Discurso no Senado Federal

VISÃO PESSOAL DE S.EXA. SOBRE A POLITICA ECONOMICA E SOCIAL BRASILEIRA. FALTA DE RUMO DO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • VISÃO PESSOAL DE S.EXA. SOBRE A POLITICA ECONOMICA E SOCIAL BRASILEIRA. FALTA DE RUMO DO GOVERNO FEDERAL.
Aparteantes
Geraldo Melo, José Ignácio Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 11/04/1996 - Página 6069
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA SOCIAL, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, COMPATIBILIDADE, CAPITALISMO, PAIS, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNO, RELAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda sob o impacto do discurso feito pelo professor e mestre Josaphat Marinho, venho a esta tribuna, depois de talvez dois meses de ausência. Estava, realmente, passando por um período de cansaço, de desilusão completa, o que me obrigou a afastar-me fisicamente dessa atividade parlamentar, que após 66 anos de vida vim a conhecer, num momento em que o Brasil e a sociedade brasileira exigem a minha presença, e a consciência da minha inutilidade total leva-me a afastar-me dela.

Uma vez na vida estudei e formei-me em Direito, talvez porque meu pai, meu avô e o avô do meu bisavô fossem advogados. E, com seis tios advogados e um irmão advogado, estudei Direito. Arrependi-me de ter estudado Direito, quando percebi que o bom advogado não é aquele que consegue a vitória nas causas justas. O bom advogado é aquele que consegue a vitória nas causas perdidas, ou seja, transformando e maquiando uma situação que deveria ser apenada e castigada por uma norma jurídica no seu oposto.

Abandonei o Direito, na ilusão de que a Economia me fornecesse um objeto mais digno ao qual dedicar a minha existência. Outra desilusão. Embora 39 vezes paraninfo de turmas, embora tenha tido êxito como professor universitário de Economia, percebi, muito cedo, que a teoria econômica ortodoxa - neoclássica keynesiana e neokeynesiana - não passa de um mascaramento, uma advocacia muito sutil e muito bem feita de um sistema perdido; perdido para o homem, perdido para uma parte da história, perdido para a justiça, perdido para o desenvolvimento da consciência humana. Uma economia que se transforma no Brasil em economicídio, na prática economicida a que presenciamos.

Uma atividade teórica e prática que não podem, uma vez perfilhadas de uma maneira conformista, sem crítica, sem apontar as necessidades de transformação da sociedade que produziu esse pensamento perverso, e que afirmam entre outras coisas, por exemplo, que o salário zero ou negativo assegura o pleno emprego continuamente; isso é John Maynard Keynes, isso é Pigou. Uma sociedade que criou a produtividade como Deus, a produtividade do capital, a eficiência do capital e o massacre correspondente do homem e da vida.

É impossível maximizar lucro sem minimizar a vida humana e a natureza. É impossível. E no momento em que cheguei à conclusão de que tinha que optar entre continuar ensinando a otimização do lucro, a deificação da produtividade em detrimento da vida, da saúde, da realização do homem, somente me realizei pela postura crítica que assumi e que transmiti, com eficiência, com amor e com segurança, àquelas 39 turmas de alunos que me fizeram o seu paraninfo.

Ali eu sabia falar, sabia o que estava falando, pois falava sem peias, sem limitações, com o único objetivo de uma aproximação um pouco maior com a verdade nua e crua. Não posso dizer "esqueçam tudo o que aprenderam". Tenho o orgulho de poder dizer "não esqueçam nunca nada do que eu ensinei".

A situação em que nos encontramos hoje no Brasil vem preocupando-me e entristecendo-me cada dia mais. Descansando desta terrível profissão, ou seja, do exercício deste mandato que me foi irremediavelmente outorgado pelas urnas, encontrei-me na praia com alguns colegas. E qual não foi a minha surpresa ao perceber que todos eles, como eu, já haviam pensado em renunciar ao mandato.

Quem sabe se, calados esses argumentos que nos impedem de fazer aquilo a que a nossa consciência muitas vezes nos leva, ou seja, à renúncia ao mandato. Quem sabe se um dia não tendo mais nada que fazer, sendo completamente sem eco a nossa voz, sendo completamente ridícula a nossa tentativa de fazer faiscar a nossa consciência; quem sabe se talvez um dia nós todos desta espezinhada, massacrada, Oposição não possamos nos antecipar e fazer pelo menos um gesto de real positividade: uma renúncia coletiva, para que pelo menos uma coisa se desmascare. A fujimorização está presente, e nós, retirando a oposição, colocaremos a nu o rei, o rei Fujimori, o rei Fujinando.

