Discurso no Senado Federal

REPUDIO A CHACINA DE TRABALHADORES SEM-TERRA NO MUNICIPIO DE ELDORADO DOS CARAJAS, NO ESTADO DO PARA. CRITICAS AO GOVERNADOR DO PARA, SR. ALMIR GABRIEL, PELO ENVIO DE POLICIAIS MILITARES DESPREPARADOS PARA A AREA DE CONFLITO. ENCAMINHANDO A MESA REQUERIMENTO SOLICITANDO A CRIAÇÃO DE UMA COMISSÃO EXTERNA DO SENADO FEDERAL, DESTINADA A AVERIGUAR, IN LOCO, A OCORRENCIA VIOLENTA EM QUE FORAM VITIMADOS CERCA DE 40 TRABALHADORES RURAIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REPUDIO A CHACINA DE TRABALHADORES SEM-TERRA NO MUNICIPIO DE ELDORADO DOS CARAJAS, NO ESTADO DO PARA. CRITICAS AO GOVERNADOR DO PARA, SR. ALMIR GABRIEL, PELO ENVIO DE POLICIAIS MILITARES DESPREPARADOS PARA A AREA DE CONFLITO. ENCAMINHANDO A MESA REQUERIMENTO SOLICITANDO A CRIAÇÃO DE UMA COMISSÃO EXTERNA DO SENADO FEDERAL, DESTINADA A AVERIGUAR, IN LOCO, A OCORRENCIA VIOLENTA EM QUE FORAM VITIMADOS CERCA DE 40 TRABALHADORES RURAIS.
Aparteantes
Coutinho Jorge, Eduardo Suplicy, Esperidião Amin, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/1996 - Página 6512
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • PROTESTO, VIOLENCIA, ATUAÇÃO, POLICIA MILITAR, CONFLITO, MORTE, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • JUSTIFICAÇÃO, REQUERIMENTO, CRIAÇÃO, COMISSÃO, SENADOR, INVESTIGAÇÃO, OCORRENCIA, LOCAL.
  • ANALISE, ORIGEM, CONFLITO, SEM-TERRA, ESTADO DO PARA (PA), DENUNCIA, ATUAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), DETALHAMENTO, ACORDO, FAMILIA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), OMISSÃO, GOVERNO, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA), NEGOCIAÇÃO, SEM-TERRA, RESPONSABILIDADE, DESPREPARO, POLICIA MILITAR.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também venho com muita tristeza à tribuna desta Casa, mas não poderia deixar de fazê-lo, para lastimar profundamente os acontecimentos ocorridos na tarde de ontem no meu Estado do Pará, onde a nossa polícia, a Polícia Militar, assassinou mais de 20 trabalhadores rurais, incluindo crianças, agindo com uma violência brutal e um total despreparo.

Neste momento, encaminho à Mesa um requerimento no sentido de que seja formada, de imediato, uma Comissão de Senadores para ir ao Estado do Pará, a fim de averiguar de perto os fatos e poder se manifestar com mais condições sobre o episódio.

Este requerimento foi resultado de uma conversa que tivemos com o Presidente José Sarney - vários Senadores, Deputados Federais e eu -, que inclusive solicitou à Aeronáutica a cessão de um avião, que está saindo hoje às 17h para Parauapebas e Marabá, para que essa Comissão de Senadores e Deputados possa se inteirar de tudo o que aconteceu e assim tomar as providências necessárias.

Quero registrar, Sr. Presidente, que tudo isso começou há dois anos e dois meses, quando a Companhia Vale do Rio Doce expulsou das suas pretensas terras duas centenas de famílias de trabalhadores rurais - a Vale do Rio Doce recebeu do Governo Federal 400 mil hectares, por uma concessão dada inclusive por este Senado Federal; e, em convênio com o Ibama, administra mais três reservas florestais e grilou outras áreas, totalizando 1.167 mil hectares no Estado do Pará. Se ela, sendo uma empresa estatal, faz isso, imaginem V. Exªs se um dia vier a ser privatizada?

A partir daí, esses trabalhadores acamparam em Parauapebas, às margens da entrada do Projeto Carajás. Passaram lá, acampados, resistindo, tentando convencer o Governo estadual e o Governo Federal a resolver o seu problema, durante mais de oito meses. Cansados de esperar, deslocaram-se para Marabá, onde invadiram a sede do Incra e lá ficaram por mais oito meses.

