Discurso no Senado Federal

CRESCENTE PREOCUPAÇÃO COM O AUMENTO DA DIVIDA PUBLICA. AS CONSEQUENCIAS DO CONTROLE DA TAXA DE INFLAÇÃO PELO GOVERNO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CRESCENTE PREOCUPAÇÃO COM O AUMENTO DA DIVIDA PUBLICA. AS CONSEQUENCIAS DO CONTROLE DA TAXA DE INFLAÇÃO PELO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/1996 - Página 6327
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, PLANO, REAL, POLITICA MONETARIA, POLITICA CAMBIAL, DEFICIT, BANCOS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, INFLAÇÃO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ao mesmo tempo em que o Governo Federal mostra sua face tranqüila e risonha e afirma os seus feitos e um futuro prolongado para esse plano de dominação da economia brasileira, elaborado pelo FMI - plano que já está fazendo água em diversos pontos da América Latina, depois de ter aparente êxito também lá na Argentina, no México, na Venezuela e no Chile -, na verdade, o êxito real é, sem dúvida nenhuma, o êxito dos dominadores.

A banca internacional se encontra abarrotada de dinheiro ocioso, de dinheiro esperto, que não pode ser investido por falta de oportunidades de investimentos nas economias em que a sobreacumulação pesa e tampona os investimentos adicionais.

Isto ocorre, por exemplo, no Japão, onde duas correntes de interpretação se debatem. Uma delas, a que me filio, considera que o problema principal do Japão é de sobreacumulação de capital; e, se lá existe sobreacumulação de capital, como afirma a Cosa on, uma corrente japonesa, o que só pode acontecer é que os banqueiros mundiais , como aconteceu no início dos anos 70 com os petrodólares e, anteriormente, com os eurodólares, agora terão disponíveis também os nipodólares.

Ir ao Japão e conseguir recursos externos para aumentar o endividamento interno e colocar isso como um grande feito é, realmente, não compreender que esses empréstimos concedidos pela banca internacional são recursos que visam a satisfazer as necessidades da economia cêntrica e que os investimentos produtivos, realizados na periferia do mundo, são feitos em doses muito pequenas. O Japão não é louco, a Alemanha não é doida, os Estados Unidos não são alucinados de investir e criar indústrias no Brasil, na Argentina, no México para concorrerem com as indústrias nacionais daqueles países, disputando o estreito mercado que, a duras penas, já lutam por ele e que, em grande parte, inspiraram o processo de globalização. Uma globalização em que partes, peças e componentes são produzidos na economia cêntrica e exportados para serem montados na periferia, como aconteceu com o pobre México, cuja indústria automobilística parecia fazer sucesso; de repente, no entanto, verificou-se que 87% dos carros mexicanos tinham partes, peças e componentes importados, fabricados lá na Fiat, na Volkswagen, nas indústrias cêntricas e depois exportados para serem montados pelos trabalhadores mexicanos.

Portanto, é óbvio que o Governo não pode enfrentar a realidade que nos submete, que nos obriga e nos impõe uma taxa de câmbio altamente artificial, que sobrevaloriza a nossa moeda - o Real -, para que importemos barato as mercadorias que sobram na crise de sobreacumulação cêntrica.

São essas mercadorias que já fizeram soar o sino de finados, lá no Vale dos Sinos, enterrando as nossas indústrias de sapatos. São essas medidas cambiais que destruíram a Cidade de Americana, fundada pelos norte-americanos, em 1865, que para cá acorreram, depois de abolida a escravidão no Sul dos Estados Unidos.

A indústria de tecidos brasileiros não pode concorrer, obviamente, com essa indústria cêntrica, onde a sobreacumulação é marcante. O Brasil deixou atrasar a sua tecnologia, porque - como diziam aqueles que sabiam o que estavam dizendo -, ao contrário do que se pensa, são os salários elevados que obrigam um país a inovar sua tecnologia. O Japão tem uma alta tecnologia porque os sindicatos que lá existem, trabalham e lutam desde o início do século, conseguiram elevar os salários dos trabalhadores japoneses; conseguiram fazer avançar as conquistas dos trabalhadores japoneses, obrigando os empresários a comprar máquinas eficientes, a inventar processos mais eficientes e automatizados de trabalho, para dispensar o fator caro, a mão-de-obra.

