Discurso no Senado Federal

APREENSÃO COM O RUMO POLITICO E ECONOMICO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • APREENSÃO COM O RUMO POLITICO E ECONOMICO DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/04/1996 - Página 6201
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INCAPACIDADE, ATUAÇÃO, CRISE, IDEOLOGIA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), RESPONSABILIDADE, QUEBRA, BANCOS, AUMENTO, DIVIDA, ESTADOS.

     O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o desgoverno avança. Um desgoverno topetudo, atrevido, megalômano, que pensa que encontrou o caminho e a verdade, e que vai conduzindo, tal como aconteceu em outros pontos da periferia do mundo, também o Brasil para um buraco cujo fundo as luzes desse Governo ainda são fracas para determinar.

     A Argentina encontra-se convulsionada.

     Palavras, words: "words fly up, thoughts remain bellow; words without thoughts never to heaven go".

     Palavras que se tornam podres antes de sair da boca, palavras mentirosas. Infelizmente, o ponto em que essas palavras se anunciam, se deblateram é justamente o cenário político.

     Por isso, a atividade política encontra-se desmoralizada, não apenas no Legislativo brasileiro, não apenas nos Executivos dos diversos países que já não podem mais responder às demandas populares, cerceados por uma crise que eles próprios não conseguem diagnosticar, incapazes de ver que a acumulação de capital - tal como aconteceu em 1873, repetiu-se em 1929, e agora se encontra em escala mundial - constitui o núcleo, a sede, a origem, a matriz de todas as demais crises, incapazes de enfrentar o problema.

     O Presidente Fernando Henrique Cardoso esqueceu tudo e mais alguma coisa, perdeu a memória e, além dela, outros ingredientes necessários para fazer o estofo dos grandes estadistas.

     Sua Excelência confessou, numa entrevista dada ao Esquerda 21 - por coincidência, Bresser Pereira dizia a mesma coisa -, que nos encontramos no caos.

     O caos é tão grande na cabeça de Fernando Henrique Cardoso, o narcisista iluminado, que um dia manda o Sr. Sérgio, o Ministro Serjão, ameaçar com a "fujimorização" do Brasil; noutro dia, adota o cerceamento das minorias, tamponando a Comissão Parlamentar de Inquérito que queria colocar um pouco de luz na caixa preta em que se transformou o Banco Central e o sistema bancário brasileiro.

     O Banco Central, banco dos bancos, banco do Governo, é fiscal do sistema financeiro, mas não fiscaliza coisa nenhuma. E não o faz de propósito, para que o povo não possa perceber que um dos custos do Governo FHC constitui-se justamente neste: o enxugamento exagerado da base monetária, para manter esta inflação que agora se apresenta como deflação perigosíssima e para manter apagada as luzes que revelariam a crise do sistema bancário. Não apenas a crise, porque ela, como lembrou ontem o Ministro Pedro Malan, poderia ser sanada, como aconteceu nos Estados Unidos na década de 80, quando 2 mil bancos quebraram e permitiu-se até o redesconto de hipotecas. O setor agrícola foi de tal forma dominado por uma crise que os proprietários de terras, não podendo pagar suas dívidas que estavam ali expressas nas hipotecas e nas penhoras das suas terras e dos seus instrumentos de trabalho, com permissão do FED, puderam redescontar suas hipotecas e penhoras, pela primeira vez na história econômica do mundo. Mas lá não havia a podridão em que se encontra o sistema bancário brasileiro. Lá não havia banco mais ou menos podre ganhando bancos apodrecidos; lá não havia oligopolização do sistema bancário com relações espúrias com o Banco Central, porque lá se exige a quarentena.

     A situação, portanto, é totalmente diferente. Mas aqui não se assume que foi o Banco Central que quebrou o sistema bancário brasileiro; foram, obviamente, as dificuldades crescentes pelas quais passaram os Estados, quando a Federação acabou de fato neste País. Destituídos do poder emissor, os Estados criaram bancos aos quais recorreram para sustentar os seus gastos, endividando-os e elevando a dívida pública estadual, no caso de São Paulo, a US$50 bilhões.

