Discurso no Senado Federal

COMUNICANDO A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A ELABORAÇÃO DOS DEMONSTRATIVOS REGIONALIZADOS DE BENEFICIOS TRIBUTARIOS, FINANCEIROS E CREDITICIOS DE QUE TRATA O PARAGRAFO 6 DO ARTIGO 165 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • COMUNICANDO A APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE LEI, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A ELABORAÇÃO DOS DEMONSTRATIVOS REGIONALIZADOS DE BENEFICIOS TRIBUTARIOS, FINANCEIROS E CREDITICIOS DE QUE TRATA O PARAGRAFO 6 DO ARTIGO 165 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/1996 - Página 6002
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • COMENTARIO, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, NECESSIDADE, CONCLUSÃO, REGULAMENTAÇÃO, MATERIA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBRIGATORIEDADE, REGIONALIZAÇÃO, DEMONSTRATIVO, BENEFICIO, AMBITO, TRIBUTOS, FINANÇAS, CREDITOS, EFEITO, CONHECIMENTO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, PAIS.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou apresentando, ao Senado Federal, Projeto de Lei dispondo sobre a elaboração dos demonstrativos regionalizados de benefícios tributários, financeiros e creditícios de que trata o § 6º do artigo 165 da Constituição Federal, e dá outras providências.

Profundas transformações no processo orçamentário brasileiro têm ocorrido nos últimos tempos, perseguindo o seu aperfeiçoamento e a sua transparência, requisitos indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática e pluralista.

Esse salutar movimento teve lugar não apenas no âmbito do Poder Executivo, com a extinção do chamado "Orçamento Monetário", por meio do qual se realizavam gastos fiscais sem a autorização do Congresso Nacional, mas, principalmente, dentro deste Parlamento com as definições das regras sobre o tema introduzidas pelos Constituintes de 1988.

Os acontecimentos lamentáveis que se sucediam em meio ao processo de apreciação das peças orçamentárias no Congresso Nacional, em passado recente, tiveram a pronta e firme resposta das duas Casas no sentido de erradicar as irregularidades que deles resultavam.

Foram, assim, através da Resolução n° 02, de 1995-CN, reformulados os procedimentos adotados pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização nas diversas etapas do trato da matéria, tornando mais racional e transparente a atuação parlamentar neste processo. Para tanto - e não se poderia deixar de mencionar - foi fundamental o apoio decisivo dos Presidentes José Sarney e Luiz Eduardo Magalhães, ambos firmemente engajados no processo de revitalização da imagem do Congresso perante a sociedade.

A despeito desses avanços, muito há ainda que se fazer nessa matéria para que se alcance um nível satisfatório de controle e clareza dentro do processo orçamentário. Exemplo marcante disso é a não edição, quase oito anos após a promulgação da Constituição de 1988, da necessária legislação complementar, prevista no parágrafo 9°, do art. 165 da Constituição Federal, que trata das normas financeiras e orçamentárias.

Ainda que longe desse ideal, essa matéria vem sendo provisoriamente regida pela Lei n° 4.320/64 e pelas sucessivas Leis de Diretrizes Orçamentárias editadas anualmente.

Contudo, um aspecto importante introduzido pela Constituição de 1988 não tem recebido o tratamento adequado por meio desses documentos legais e vem sendo apresentado de forma precária e incompleta por parte do Poder Executivo. Refiro-me ao parágrafo 6°, do artigo 165, da Constituição Federal, que determina ao Poder Executivo que elabore demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza tributária, financeira e creditícia, o qual deve acompanhar o projeto de lei orçamentária anual.

O atendimento dessa norma, a partir do projeto de lei orçamentária de 1990, tem ocorrido sob a forma de informação complementar, contendo apenas o Demonstrativo de Benefícios Tributários (DBT). Os demais demonstrativos, referentes a benefícios financeiros e creditícios, até hoje não têm sido elaborados.

A propósito, quando do exame da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 1996 (LDO/96), foi acolhida pela relatoria emenda parlamentar que determinava a elaboração dos referidos demonstrativos; na sanção do projeto, porém, o dispositivo correspondente foi vetado pelo Poder Executivo.

