Discurso no Senado Federal

DEBATES SOBRE A QUESTÃO DA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDIGENAS.

Autor
João França (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • DEBATES SOBRE A QUESTÃO DA DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDIGENAS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1996 - Página 6427
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • DEFESA, DECRETO FEDERAL, REVISÃO, CRITERIOS, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, LOBBY, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • CRITICA, DIMENSÃO, RESERVA, TRIBO YANOMAMI, PROBLEMA, ATRAÇÃO, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL, ILEGALIDADE, EXPLORAÇÃO, RECURSOS MINERAIS, NECESSIDADE, DEFESA, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, DOCUMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), APOIO, DETERMINAÇÃO, CAUSA PROPRIA, COMUNIDADE INDIGENA, DEFESA, ATIVIDADE ECONOMICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, BENEFICIO, BRASILEIROS.

           O SR. JOÃO FRANÇA (PMDB-RR. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão das terras indígenas tem sido um grande tema de debate em todo o mundo. Semana passada, por exemplo, fortes protestos ecoaram em vários países da Europa, no seio de várias organizações internacionais, por ocasião da passagem por Londres do Ministro da Justiça, Nelson Jobim. Ele foi explicar o real significado do Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro passado, que estabelece novos critérios para a demarcação das terras indígenas.

           Ao ser questionado pela Anistia Internacional e pela Survival International, reunidas em um estúdio da rádio BBC de Londres, o Ministro Jobim assegurou que o referido Decreto Federal não tem o objetivo de permitir invasões de terras indígenas. Da mesma maneira, não abre brechas para facilitar a ação de empresas internacionais ou nacionais na exploração irregular de recursos minerais, madeiras ou outras matérias-primas nessas áreas.

           Em um momento em que o debate sobre os direitos indígenas se transfere do Brasil para ocupar espaços internacionais, envolvendo centenas de Organizações Não-Governamentais, Governos e a própria Organização das Nações Unidas, é importante alertar que a questão se torna delicada. Infelizmente, não se trata apenas da doação pura e simples de terras. A questão é bem mais complexa e engloba variáveis políticas, econômicas, sociais, culturais, estratégicas e internacionais.

           Não somos contra a demarcação das reservas, mas somos contra os exageros. Todo cidadão brasileiro concorda que a demarcação das reservas indígenas é uma necessidade imperiosa. Em contrapartida, não conseguimos conceber como menos de dez mil índios possam precisar de noventa e cinco mil quilômetros quadrados -- ou seja, nove milhões e meio de hectares de terra -- para preservar o seu habitat, conservar a integridade de sua cultura e do seu modo de vida e desenvolver suas atividades econômicas de sobrevivência.

           A partir de um gesto paternalista e -- por que não dizer? -- irresponsável, ou ainda porque queria agradar os grandes interesses internacionais às vésperas da Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, que se realizou no Rio de Janeiro, em 1992, o ex-Presidente Fernando Collor de Mello, através do Decreto de 25 de maio de 1992, homologou as terras ianomâmis, mesmo ferindo o inciso II do artigo 20 da Constituição, que diz o seguinte: "São bens da União: as terras devolutas indispensáveis à defesa da fronteira, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicações e à preservação ambiental, definidas em lei".

           Inegavelmente, o gesto precipitado do ex-Presidente da República rendeu-lhe incontáveis aplausos da comunidade internacional. Até hoje, ainda continua ele usufruindo os louros da medida, curiosamente, até da parte daqueles que insistem em se posicionar como modernos, progressistas e defensores da ética e dos Direitos Humanos.

           Não se pode negar que a revisão dos critérios para a demarcação das reservas pode acirrar o debate num primeiro momento, mas, uma vez aprofundado esse debate, é possível que cheguemos a um consenso. Existe terra suficiente na Amazônia para brancos e para índios. O que é preciso ser feito é uma distribuição racional. O que não é lógico é que se dê milhões de hectares -- mais de três Bélgicas -- a um pequeno grupo de índios.

           Inegavelmente, a extensão foi superdimensionada. De outro lado, a área possui abundantes riquezas minerais, as quais, em virtude da demarcação das terras como reserva indígena, não podem ser racionalmente exploradas em benefício da região e do país. Essa situação entrava o desenvolvimento econômico, provoca permanente cobiça internacional e, ainda mais grave, gera uma onda constante de violência e morte relacionadas com a exploração ilegal daquelas riquezas.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos reduzir a questão da cobiça internacional a um plano secundário. Não se trata de paranóia nem muito menos do nacionalismo romântico que imperou no Brasil nos anos 50 e 60. Trata-se de fatos concretos, de discussões que estão sendo realizadas no seio das Nações Unidas, das chamadas missões religiosas e das inúmeras Organizações Não-Governamentais, as polêmicas ONGs, que atuam na Região Amazônica protegidas por poderes supranacionais e em nome de interesses ainda pouco conhecidos.