     Portanto, diante dessa situação, desse caos, Bresser Pereira, nesta revista a que me refiro - Esquerda 21 - já alerta que realmente até as esquerdas já se encontram também no caos. Isso não deveria ser novidade alguma.

     Joan Robinson, citada ontem pelo Ministro da Fazenda, dizia, entre outras coisas, que, no início dos anos 30, era completamente impossível não apenas formular perguntas razoáveis a respeito da economia, mas encontrar duas respostas iguais à mesma pergunta. O caos era completo. Os economistas naquela ocasião, tal como hoje, encontravam-se totalmente perdidos.

     E, nessa revista, Fernando Henrique Cardoso afirma que não é preciso entender nada do que estudou para ser Presidente da República. Então, o bom estadista é aquele que tem a cabeça em branco, in albis, uma tábula rasa, para dirigir uma nação que se encontra submetida a uma degradação total, em que o vocabulário político baixa ao nível do chão, achamboado, do "aquilo roxo e do aquilo preto", em que os destaques para votação em separado, junto com a convocação de CPIs, ou seja, os poucos instrumentos que as minorias têm em suas mãos, são também vítima do rolo compressor que mal disfarça o processo de fujimorização que anda em curso.

     É tão grande a perplexidade em que se encontra o esvoaçante Presidente Fernando Henrique Cardoso, que afirma ter tido muita coragem ao criar o Proer. Teve muita coragem, sim, coragem demais - antes não tivesse tanta -, para criar um monstro desse que vem transferir recursos, que não sabemos quanto - fora o que vai para o Banespa e para o Banerj: R$9.8 bilhões -, entregando-os às mãos, não às do mercado, que eles dizem obedecer.

     O mercado já decidiu: esses banqueiros são incompetentes; esses banqueiros têm que ser punidos pela mão invisível do mercado, sendo levados à falência.

     E, aí, vem o Banco Central com a sua filosofia: banco não pode falir. Mas, se um dos fundamentos dos juros é o risco, como é que não se pode correr risco, mas pode-se ter lucro e receber juros? Não sei que teoria ou ideologia maluca é essa que afirma duas coisas completamente opostas numa só linha! Se os bancos não podem correr risco, eles não podem receber juros, porque o fundamento dos juros é justamente o risco que o emprestador corre. Portanto, desde que não se adote as teorias ultrapassadas do waiting para justificar a taxa de juros, de Bohn-Bawerk: "Mais vale um pássaro na mão do que dois voando", e outras teorias já completamente ultrapassadas, não é possível impedir, numa economia que dizem que é de mercado, o socorro, que vem obstaculizar a ação da mão invisível, a ação seletiva - selecionadora, dizem eles - e a ação punitiva do mercado.

     "Os grandes não podem falir". Ora, essa é a idéia de que a economia capitalista tenderia a ser dominada cada vez mais por empresas monopólicas, oligopólicas, por monopsônios, por trustes, por cartéis, por konzerns, por keiretsus e por zaibatsus. Todos sabiam disso. Schumpeter dizia que isto daria uma estabilidade ao emprego na economia capitalista: esse crescimento, essa oligopolização e essa monopolização. E, no livro chamado "Imperialismo, Fase Final do Capitalismo", a presença de 340 cartéis foram detectados na Alemanha. Num estudo feito sobre os cartéis, nos Estados Unidos, observou-se a presença de 2.800 cartéis na economia norte-americana. Mas lá nos Estados, pelo menos, existem 12 mil bancos, enquanto aqui no Brasil, uma vez respondendo a uma pergunta minha, o presidente do Banco Central afirmou que havia 230, e, logo na semana seguinte, um diretor daquela instituição dizia que eram 118. De qualquer maneira, uma economia em que os bancos se concentram de forma assustadora, uma bancocracia em que o sistema jurídico, as leis, o Governo e o Banco Central protegem o enriquecimento ilícito desse setor que agora entra em crise. Uma crise tranqüila, planejada há muito tempo, que permitiu a muitos deles mandarem para fora a parte substancial do seu patrimônio.