Lembro-me que, durante a campanha para Presidente da República, Lula e eu visitamos esses trabalhadores rurais, dentro da sede do Incra, em Marabá.

Posteriormente, foi feito um acordo no sentido de que eles voltariam para Parauapebas e lhes seria garantido o acesso a uma terra. Eles saíram então da sede do Incra, em um ônibus fornecido pela própria entidade, e voltaram a acampar em Parauapebas, onde esperaram por uma solução que não veio. O projeto em que se pretendia assentá-los situava-se a mais de 100 quilômetros de onde os sem-terra estavam e seria necessário fazer uma estrada para permitir acesso à área. Assim, os trabalhadores invadiram uma fazenda denominada Rio Branco, de 20 mil hectares, pertencente à família Lunardelli, proprietária de mais de 1 milhão de hectares na Amazônia. Esperaram uma solução que não vinha nunca, ocupando um acampamento à beira dessa fazenda.

O Sr. Francisco Graziano, quando presidente do Incra, com a nossa insistência e a atuação do Movimento dos Sem-Terra, decidiu resolver o problema definitivamente e comprou a Fazenda Rio Branco por R$8 milhões, quantia que talvez permitisse comprar cinco fazendas como aquela. Levantei essa questão à época e ele me disse que se esse ponto fosse levado em consideração não poderia desapropriar a terra, porque ele não teria como resolver o problema, já que fazer uma estrada para permitir a assentamento daquelas pessoas a 100 quilômetros de distância seria preciso gastar mais do que estava gastando com a fazenda. Diante dessas explicações, tivemos que aceitar aquele favorecimento que atendeu ao proprietário e, evidentemente, atendeu a uma parcela daquelas famílias.

Àquela altura, os trabalhadores rurais sem terra já tinham saído de Parauapebas e ido a pé até o Município de Curionópolis, onde tinham montado seu acampamento. Quando o Sr. Francisco Graziano esteve no Pará, em outubro do ano passado - eu o acompanhei - reunimo-nos com esses trabalhadores sem terra já naquele município, onde foi fechado um entendimento de que eles não invadiriam mais nenhuma fazenda, desde que o Incra e o Governo do Estado trabalhassem no sentido de resolver o problema das famílias que não foram atendidas naquele instante, que, na época, eram cerca de 400 - a Fazenda Rio Branco atendeu 250 e eles pretendiam a desapropriação da Fazenda Macaxeira que ficava nas proximidades também. Resultado: o Presidente do Incra, Sr, Francisco Graziano foi demitido e ninguém mais tomou providência alguma com relação ao assunto.

Esses trabalhadores acamparam numa propriedade da Prefeitura Municipal de Curionópolis, num lugar que não tem água, energia, num sofrimento completo e absoluto. De outubro do ano passado até hoje, nos últimos sete meses, esses trabalhadores rurais estão esperando uma definição do Governo Federal e do Governo do Estado do Pará e nenhuma solução foi dada.

Há poucos dias, esses trabalhadores decidiram fazer uma caminhada até Belém para reivindicar os seus direitos. E é evidente, diante das imensas dificuldades em que estavam vivendo, passando fome e necessidade, fizeram algumas coisas que não condizem com o comportamento normal. Infelizmente, diante da irresponsabilidade dos Governos, não tiveram outra atitude se não a de, por exemplo, saquear um caminhão para tomar o alimento a fim de atender as suas necessidades básicas. A partir desta caminhada e das suas ameaças, foi que o Governador do Estado e o Superintendente Regional do Incra começaram, então, a se manifestar no sentido de resolver o problema da Fazenda Macaxeira.

Ressalte-se aqui, Sr. Presidente, que no dia 2 de fevereiro, o dono da Fazenda Macaxeira, o pai do ex-Deputado Estadual Plínio Pinheiro, procurou-me pessoalmente, interessado em negociar com o Estado a venda da Fazenda. Eles não tinham mais interesse na Fazenda, estavam querendo vendê-la ao Estado à semelhança do que fizeram os donos da Fazenda Rio Branco, que receberam R$8 milhões por uma fazenda que não valia talvez R$3 milhões. E mesmo com a família Pinheiro interessada em vender a fazenda, a moleza, a irresponsabilidade e o desprezo dos governos para com esses trabalhadores fizeram com que sete meses se passassem a espera de uma solução para o problema.