A razão fundamental para a elaboração de tais demonstrativos, e que motivou a inclusão do comando constitucional por parte dos parlamentares constituintes, repousa na necessidade democrática de o Congresso Nacional tomar conhecimento de como estão sendo distribuídos regionalmente tais benefícios e quais os segmentos que estão sendo contemplados com os favores do Estado.

Para se saber com precisão o montante de recursos públicos destinados a determinado setor ou região, é insuficiente o exame das dotações orçamentárias por função programática, contidas no orçamento. Faz-se necessário, também, saber o quanto de benefício tributário, financeiro e creditício foi alocado para o setor ou região em análise, de modo a se ter uma visão consolidada do total de recursos envolvidos.

Além disso, destaca-se que somente a partir da elaboração do DBT foi possível derrubar o mito de que as regiões de menor desenvolvimento eram as que absorviam a maior parte dos benefícios tributários concedidos; na verdade, a maior beneficiária dessa política é a região Sudeste, com 57,8%, seguida da Norte, com 15,7%; da Sul, com 11,6%; da Nordeste, com 10,4%, e da Centro-Oeste, com 4,5%.

A introdução da obrigatoriedade de elaboração do DBT, além da razão de mérito apontada, apoiou-se também na experiência dos países desenvolvidos em elaborar "orçamento de gastos tributários" (tax expenditures budget) para ser avaliado em conjunto com o orçamento anual normal.

Em que pesem os esforços desenvolvidos pela Secretaria da Receita Federal na elaboração do DBT, por meio de sua Coordenação-Geral do Sistema de Arrecadação, o fato é que a feitura desse documento vem apresentando sérios problemas, tanto na forma de apresentação como na de natureza conceitual, levando a equívocos e erros de interpretação sobre o assunto.

Na forma de apresentação, esse documento, ainda que regionalizado, tem mostrado apenas o "efeito sobre as receitas", indicando o percentual de representatividade dos benefícios tributários em relação à receita estimada nos diversos tributos e ao Produto Interno Bruto (PIB). O "efeito sobre as despesas", que indicaria as funções ou programas que os benefícios objetivaram estimular, tem sido negligenciado. Por essa razão, foi introduzido no meu Projeto de Lei a obrigatoriedade de os benefícios serem classificados de acordo com a classificação funcional-programática, de modo a possibilitar uma visão consolidada da destinação dos recursos públicos.

No campo conceitual a questão é mais complicada. Isto porque a tarefa de elaboração de um demonstrativo de benefícios tributários, além de examinar se a perda de recursos é efetiva, abrange também a feitura de estimativas dos valores dos benefícios tributários envolvidos, assentada na formulação de hipóteses sobre o comportamento das variáveis que respondem pela magnitude das referidas estimativas.

Isto, de certo modo, é mais difícil do que simplesmente estimar os montantes de receitas, pois o rol de hipóteses de trabalho considerado é muito mais amplo. Neste aspecto, a lista contida no DBT é extensiva e pouco criteriosa, pois considera como benefício tributário muitos dispositivos que, num maior rigor técnico, não deveriam assim ser enquadrados.

Como é de conhecimento dos técnicos, o conceito de benefício tributário envolve a idéia de perda de arrecadação, ou de renúncia de receita, e é um assunto que tem gerado muita polêmica, inclusive em nível internacional.

Os Estados Unidos, por exemplo, têm dois organismos cujo entendimento do que seja gasto tributário é distinto: a lista de benefícios tributários oferecida pelo Departamento do Tesouro, baseada no conceito de legislação de referência, é sempre bem menor do que aquela elaborada pela Joint Committee on Taxation do Congresso daquele País, baseada no conceito de imposto de renda normal. 

É fundamental que haja uma conceituação firme e uniforme sobre o que se entende como benefício tributário, por duas razões. A primeira, porque as estimativas feitas podem dar ao legislador uma visão distorcida, e geralmente superdimensionada, do potencial de receita dispensado por essas excepcionalidades, podendo induzi-lo a erro na formulação de política. Isto é particularmente importante quando se pensa em eliminar benefícios para gerar aumento de arrecadação, objetivando cobrir insuficiências de recursos orçamentários (o montante de benefícios tributários estimados no Demonstrativo de Benefícios Tributários (DBT) para 1996 alcança 3,22% do PIB, significando uma renúncia de recursos da ordem de R$ 22,5 bilhões, a preços médios de 1996) . A segunda, porque é necessário que todos falemos a mesma linguagem, sob pena de não haver entendimento racional sobre a matéria.