Mas, no Brasil, como esse é fator baratíssimo, não há vantagem alguma em substituir essa mão-de-obra miserável por máquinas e equipamentos caros. Por isso, o Brasil foi tomado por um marasmo no processo de inovação tecnológica, marasmo este que obviamente contribui para reduzir a nossa capacidade de competição no mercado mundial.

E agora querem, para espanto de todos os brasileiros, permitir que a dispensa dos trabalhadores se faça a um custo menor. Trabalhadores sem carteira assinada, que podem ser demitidos em qualquer momento, sem a obrigatoriedade do pagamento do aviso prévio.

Voltamos rapidamente à nossa própria pré-história, e não há dúvidas de que Fernando Henrique Cardoso, quando escreveu a sua tese sobre capitalismo e escravidão, tinha razão ao dizer que o capitalismo brasileiro aboliria a escravidão para explorar mais os trabalhadores do que a escravidão poderia fazê-lo.

Isso está escrito e assinado por Fernando Henrique Cardoso, que, como Presidente, cria as condições para reforçar a sua tese de que o trabalhador livre brasileiro, este que está entregue à ditadura do mercado livre, é realmente mais explorado do que o fora o escravo na fase da escravidão.

Dizem que o Brasil faz muito bem ao impor esses remédios drásticos de combate à inflação, de chamada estabilização monetária. Constantino Bresciani-Turroni, em seu livro intitulado A Economia da Inflação, um clássico sobre inflação no mundo, escreveu que inflação significa crise, e a crise que o Governo brasileiro impõe ao Brasil - e os outros governos latino-americanos já se encontram adiantados em relação a nós neste processo - só tem e só poderia ter como resultado o enxugamento do bolso dos consumidores brasileiros, principalmente os da classe média e os trabalhadores de salário mínimo e de sua proximidade, enxugando a base monetária, determinando que 80% dos depósitos à vista se convertessem em redesconto compulsório e que 100% dos depósitos adicionais também tivessem esse destino, impedindo que a rede bancária praticamente produzisse moeda escritural.

No Banco Central, o Sr. Clarimundo Sant´Anna passou a criar, a fabricar dinheiro falso, moeda escritural, diante desse estrangulamento provocado pelo Banco Central. Dessa forma, não poderia deixar de ocorrer o que ocorreu no Brasil. E os bancos, que tiveram 12.460% de retorno na década perdida, na década das falências, na década em que o PIB, durante três anos, por três vezes, cresceu negativamente, até esses bancos começaram a falir.

E os bancos só podem ter falido depois da falência dos trabalhadores brasileiros, depois da falência dos pequenos e médios industriais brasileiros, depois da falência dos comerciantes brasileiros. Só depois disso é que a fortaleza midásica bancária foi atingida pelas medidas propostas pelo próprio Governo que acarretaram a falência de bancos no Brasil; esses mesmos tipos de medidas acabaram com o sistema bancário na Venezuela e obrigaram os Estados Unidos a injetarem US$40 bilhões no México, diante da falência do sistema financeiro.

Portanto, o Governo brasileiro fez um programa de sucateamento e de destruição que atingiu até mesmo o sistema bancário brasileiro. E, agora, com o que nos deparamos?

O Presidente do Banco Central veio aqui e disse que já eram 33 bancos falidos; 8 em vias de falência. Depois, retificaram esse número. Mas não tem importância. O que importa realmente é que, com a venda das empresas estatais, R$2.6 bilhões foram arrecadados pelo Programa de Desestatização e, somente para alguns bancos castigados pelo Proer, dezenas de bilhões serão doados: R$4.6 para o Nacional e mais alguma coisa, outros R$2 bilhões para o Banco Econômico, e mais R$17 bilhões de que se encontra necessitado o Banco do Brasil e mais, no mínimo, R$7 bilhões para o Banespa.