     Srs. Senadores, diante deste caos, é preciso que a humanidade encontre uma resposta. Passei grande parte da minha vida preocupado com a crise das ideologias e escrevi um livro de 355 páginas sobre o assunto, publicado há 16 anos. Depois da crise de 1929, por exemplo, sete anos se passaram sem que uma nova formulação a respeito dos problemas, sem que uma nova nomenclatura, sem que relações aparentemente lógicas pudessem nos dar uma nova visão da economia capitalista. Depois que a economia de mercado faliu em 1929, depois que a economia neoclássica entrou em crise irremediável em 1929, fez-se a crítica da economia neoclássica à criação de novos termos, à clarificação de novos objetivos para a ação estatal, e, no centro dessa redinamização, Hitler, Roosevelt, Winston Churchill, Mussolini, Stalin, colocaram a economia de guerra. Sem a economia de guerra, não teria havido, de acordo com Lord Keynes, qualquer possibilidade de recuperação da economia. Duvido que tenhamos conhecido um auge duradouro capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra.

     Disse Keynes, em 1936 e em 1940: "Se os Estados Unidos se sensibilizarem com a grande dissipação decorrente da preparação das armas, aprenderão a reconhecer sua força". Sem a economia de guerra - de acordo com Keynes -, as medidas duras, drásticas, despóticas, semelhantes às de Hitler e às de Mussolini, não seriam aceitáveis, embora fossem indispensáveis para a dinâmica do capitalismo. O meu receio é de que na América Latina escolhamos o pior dos dois mundos: a fujimorização política, com a qual já nos ameaçam. Somos um Legislativo meramente carimbatório, um Legislativo adequado, que responde passivamente, docilmente, a um Plano que já não deu certo em diversos lugares da América Latina e do mundo, a um Plano - estamos vendo aí - que destrói cidades, como Americana; destrói regiões, como a do Vale dos Sinos; destrói classes sociais, como a dos pequenos e médios empresários que estão indo à falência, atingindo, só em São Paulo, 1.358 empresas num único mês.

     O desemprego, que leva tantos ao suicídio e ao desespero, é atribuído, de uma maneira desumana, à incapacidade daqueles que estão desempregados. (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

     Vou terminar, Sr. Presidente.

     Tenho certeza de que os brasileiros poderão ser conscientizados no sentido de que não é a sua incapacidade para manipular as máquinas que a modernidade diz estar trazendo para este País. As máquinas são cada vez mais facilmente manipuladas. Não se precisa saber ler nem escrever, porque elas vêm dotadas de botões com desenhos que permitem ao trabalhador acioná-las. Não venham dizer que é por incompetência dos trabalhadores brasileiros que eles recebem um salário mínimo ou estão na rua. Não. É por incompetência do governo e dos capitalistas que, no momento devido, ao invés de aumentar o capital através de tecnologias novas, não quiseram gastar dinheiro no fator capital, no capital dito produtivo, gastaram apenas no fator humano, barato, empregável, descartável a qualquer momento - o trabalhador brasileiro.

     Foi isso que ajudou a bloquear o processo de inovação tecnológica. Foi o contrário disso que fez com que no Japão os altos salários obrigassem os japoneses a comprar tecnologia cara e moderna para substituir os trabalhadores que, organizados, desde o princípio do século, em sindicatos combativos, puderam transformar-se num fator caro e, portanto, substituíveis, com vantagens para os capitalistas, pelas novas tecnologias. (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

     Sr. Presidente, não comecei sequer a tocar no assunto principal que eu gostaria de desenvolver hoje. Ontem, tentei fazê-lo, mas, dos meus 40 minutos, 35 foram tomados por maravilhosos e prolongados apartes.

     Hoje, felizmente, tive pelo menos a oportunidade de usar individualmente, graças à generosidade da Presidência, até um pouco mais do horário que me era destinado. Deixarei para outra oportunidade aquilo que deve ser objeto de nossas preocupações, quando vou propor ao Presidente do Senado que se organize aqui um fórum internacional de alto nível, que congregue estudiosos conhecedores de todas as ideologias, para que possamos começar a entender aquilo que Bresser Pereira e o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecem: que estamos num caos.

     Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/04/1996 - Página 6201