Não nos ameace, por favor, Sr. Sérgio, Sr. Serjão, Sr. Ministro Serjão, com a fujimorização. Não venha nos ameaçar com isso. Tenha a coragem, a hombridade e a dignidade de declarar que ela já se encontra presente.

Estou aqui há um ano e três meses. Nunca vi aprovado nada que eu ou meu Partido apoiássemos.

O Governo, quando começou a ter o risco de se encontrar nesta nossa situação e de vir a perder uma, a da previdência, não teve escrúpulos - e isso o Governador do Ceará declarou expressamente - de voltar ao "toma lá, dá cá", ao "é dando que se recebe", reimpondo, reatualizando, rememorando e trazendo de volta a esta modernidade a hanseníase, a tuberculose, a febre amarela, o dengue, a invasão de terras indígenas - a agora revisão invasora de terras indígenas -, e tantas coisas que essa modernidade já trouxe de volta, num processo de globalização que faz com que nem sequer Sua Excelência o Presidente da República saiba para onde vamos.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte, Senador Lauro Campos?

O SR. LAURO CAMPOS - Vou apenas terminar esta parte da minha oração e ouvirei com muito prazer os sempre argutos e inteligentes apartes de V. Exª, Senador Geraldo Melo.

Lendo uma entrevista dada pelo Presidente da República à revista chamada Esquerda 21, não tive dúvida de que Sua Excelência não chamou a nós de "esquerda burra" uma vez porque nós da "esquerda burra" aqui estamos sofrendo, enquanto ele, da "esquerda inteligente", chegou lá onde ele queria, aonde sua ambição e seu narcisismo fizeram com ele necessariamente fosse. Portanto, ele é da "esquerda inteligente", porque chegou à Presidência da República, sendo marxista, sendo leninista, sendo trotskista, como ele havia declarado. Largou para trás toda essa carga pesada que já não lhe servia mais - mas continua recebendo flores e láureas na Europa e pelo mundo afora - daquele tempo, não do novo, do neo-Fuginando, mas do tempo em que ele era aquelas coisas que ele esqueceu.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço com prazer V. Exª. Não vou ocupar os 50 minutos, mas tenho ainda alguma coisa a falar.