           Em 1993, surgiu na Europa um documento preparado por um grupo de especialistas das Nações Unidas que pretende dar às comunidades indígenas do mundo inteiro o direito à autodeterminação. Garantir ao índio o direito de se organizar livremente, de aspirar a maior participação e de ter maior autonomia é um dever do Estado. Todavia, o princípio da autodeterminação é extremamente perigoso para o Brasil e pouco realista para toda a comunidade indígena. O documento da ONU pode até refletir a realidade e as aspirações dos índios da América do Norte, mas nada tem a ver com a realidade indígena do Brasil.

           O direito à autodeterminação tem sido realmente uma reivindicação de comunidades indígenas dos Estados Unidos e do Canadá. Aqui, no Brasil, tal proposta geraria uma oposição frontal. O sentimento de soberania de grandes setores da sociedade brasileira sobre a Amazônia não é desprezível. Por isso, é preciso ocupar a região e explorar de maneira correta as suas riquezas. Será uma grande burrice histórica continuar vendo o nosso povo morrer miserável, sentado em toneladas de ouro, de cassiterita, de fosfato e de outros metais nobres.

           É completamente ingênua a tese de que não se pode mexer em nada na Amazônia. Tal posicionamento é fruto da ignorância, da total falta de conhecimento sobre a realidade da floresta, e nada tem de racional. Além disso, é um posicionamento que nasce fora do Brasil e não passa de uma grande farsa internacional. Eles desejam, na verdade, preservar o espaço do mercado madeireiro, mineral ou animal monopolizados pelos grandes grupos econômicos.

           É completamente fora de propósito bloquear imensas áreas e colocar em risco uma das mais ricas províncias minerais do mundo, província mineral essa de grande importância estratégica no mercado mundial de matérias-primas. Tampouco temos o direito de deixar dormir em berço esplêndido bilhões de dólares em recursos minerais que serviriam para desenvolver a região e tirar da miséria e da vida primitiva brancos e índios.

           Só o debate aberto e democrático será capaz de criar alternativas sólidas e contribuir para a edificação de uma Nação justa. Entendo que quase todos os brasileiros desejam que a soberania nacional seja mantida e respeitada, que os ianomâmis vivam dignamente e em paz e que as grandes injustiças que existem em nosso País sejam abolidas.

           Em minha visão de homem do Norte, a questão indígena merece uma grande redefinição. Em primeiro lugar, ela precisa ser colocada dentro do verdadeiro contexto nacional e indígena. Nesse sentido, os valores indígenas precisam ser protegidos, garantida a melhoria de vida das populações indígenas e promovida sem traumas, no caso dos índios aculturados, a sua integração ao conjunto da sociedade. Temos de admitir que é quase impossível distinguir indefinidamente apenas algumas dezenas de milhares de índios no universo de quase 157 milhões de habitantes com um nível cultural bem mais avançado.

           Em segundo lugar, não podemos ignorar a perigosa realidade implicada em termos o equivalente a onze por cento do território nacional já demarcado como área indígena ou em processo de demarcação. Não podemos nos esquecer tampouco de que toda essa terra abriga apenas menos de 300 mil índios e que, no caso das reservas dos ianomâmis, são quase 10 milhões de hectares para abrigar menos de 10 mil índios.

           As pressões internacionais são grandes no sentido de que seja mantida a atual reserva demarcada do povo ianomâmi. O Governo alemão, por exemplo, ameaça com o cancelamento de verba no valor de 20 milhões de dólares prometida para a demarcação de outras áreas. Pressões muito grandes está fazendo também o Conselho de Articulação das Organizações dos Povos Indígenas do Brasil, que reúne mais de cem ONGs de defesa dos direitos dos índios. Até a índia guatemalteca Rigoberta Menchú, prêmio Nobel da Paz em 1992, deverá desembarcar em nosso País para defender a manutenção de algumas aberrações, entre elas o atual território dos índios ianomâmis.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tamanho da Reserva Ianomâmi é um verdadeiro absurdo cometido contra a segurança nacional. As imensas riquezas lá existentes são o principal motivo do interesse de organizações estrangeiras e grandes empresas transnacionais em que se crie uma nação indígena na região. Para que o perigo não se transforme um dia em realidade, o Governo brasileiro precisa corrigir urgentemente esse ato insano que coloca em risco permanente a integridade territorial do Brasil.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1996 - Página 6427