A inconsistência conceitual gera inadequações, como, por exemplo, a isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de material bélico pelas Forças Armadas, contida no DBT como benefício tributário. Ora, neste caso, os sujeitos ativo e passivo (efetivo) da obrigação tributária são o próprio Governo Federal; logo, como não haveria perda de receita, pois o que entra como receita de um lado sai do outro como desembolso, não haveria como se falar em benefício tributário. A rigor, essa isenção, paradoxalmente, dá ganho, e não perda, de recursos para a União. Isto porque a alternativa de cobrança do imposto levaria a União a dividir parte da arrecadação com os Estados e Municípios, além de ter que arcar com o tributo embutido no preço do bem adquirido.

Outro problema nessa linha, e também existente no DBT, é considerar a exclusão da base de cálculo da COFINS/PIS da receita gerada pela colocação de títulos públicos como benefício tributário. Como o montante dessas contribuições, se cobrado, acabaria aumentando a taxa de juros pela chamada cunha fiscal, o que o Governo arrecadasse de um lado iria despender do outro pelo aumento das despesas com juros; logo, essa também é uma isenção que não geraria benefício tributário. Também não geraria benefício tributário, contrariamente ao entendido no DBT, a não tributação de valores recebidos a título de diárias e ajuda de custo, de vez que é uma indenização de gastos feitos pelo servidor, não aumentando a sua disponibilidade econômica. O mesmo ocorreria com os gastos realizados para o exercício da função profissional ou com a dedução, no âmbito das pessoas jurídicas, de despesas de depreciação, ainda que acelerada.

Já a isenção para indenização trabalhista, embora meritória, gera benefício tributário dentro do IRPF, porque escapa da legislação de referência do tributo e aumenta a disponibilidade econômica do contribuinte. A dedução por gastos com educação e saúde também resultaria em benefício tributário porque é utilizada por um grupo restrito de contribuintes. A dedução da contribuição da previdência social compulsória, por sua vez, não seria considerada geradora de benefício tributário, como previsto no DBT, por duas razões: alcança indistintamente todos os contribuintes e reduz a renda disponível. Porém, a dedução para previdência complementar particular geraria um benefício tributário porque não reduziria a disponibilidade econômica do contribuinte, com tudo se passando como se fosse uma aplicação financeira de sua parte.

Na situação dos tributos indiretos a classificação não é menos complicada. Nesse caso, dentro da conceituação empregada, os manejos de alíquotas não provocariam benefícios tributários porque se a alíquota mudou é porque mudou o entendimento do legislador com relação à tributação de um bem (nos casos dos impostos indiretos) ou de uma classe de contribuintes ( nos casos dos impostos diretos); ou seja, são mudanças na legislação de referência do tributo e que afetam todos os indivíduos indistintamente. Além disso, no caso dos tributos indiretos, situações há em que a redução da alíquota de um bem, que não a zero, poderia provocar aumento, e não diminuição da arrecadação fiscal, devido ao fenômeno da elasticidade-preço da demanda. As desonerações objetivas, quaisquer que sejam suas formas (isenções, não-incidências, etc.), ou seja, aquelas conferidas a produtos, têm o mesmo efeito de uma redução de alíquotas e também não produziriam benefícios tributários. Já as desonerações concedidas a bagagem de passageiros que viajam ao exterior, a menos que estabelecidas por acordos de reciprocidade internacional, geram benefícios tributários porque beneficiam grupo restrito de contribuintes. Também por beneficiar especificamente uma região, os estímulos ao desenvolvimento da Zona Franca de Manaus são enquadrados como benefícios tributários.

