toda esta roupagem nova, aqueles que votaram contrariamente ao meu parecer repensem se não é o momento de começarmos a mudar este País e de ter a coragem de pedir uma licitação para esse caso.

Muito obrigado, Senador.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Agradeço-lhe o aparte, nobre Senador. E me permita que saliente que, tendo examinado a matéria, ao que me parece, sem passionalismo, fundado nos documentos oficiais e na boa doutrina, estou certo de que o Senado, a partir das comissões conjuntas que voltarão a apreciar a matéria, terá na devida consideração as razões modestamente expostas.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Josaphat Marinho, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Tem a palavra o nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Josaphat Marinho, V. Exª teve o cuidado de dizer que, para a análise profunda que fez sobre o Projeto SIVAM, deixou de lado o debate aqui dentro e ateve-se sobretudo aos documentos e ao parecer proferido e votado no âmbito da supercomissão, ao parecer do Senador Ramez Tebet. Na análise tão bem fundamentada, com o conhecimento jurídico que fez de V. Exª uma das pessoas mais consideradas no País nesta área, e a forma como demonstrou com clareza que o fato de a ESCA ter sido condenada e afastada por procedimento inadequado, e isso pelo próprio governo, ao analisar que a própria ESCA foi parte do processo de escolha da empresa que está por fornecer equipamentos, a RAYTHEON - e com isso também acabou-se inviabilizando, do ponto de vista moral e legal, a participação dessa outra empresa -, V. Exª demonstrou com clareza a necessidade, para a realização do Projeto SIVAM, de nova licitação. E V. Exª o fez com uma serenidade e embasamento tais que, tenho a convicção, certamente vai influenciar os oitenta e um Senadores. Felizmente, esta questão ainda está por ser pensada, refletida, até mesmo pelo Senador Ramez Tebet, que hoje prestou a maior atenção às palavras de V. Exª, o mesmo ocorrendo a todos nós aqui no plenário. Eu gostaria de fazer um requerimento à Presidência do Senado no sentido de que seja remetido, hoje mesmo, o parecer que V. Exª acaba de proferir ao Tribunal de Contas de União para que a equipe daquele Tribunal - inclusive o próprio Ministro Relator Adhemar Ghisi, que está examinando esta matéria por solicitação do Senado Federal - possa ter as luzes daquilo que V. Exª organizou e juntou, até porque estamos aguardando parecer do Tribunal de Contas da União sobre o processo de escolha da ESCA, da RAYTHEON e os procedimentos relacionados ao Projeto SIVAM. Cumprimento V. Exª porque hoje, mais uma vez, o Senado - e eu em especial - aprendeu muito com V. Exª.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Agradeço-lhe o apoio e as palavras proferidas, nobre Senador Eduardo Suplicy.

Estou certo de que todos os nossos companheiros do Senado atentarão nas razões consideráveis para a decisão final dessa matéria.

O Sr. Osmar Dias - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Com a palavra o nobre Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias - Nobre Senador, serei rápido. Só para comunicar que apresentei à Mesa a emenda, da qual todos já têm conhecimento, que obriga a realização de licitação pública para contratação e administração do Projeto Sivam. E eu gostaria, se V. Exª me permitir, de colocar o seu pronunciamento como justificativa à emenda que apresentei e pedir o apoio à aprovação daquela emenda. Muito obrigado e parabéns.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Sou-lhe grato pela manifestação que faz e devo dizer, perante o Senado, que, não obstante a exposição feita, não formulei a emenda sobre licitação para reconhecer a precedência que V. Exª teve em torno do assunto.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª tem o aparte, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador Josaphat Marinho, V. Exª oferece ao Senado um dos seus grandes momentos nesta legislatura. A pessoa de V. Exª, a sua cultura, a sua inteligência, o grande jurista que é, a sua integridade, engrandecem esta Casa. O aspecto que eu gostaria de destacar do importante pronunciamento de V. Exª hoje é a tranqüilidade e a serenidade com que abordou a matéria. Só alguém com a sua competência, com a sua serenidade, que é uma das suas virtudes, pode, em meio a todo este debate, a toda esta polêmica que se travou, adotar esta posição - V. Exª agiu como juiz. Na verdade, V. Exª foi um magistrado. Parece que V. Exª não é Senador. Parece que não tem partido político - não é governo nem oposição - e não participou dos longos debates, das longas discussões. Parece que V. Exª recebeu o dossiê sobre a matéria e fez a sua análise. Uma análise crua sobre a matéria, com isenção, serenidade e frieza. Bom seria que para cada projeto dessa importância, V. Exª desse o mesmo tratamento. É difícil um outro Senador realizar esse trabalho com tanta competência. V. Exª está deixando uma responsabilidade muito grande para cada Senador. Não há muitos Senadores presentes, mas os que aqui não se encontram vão ler o pronunciamento de V. Exª, que foi muito bem exposto. Não tenho dúvidas de que amanhã cada Senador receberá em seu gabinete cópia do discurso que está fazendo. Já temos o parecer íntegro, correto e honesto do ilustre Relator, Senador Ramez Tebet, e agora temos o parecer de V. Exª. Em meio a isso, teremos a responsabilidade de dar o nosso voto, seja ele a favor do parecer de V. Exª ou do Senador Ramez Tebet, a favor ou contra o SIVAM. Isso não importa. Mas ninguém, após o pronunciamento de V. Exª, poderá dizer que votou sem saber do que se tratava. Votem como quiserem. Só não digam que não entendiam