O Sr. Geraldo Melo - Quero agradecer, Senador Lauro Campos, a honra que representa para mim a possibilidade de participar do discurso de V. Exª. V. Exª sabe muito bem do respeito que lhe tenho, merecido respeito. Não é apenas o respeito por alguém a quem a vida tenha dado mais ou menos idade. É o respeito pela conduta exemplar em que V. Exª soube transformar a sua vida. É o respeito que tenho por alguém que, aqui dentro desta Casa, tantas vezes se manifestou, tendo a minha divergência mas também a minha convicção de que as palavras candentes de V. Exª estão iluminadas por uma sincera devoção ao nosso País e ao nosso povo. Podemos divergir - e isso é bom que ocorra nas democracias -, mas o mais importante é que cada um de nós esteja convencido de que o itinerário que escolheu é o melhor para o grande objetivo de oferecer ao povo brasileiro uma sociedade que lhe dê o mínimo de dignidade a que todos os brasileiros, como seres humanos, têm direito. Quero, entretanto, permitir-me ponderar, em relação ao que V. Exª acaba de dizer, que há inteiro direito das pessoas, sobretudo de um líder com a respeitabilidade e a responsabilidade de V. Exª, de julgar com a severidade que V. Exª julga o Presidente Fernando Henrique. Não creio nem mesmo que fosse próprio agora discutir esses conceitos. Eu queria acrescentar uma preocupação, porquanto tenho observado, como Senador e, sobretudo, como brasileiro, toda essa orquestração dos últimos dias, que, de fato, se manifesta em toda parte como uma campanha contra o Congresso Nacional. E não se pode dizer que o Presidente Fernando Henrique Cardoso seja responsável por ela, porque, respeitada a sua honra, que V. Exª sempre respeitou, a sua integridade pessoal, V. Exª poderá enxergar nele os defeitos que enxergar mas há que reconhecer nele um democrata. Essa é a história da vida de Sua Excelência que ele nunca renegou. Então, como podemos ter amor pelo nosso Congresso? Como podemos querer que o povo brasileiro tenha amor pelo Congresso, se se tecem, sem respostas, sem reação, as histórias ridículas que têm sido contadas? Diria a V. Exª, só a título de exemplo, que anteontem vinha para o Senado num desses carros novos tão criticados, passou por mim um Tempra zero quilômetro, brilhando, com uma placa que, infelizmente, não pude ler toda, mas deu para ver bem a palavra subprocurador. Até fiquei pensando em indagar se existe algum senador que seja subprocurador de alguma coisa, porque carro novo, pelo que lemos nos jornais, só existe no Senado. Nesse final de semana, estive fora de Brasília. No domingo, voltei de automóvel, e havia um engarrafamento, imagino que havia por volta de cinco mil carros. Eu disse para a minha mulher: "Devem ser cinco mil Senadores e Deputados". Na CBN foi dito: "Vai começar a semana santa, e vão fugir de Brasília os Senadores e os Deputados". Não saiu ninguém de Brasília, apenas Senador e Deputado. É dito: o Senado gasta R$300 mil no seu patrimônio, nos seus apartamentos. Se comparássemos o que gasta um condomínio qualquer na manutenção de um edifício, poder-se-ia ter uma idéia se o Senado gastou muito ou pouco. Transformou-se aquilo num escândalo. Senador Lauro Campos, a ponderação que eu gostaria de fazer é a seguinte: para que esta cidade existisse, o povo brasileiro, o povo de todos os estados do Brasil, gastou o dinheiro da sua construção e, depois, para que a mesma funcionasse, permitiu que se pagasse a dobradinha ao funcionário que aqui vinha morar e que se fizesse uma área residencial inteiramente formada por apartamentos funcionais. Não há Senadores e Deputados em número suficiente para ocupar todos os apartamentos funcionais que aí estão. Toda esta cidade é tomada como a cidade do carro oficial, do funcionário público, das estruturas especiais, pelos quais o Brasil pagou e ainda paga um preço; como pagou para construí-la, paga para mantê-la. Se a sociedade brasileira achar, se a opinião pública e os seus formadores entenderem que está na hora de encerrar esse ciclo de Brasília, penso que ele deve ser encerrado para Senadores, para Deputados e para todos. Se aqui é para se viver como se vivia no passado, na antiga capital do Brasil, que isso seja feito, mas sem precisar, para isso, de execrar o Congresso Nacional, porque não há democracia verdadeira sem Congresso. Não estou ensinando isso a ninguém e muito menos a V. Exª, mas queria somente dizer que quando perpassa em muitos a indignação por se entender que alguém ligado ao Governo esteja pensando em fujimorização do Brasil, também deveria passar a indignação de assistir a um trabalho gratuito e incompreensível que está sendo feito de demolir a imagem de um Congresso que está trabalhando e oferecendo ao País os frutos do seu trabalho, que precisa ser entendido e, sobretudo, amado por uma sociedade que deseja realmente consolidar uma democracia. No mais, receba V. Exª a reafirmação do meu profundo respeito e da minha grande estima.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito agradecido, Senador Geraldo Melo.