De outro lado, não devem ser considerados benefícios tributários as desonerações cujo objetivo é viabilizar a realização de determinada operação econômica. Este é particularmente o caso dos "incentivos" às exportações que, a propósito, a Secretaria da Receita Federal vem acertadamente não enquadrando como benefício tributário. Com efeito, como nenhum País exerce atividade monopolística que lhe dê o poder de exportar tributos, admite-se que, se houver a cobrança de tributos, a exportação fica gravosa e a operação não se realiza. No caso de produtos primários, como geralmente o preço é dado ao exportador pelo mercado internacional, a cobrança de tributos diminuiria a sua margem de lucro e, a médio prazo, ele seria forçado a mudar de atividade. No caso de produtos industrializados, a cobrança de tributos encareceria o preço do produto e, diante da competitividade internacional, o exportador também seria forçado a se retirar da atividade.

É de se notar que, mesmo no caso em que a produtividade do exportador de produtos industrializados seja maior do que as dos concorrentes, suficiente até mesmo para absorver, no curto prazo, o tributo cobrado, a médio prazo essa vantagem desapareceria, diante do elevada rapidez na disseminação do conhecimento tecnológico entre as nações.

Essas considerações levam à conclusão de que o conceito de benefício tributário é um conceito primordialmente ligado a propósito econômico-orçamentário, sendo de menor relevância o tipo jurídico da decisão legal que instituiu a desoneração (não-incidência constitucional, isenção, etc.). Em razão disso, como ainda não temos na legislação brasileira nenhuma orientação sobre a matéria, procuramos no nosso Projeto basear a conceituação ora proposta na experiência do Tesouro norte-americano, apenas adaptando-a à realidade brasileira, visto que nos EUA o orçamento de gasto tributário envolve apenas os impostos diretos e, em especial, o Imposto de Renda. Em nosso País incluímos também os tributos indiretos, tanto pela característica de nossa legislação, como pelo peso que tais incidências têm na arrecadação global. De resto, como complemento metodológico visando à clareza classificatória, estabelece-se a obrigatoriedade de serem listados em separado os dispositivos desoneradores de tributos e que não venham a ser enquadrados como benefícios tributários, com a indicação sucinta das razões para esse procedimento. 

Embora o texto constitucional não se refira, explicitamente, às contribuições sociais sobre a folha de pagamentos, também introduzimos no nosso Projeto a obrigatoriedade de apresentação de demonstrativo para essas incidências, tanto pela representatividade em termos de financiamento da seguridade social, como pela necessidade de se ter um quadro geral das desonerações fiscais de obrigações compulsórias que geram renúncia de arrecadação.

É de se registrar que a redação do § 6º do artigo 165 da Constituição é de algum modo redundante, pois, além de benefícios tributários, fala também em demonstrativo de isenções, anistias e remissões, os quais podem claramente ser entendidos como um subconjunto de benefícios tributários. O mesmo ocorre com subsídios financeiros que seriam igualmente um subconjunto de benefícios financeiros. Em função disso, no nosso Projeto de Lei o tema é tratado sob a terminologia geral de benefícios, estabelecendo-se dispositivos que façam a compatibilização dos diferentes estímulos.

Os demonstrativos de benefícios creditícios e financeiros, a seu turno, devem refletir todas as concessões efetuadas pelo poder público, seja através dos orçamentos, seja por meio de fundos de financiamento, para se ter uma visão transparente e consolidada da distribuição desses benefícios. A utilização da taxa de juros SELIC, como referencial de apuração de subsídios do custo do dinheiro, prende-se ao fato de que hoje esse indicador é empregado oficialmente para medir o custo a que incorrem os contribuintes se pagarem os tributos com atraso, e porque esse é o custo em que incorre o Governo para se financiar junto ao mercado.

Objetivando permitir uma efetiva avaliação temporal dos montantes dos recursos envolvidos, foi incluída no Projeto a obrigatoriedade de se apresentar quadro que possibilite visualizar as variações entre as estimativas anualmente realizadas para os benefícios, bem como os montantes provavelmente observados para cada um deles.

Concluindo, diante da importância dos demonstrativos em análise, tanto para a formulação de políticas públicas, como para o exercício integral da prerrogativa do Congresso Nacional em fiscalizar e controlar o processo orçamentário, conclamo os colegas parlamentares para que apóiem o Projeto de Lei a que me referi neste discurso.

A sua aprovação possibilitará, sem dúvida, um substancial aprimoramento na transparência alocativa dos recursos governamentais e, sobretudo, conferirá efetividade plena à determinação contida no § 6°, do art. 165 do texto constitucional.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/1996 - Página 6002