E passaram numa marcha a pé de Curionópolis até Belém - quase 600 Km de distância. No caminho, pararam em Eldorado e exigiram ônibus do Governo para se deslocarem, porque estavam com mulheres grávidas, crianças, etc. E obstruíram a estrada na terça-feira pela primeira vez; houve uma negociação com a própria Polícia Militar; desobstruíram a estrada e deram um prazo até às 11h do dia seguinte para que a negociação fosse feita e a reivindicação fosse atendida, para que pudessem chegar a Marabá de ônibus. Infelizmente, não foram atendidos mais uma vez. E ontem, à tarde, obstruíram novamente a estrada e a partir daí começou a tragédia.

Quero dizer aos Srs. Senadores que tenho um respeito enorme pelo Governador Almir Gabriel; ajudei-o a se eleger como candidato a Governador do Estado, em 1990, quando fui eleito Senador e S. Exª Governador do Estado; estivemos juntos na campanha de 1990; em 1994, juntos novamente, só que desta vez vitoriosos.

Acredito que S. Exª é um homem de boa-fé, bem intencionado, um homem que tem vontade de ajudar o povo, que tem intenção de fazer um bom governo, mas foi imprudente; agiu de maneira irresponsável, já que conhece a polícia que tem e sabe que ela é incapaz, despreparada, mal remunerada. S. Exª sabe, também, que o Movimento dos Sem-Terra na região estava criando um ambiente de alta tensão. Os fazendeiros, os dirigentes da Federação da Agricultura do Estado do Pará estavam pressionando-o por uma ação mais drástica contra esses trabalhadores sem terra na região.

Portanto, o Governador não podia jamais dar a ordem que deu; em sua entrevista, há pouco, disse que era preciso desobstruir a estrada com jeito, com negociação. Como pôde mandar uma polícia completamente despreparada, pressionada pelas elites dominantes da região para desobstruir uma estrada da forma como foi feita? O Governador Almir Gabriel, meu companheiro, companheiro em quem tenho fé, não pode agora, Senador Coutinho Jorge, jogar toda a responsabilidade nas costas do Comandante Pantoja. Não pode. O Governador Almir Gabriel é responsável pelo que aconteceu. S. Exª não pode fugir a essa responsabilidade; não pode, porque deu uma ordem que sabia que não poderia dar. Tinha S. Exª consciência de que não podia fazê-lo. O seu Secretário de Segurança Pública é um despreparado. José Sette Câmara é um Secretário de Segurança Pública da época da ditadura.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Governador sabe que não poderia ter dado essa ordem. No entanto, S. Exª a deu. Tenho a certeza de que S. Exª não esperava que isso acontecesse, não tinha essa intenção. Mas a "exigência" das elites dominantes do Estado do Pará, das classes que falam na legalidade, no direito, exigiram que a lei fosse cumprida. "Tenho que cumprir a lei, tenho que fazer respeitar a lei, disse o Governador."

Que diabo de lei é essa que deixa o povo a morrer de fome, à beira das estradas deste País, num País que tem tanta terra, num País onde nossas terras estão nas mãos dos grandes proprietários? Sabemos que todos os bancos deste País têm terra no nosso Estado: Bradesco, Bamerindus, Itaú bem como todas as empresas construtoras: Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Cetenco Engenharia, Engenharia e Florestal. Nenhuma delas tem menos que 100 mil hectares de terra.

Que lei é essa que tem que se fazer respeitar porque foi obstruída uma estrada, porque aquele povo queria um direito que era seu, porque aquele povo estava sendo desrespeitado e desprestigiado ao longo de meses que passou acampado?

Essa história já dura dois anos e quatro meses; dois anos e quatro meses. Não é uma história que começou ontem ou anteontem. Portanto, o Governo foi omisso.

O Governador Almir Gabriel ressalta que não teve essa intenção. S. Exª não esperava, tenho certeza, que acontecesse o que aconteceu. A meu ver, foi mau político - mau político! -, um político sem visão do que é possível num momento como esse.

Tem político muito pior do que o Almir Gabriel que nunca deixou acontecer isso no Estado; governadores que o antecederam, que não podem ser comparados à sua dignidade pessoal, à sua moral, à sua forma de conduzir e de servir a política, souberam ser mais políticos do que o Governador Almir Gabriel. Por isso, S. Exª não pode ser isentado da responsabilidade, pois deu a ordem, a ordem que sabia que não poderia, em hipótese alguma, ser dada.

O Sr. Coutinho Jorge - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Ademir Andrade?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço V. Exª com satisfação.