Fizeram-na tão complicada, tão complexa, mas V. Exª a resumiu de maneira total. Meus cumprimentos. Convém que se esclareça que há unanimidade nesta Casa com relação à Amazônia. Inclusive, li sobre o assunto um artigo. Permita que eu me estenda, Senador? Não quero atrapalhar o brilho de seu pronunciamento, mas gostaria de fazer, porque trago a palavra chã, comum, que, junto com o brilho de V. Exª, é o povo misturado com a magistratura e a inteligência de V. Exª. Mas dizia alguém o seguinte: mas vai lá o Senado discutir o SIVAM? É um bilhão e quatrocentos milhões! Cinco ou seis no Nacional, três ou quatro no Econômico, quinze ou dezoito no Banespa, cinco ou seis no Banco do Brasil. Quando os recursos são para o Sudeste, vale tudo, mas se o destino for a Amazônia vão discutir, mesmo em se tratando de 1 bilhão. Creio que não é essa a questão. Quero dizer aqui com todas as letras: eu, Pedro Simon, Senador pelo Rio Grande do Sul, considero a Amazônia a obrigação mais importante deste Senado em termos de Pátria. Recebemos este País de 8 milhões de quilômetros quadrados e temos que entregá-lo aos nossos filhos em melhor condição. Temos essa responsabilidade. E seria um crime se não fizéssemos isso. O Presidente Sarney - justiça seja feita - na Presidência da República, teve um gesto da maior importância, que foi o seu Projeto Calha Norte. Defendi, já naquela época, desta tribuna, um projeto em outro estilo, porque noutra região. Mas o Exército brasileiro ficou ali, nas fronteiras do Brasil com o Uruguai e a Argentina, e onde estava o Exército brasileiro se desenvolveu uma região fantasma. Defendi a tese de que regiões como o Rio Grande do Sul - São Gabriel, Santiago - não precisam de quatro unidades do Exército brasileiro, duas podem ir para a Amazônia. Não digo que a prioridade deva ser Calha Norte ao invés do SIVAM, mas Calha Norte mais SIVAM e tudo o que for a favor da Amazônia. Que não digam que a gente do sul e do sudeste está defendendo 15 bilhões para o Banespa e que, na hora defender recursos para a Amazônia, todos são contra. A meu ver, são duas as questões. A primeira é essa que V. Exª está analisando. Uma coisa é o que aconteceu com o Banco Nacional e não podemos tomar conhecimento; outra, é votarmos e consentirmos. É o que estamos fazendo aqui. A segunda questão refere-se ao que é melhor para a Amazônia. Podem até me dizer que o projeto para a Amazônia é apenas esse que nos apresentam, ou que não tem mais nada nesse sentido, mas não creio que seja assim. Parece-me que o mundo está progredindo de maneira tão fantástica em termos de tecnologia que, se reduzíssemos a zero esse projeto e começássemos tudo de novo, teríamos um projeto quatro anos mais adiantado em tecnologia e melhor no concernente à proteção da Amazônia. Essa questão tem que ser profundamente analisada. Parece-me meio engraçado dizer que a ESCA está comprometida. A ESCA não pagava a Previdência, motivo pelo qual foi afastada. Portanto, não tem confiabilidade. De acordo com o memorando, a ESCA era o braço direito da empresa americana dentro do Brasil, juntamente com a Líder, e que representava os interesses - e V. Exª repetiu três vezes - econômicos e políticos daquela empresa. Se a ESCA foi retirada porque não servia, será que o contrato que ela tem com a empresa americana serve? Quem escolheu a empresa americana? Nove membros. Desses, seis eram funcionários da folha de pagamento da ESCA. Será que isso não compromete a outra? Falo de uma maneira mais parcial, é a minha maneira de ser, mas V. Exª, com imparcialidade, proferiu um dos mais brilhantes pronunciamentos em contribuição a uma decisão tão importante como essa. Meus cumprimentos muito profundos a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney. Fazendo soar a campainha.) - Senador Josaphat Marinho, V. Exª bem conhece a história do Parlamento. Infelizmente, estou naquela situação do velho Antônio Carlos: o tempo, o inimigo.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - V. Exª, nobre Senador Pedro Simon, tem sido sempre demasiado generoso nas referências que me faz e, ainda hoje, assim procedeu. No entanto, devo reconhecer que procurei guardar tranqüilidade e serenidade neste pronunciamento, tanto que não interferi antes no debate. Dei-me ao esforço de examinar a matéria, para só me pronunciar quando fosse portador de uma serena convicção.