Incorporo e concordo com muitas das assertivas de V. Exª.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Permite-me V. Exª. um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. José Ignácio Ferreira - Senador Lauro Campos, eu quase que assino embaixo do que acabou de colocar o eminente Senador Geraldo Melo, no que toca a V. Exª, especialmente. V. Exª tem percebido o quanto eu o admiro, inclusive pelas oportunidades em que temos conversado e trocado idéias sobre a realidade nacional e para aonde vamos em termos de mundialização e globalização da economia. V. Exª, ontem, sugeriu-me que lesse um trabalho de Eric J. Hobsbawn, que, por sinal, já se encontra sobre a minha mesa de gabinete. Portanto, sintonizo-me com o que ressaltou o eminente Senador Geraldo Melo e com a homenagem que presta a V. Exª, que é um intelectual, um professor universitário, um homem com pureza de propósitos, um patriota e que, à sua maneira, naturalmente, com as discordâncias que possa provocar, sustenta com bastante honestidade os seus pontos de vista. Quero ir um pouco além do que afirmou o eminente Senador Geraldo Melo quanto à referência que V. Exª faz ao Presidente Fernando Henrique Cardoso. Cheguei a colher do pronunciamento de V. Exª, em uma parte mais final, quando V. Exª se referia ao Presidente Fernando Henrique Cardoso como alguém que pregou muito sobre um determinado enfoque e que agora, ao chegar à Presidência da República, quase que - segundo V. Exª - renega aquilo que escreveu e passa a ter um comportamento, na prática, divergente daquilo que pregou como professor, como sociólogo e mesmo como político no Parlamento. Já falamos sobre isso, e V. Exª sabe muito bem dos tempos que estamos vivendo: tempos de economia globalizada, de economia mundializada, de conhecimento monopolizado, em que tudo se transforma: o modo de viver, de pensar, as instituições. A grande realidade é a mudança. Inclusive, focalizamos, numa conversa que tivemos, o quanto deve ser difícil para alguém ser estadista hoje diante do bombardeio de informações que recebe, precisando ter um espírito sistematizador, ordenado, para poder conseguir escoimar, de tudo o que recebe de informações, na condição de líder de um povo, o que não é pertinente, fazer a leitura certa e conduzir um país em um momento como este. Apesar do respeito que tenho por V. Exª, como também a admiração e o carinho que lhe dedico, devo dizer que discordo de V. Exª, porque alguém que chega à Presidência da República, se não deve mandar para o ar tudo aquilo que disse no passado, tem que ter um compromisso, uma sintonia absoluta com a realidade que está vivendo. E a realidade que alguém vive hoje na condução de um povo é a realidade de uma mudança vertiginosa, em que muito em breve talvez não pensemos mais em estatais, como pensamos hoje, tal a impossibilidade de mantermos um mastodonte, algo pesado, que anda difícil, que tem licitações e todas as dificuldades para conviver em um mundo como este, em que a competição se faz à medida da velocidade. Não temos mais grandes ou pequenos, mas velozes e não velozes. Este é o tempo que estamos vivendo. Penso que, independentemente do que tenha escrito no passado, o estadista de um país do tamanho do Brasil - este País continente, nos tempos de hoje - tem o dever de conduzir o povo no meio dessa transição tumultuária, mesmo sem saber exatamente para onde vamos. Mais ou menos, isso se desenha com a lucidez que tenhamos, com a capacidade singularíssima que possamos adquirir de ler o que está ocorrendo. Temos condição, no máximo, de debuxar um futuro, porque é realmente muito difícil, se não impossível, visualizarmos os desdobramentos do presente no futuro. De maneira que o Presidente Fernando Henrique, assim como V. Exª, é também um intelectual respeitado, a quem V. Exª não nega a seriedade de comportamento, a postura de integridade - V. Exª nunca negou isso aqui. Acredito que quem tem um compromisso com este País tem o dever de sintonizar-se com o mundo em mudança. Hoje, um estadista não precisa pedir que esqueçam o que escreveu, porque tem de viver o tempo atual, conduzindo o seu povo pelas veredas difíceis do momento atual até um futuro que nós mesmos e seguramente ninguém tem condições de prever com nitidez como será. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço, nobre Senador José Ignácio, a manifestação de V. Exª, as palavras carinhosas dirigidas a mim, essa manifestação de angústia, de preocupação e de consciência da necessidade de que o caos que se apresenta não perturbe por muito tempo a clarificação de nossas visões. Muito obrigado.

Retomo as minhas palavras dizendo que ficamos perplexos, com a visão obscurecida porque os fatos são obscurecedores. Os fatos do capitalismo, produzidos pelo capitalismo têm que necessariamente ser mascarados. O mascaramento é condição sine qua para a produção e a reprodução da sociedade capitalista.

Fernando Henrique Cardoso, nesta entrevista à Esquerda 21, se mostra tão obscurecido, com tão pouca clareza que afirma, depois de ter passado anos de sua existência lendo Marx na "turma do capital", em São Paulo, que a única coisa importante que podemos recolher de Marx é a sua afirmativa de que "tudo muda" e que nossos conceitos mudam com a mudança do mundo.

Sr. Presidente, Heráclito já havia dito isso. Se a sua leitura de Marx foi apenas para resumi-lo dessa maneira, não seriam necessários mais que dois minutos de toda a sua leitura...

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Nobre Senador Lauro Campos, permita-me interrompê-lo para alertá-lo de que V. Exª dispõe apenas de um minuto para o término de seu discurso.

O SR. LAURO CAMPOS - Sr. Presidente, os apartes a mim solicitados foram brilhantes e, diante disto, creio que minha presença torna-se perfeitamente justificada.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/04/1996 - Página 6069