Então, é óbvio que, diante dessa dissipação de recursos, que são transferidos para que um banqueiro de banco suspeito como o Excel compre a parte boa de um banco falido. É um banqueiro comprando um outro banco. Nada tem a ver com a preocupação com os depositantes, pois o que se está verificando é uma reconcentração da rede bancária brasileira nas mãos desses felizardos que compram bancos com o dinheiro do Proer.

E é tão grande a coragem deste Governo que o Senhor Fernando Henrique Cardoso disse que havia criado o Proer, naquele sábado noturno, para castigar os seus netos. Teve a coragem de criar o Proer contra o patrimônio do Banco Nacional. É de estarrecer! O Senhor Fernando Henrique Cardoso é dos melhores avós do mundo. Não conheço outro que tenha dado um presente tão grande, assegurando o futuro dos seus netos!(Pausa)

E o que acontece? O que acontece é que a inflação está de volta. Quantos anos de minha vida perdi para mostrar aos meus alunos que a inflação assume, como o camaleão, diversas formas de existência.

Se o Governo subsidia os preços que estão em alta, como aconteceu no Cruzado 1, quando foi subsidiado o Bombril, quando foram subsidiadas as autopeças, quando foi subsidiado o leite; se o Governo resolve subsidiar todos os preços que estão em alta, obviamente não haverá inflação. Os lucros aumentam devido aos subsídios, e os salários não serão reajustados jamais porque a inflação foi conservada lá embaixo.

Se, por outro lado, as mercadorias são maquiadas e colocadas no mercado com preço das mercadorias antigas, de qualidade inferior, é lógico que a taxa de inflação não sobe; porém, compra-se gato por lebre. Compram-se mercadorias de qualidade inferior pelo preço das antigas.

É de se ressaltar que a maior mágica que um governo pode fazer em relação à taxa de inflação é pura e simplesmente substituí-la pela taxa de crescimento da dívida pública. Como isso ocorre? O Governo investe e gasta com uma mão, aumenta a base monetária com uma mão, através de seus gastos; com a outra, recolhe o dinheiro que colocou...

O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) - Advirto o orador de que seu tempo está se esgotando.

O SR. LAURO CAMPOS - Sr. Presidente, já estou terminando.

Como estava dizendo, com a outra mão recolhe o dinheiro que colocou e que iria provocar uma elevação na taxa de inflação se continuasse como renda disponível por parte da coletividade. Então, o Governo que gastou com uma mão, retira com a outra.

Gastou como? Pagando o próprio serviço da dívida pública, alargou a base monetária ao elevar a taxa de juros para atrair o capital estrangeiro - o wild money, o smart money -, as formas especulativas de dinheiro internacional. Ao aumentar a base monetária, o Governo é obrigado - para impedir que a inflação se manifeste - a aumentar a taxa de crescimento da dívida pública, é obrigado a recolher dinheiro vendendo papel.

Quando o Governo anuncia que conseguiu o milagre de reduzir a inflação a uma taxa de -0,55% em São Paulo, uma taxa abaixo de zero, o que acontece é que a dívida pública cresce no lugar da inflação a uma taxa de 10% ao mês. Portanto, a taxa de crescimento da dívida pública substituiu a taxa de crescimento da inflação. E não se pode, em sã consciência, dizer que houve uma vitória sobre a inflação, quando a dívida pública no mês cresceu 10%, ou seja, uma taxa recorde em escala mundial de crescimento da dívida pública.

De sorte que, no futuro, vamos pagar essa dívida pública crescente. Nós que não estamos pagando pela inflação atual, vamos pagá-la, sim. Dívida pública que está disparada, crescendo, para tentar conter o ímpeto inflacionário que brota da entrada de dólares, dos gastos do Governo, do pagamento dos serviços da dívida pública, dos Proer que sustentam os banqueiros falidos.

Não nos iludamos. Essa mágica não existe e ela será desmascarada com o tempo, que é o senhor da razão. O brasileiro que está hoje aplaudindo a inflação baixa, amanhã, terá de pagar essa dívida pública que se acumula e que cresce a 10% ao mês, coisa inédita na história econômica e financeira do mundo.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/1996 - Página 6327