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Ouço V. Exª, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Antes de dirigir-me a V. Exª, Senador Josaphat Marinho, peço ao Presidente José Sarney que tolere este aparte, porquanto já anunciou pela campainha que o tempo do orador já está se esgotando. A Presidência há de compreender, democrata como é, que devo fazer este aparte, posto que sou Relator desta matéria, depois de ter ouvido de V. Exª, a quem respeito e admiro profundamente, considerações sobre um projeto cuja envergadura o nobre Senador Josaphat Marinho, no interesse do País, já reconhece que não quer nem discutir, dada a sua excelência. Quero dizer que o grande momento é este mesmo. V. Exª tece considerações `as quais vou me permitir discordar em oportunidade outra, porque reconheço - embora eu tenha os argumentos - que não tenho a competência de V. Exª, principalmente em um aparte, para refutar as considerações jurídicas que expõe. Mas não posso deixar de dizer que eu gostaria que o tempo pudesse retroceder. Sim, gostaria que esta matéria fosse debatida desde o primeiro instante da forma como está colocada hoje no Senado da República: com serenidade, sem sensacionalismo nenhum, abordada da forma com que o Executivo apresentou aqui, da forma que é tradição do Senado, que é a Casa da reflexão por excelência, a Casa que tem a obrigação de retemperar ou de colocar os fatos nos seus devidos lugares. Teria sido ótimo se o pronunciamento de V. Exª tivesse sido feito no âmbito da Comissão a que V. Exª pertence e que fosse mantido! O grande mérito do pronunciamento de V. Exª - e já foi ressaltado pelo Senador Pedro Simon - foi o de fazer com que a Casa, numa matéria dessa envergadura, e em tantas outras, pudesse discutir este assunto com equilíbrio e serenidade, conforme V. Exa. está discutindo. Cumprimento efusivamente a V. Exª. Reservo-me para, em momento oportuno, no âmbito da Comissão, discordar do mérito do seu pronunciamento, uma vez que o seu pronunciamento, na sua inteireza, já foi acolhido pelo Senador paranaense, autor da emenda. Quero louvar V. Exª por trazer o Senado à reflexão. Concordo - estou aqui há pouco mais de um ano - ser este o grande momento do Senado da República. Sr. Presidente, Srs. Senadores e meu caro mestre Josaphat Marinho, não se pode discutir esta matéria como antes: com sensacionalismo, com o diz-que-me-diz-que. Quando a Casa aceitou os apartes - ouvi a todos - dirigidos a seu discurso, creio que agora, sim, vamos discutir esse projeto como eu e o nobre Relator gostaríamos que fosse: à luz dos argumentos jurídicos, das necessidades do País, da legalidade, da transparência e da legitimidade do processo. Abraço-o, entusiasmado e digo a V. Exª, mestre como o é, muito embora pudesse tê-lo feito antes, todavia, faço-o agora, nesta oportunidade, ainda a tempo, em momento certo, para que possamos discutir esse projeto dentro de um equilíbrio, da serenidade, da competência do seu pronunciamento. Podemos ter opiniões diferentes, mas devemos analisá-las e manifestá-las assim, com categoria, depois de os fatos serem analisados e estudados à luz dos interesses da nossa Pátria, que nos cumpre defender. Parabenizo-me com V. Exª.

O SR. JOSAPHAT MARINHO - Somente agradecimentos tenho, nobre Senador Ramez Tebet, pela nobreza do seu aparte, tanto mais expressivo quanto partido do Relator da matéria.

Estou a concluir, Sr. Presidente, e antes devo agradecer a tolerância de V. Exª para que pudesse permanecer, por tanto tempo, na tribuna.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com os elementos expostos e os que advieram dos apartes, somente emendas correspondentes a essas ressalvas, e com o apelo a outras medidas regimentais em tempo próprio, poderão restaurar o prestígio da legalidade, a nitidez da ação administrativa, a defesa do interesse público e a eficácia da vigilância constitucional do Senado. A responsabilidade do Senado tem, portanto, nesta hora, nobres representantes. A dimensão que a opinião pública imprime a decisões de interesse do País, e não só de interesse dos partidos, ou do Governo, sejamos fiéis à dimensão dessa responsabilidade. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/1996 - Página 6059