O Sr. Coutinho Jorge - V. Exª, de forma indignada, lamenta o fato grave que ocorreu no nosso Estado. Inicialmente, antes de V. Exª, eu também, aproveitando o dispositivo regimental, mostrei o meu horror, a minha inquietação com o lamentável ocorrido no Estado do Pará. Posso afiançar e afirmar a V. Exª, uma vez que conhece muito bem o Governador Almir Gabriel, que é um grande democrata, um grande líder dos direitos humanos. Se estamos constrangidos, o Governador está muito mais do que nós. Consegui falar com S. Exª hoje, que está em situação realmente muito difícil. Esse assunto, de fato, é muito grave. Como Governador autorizou a ação da Polícia Militar, mas a informação dada por S. Exª e pela sua assessoria foi para que tudo ocorresse da melhor forma possível, em termos de entendimento, entendimento esse que vinha se dando há mais de 07 meses, como V. Exª frisou. Isso mostra de forma clara que a burocracia brasileira precisa mudar. Na época, como citou V. Exª, em que o Presidente do Incra Francisco Graziano esteve lá, parece que as coisas estavam andando. Decisões foram tomadas, áreas foram desapropriadas e, já no final, quando se colimava uma solução para outra fazenda, a burocracia emperrou o processo; o Governo Federal, talvez, sem a liderança no Incra e no Ministério da Agricultura, que pudesse solucionar o problema, não teve agilidade para evitar essa catástrofe. O Governador Almir Gabriel fez o que lhe foi possível. Concordo com V. Exª em que muito coisa poderia ter sido evitada, mas como Governador ele deu uma orientação e uma decisão rigorosa que, lamentavelmente, a sua Polícia despreparada não soube acatar. E quando surge o primeiro tiro, não se sabe de onde vem e quais as conseqüências posteriores. Lamento o ocorrido. Comungo da inquietação e da indignação de V. Exª, conforme já fiz referência anteriormente. Sei que, lamentavelmente, o nosso Governador Almir Gabriel está constrangido por esse fato tão grave ter ocorrido em seu Estado, por ser ele um grande defensor dos direitos humanos, cauteloso em todos esses assuntos que envolvem os interesses da comunidade e conflitos. Tal fato poderia ter ocorrido em qualquer parte do Brasil: no Paraná, em São Paulo. Lamentavelmente, ocorreu com um Governador que, historicamente, tem sido um grande defensor dos direitos humanos. Portanto, S. Exª tem que se penitenciar e, talvez, rever a sua estratégia junto às negociações futuras que, por certo, meu caro Senador Ademir Andrade, se o Governo Federal, se os Governos Estaduais, se os governos, enfim, não se unirem na busca de uma solução para o problema fundiário dos nossos Estados do Brasil, é claro que esse fato vai-se repetir em todo o País. Não tenho dúvida. Endosso e acompanho as suas inquietações.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Ademir Andrade?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Vou registrar, antes de ouvi-lo, Senador Eduardo Suplicy, o seguinte: vi a entrevista do Governador há poucos instantes. Ele mesmo confirmou que os policiais que saíram de Marabá - foi feito um verdadeiro cerco; saía um grupo de policiais de Paraopeba; outro grupo policial de Marabá - pegaram esses trabalhadores rurais no meio do caminho: uns de um lado, outros do outro. Ele acabou de confirmar que esses policiais estavam sem identificação, nobre Senador Coutinho Jorge; nem os comandantes, nem os soldados tinham a identificação, obrigatória, do Policial Militar. Ora, se estavam sem essa identificação é porque havia premeditação para o ato que foi realizado. Não há a menor dúvida disso.

Por que policiais militares estavam sem identificação quando a lei os obriga a andar com ela? Essa polícia prendeu a equipe da TV Liberal - prendeu a equipe, os equipamentos e tomou suas fitas, que ainda estão desaparecidas. O Governador Almir Gabriel determinou a devolução do equipamento e das fitas, mas estas, até agora, não apareceram. Por que, então, a repórter Marisa Romão e o repórter Jozias Carreiro foram presos dentro do ônibus? Havia um caminhão carregado de munição, nobre Senador Coutinho Jorge. Por que um caminhão carregado de munição para uma operação dessa espécie?

Penso que o Governador Almir Gabriel não costuma ouvir os outros, não costuma chamar seus parceiros de Governo para o ajudarem a definir questões que, muitas vezes, ele não pode definir.

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte?

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Nobre Senador Ademir Andrade, comunico a V. Exª que o seu tempo está esgotado.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Sr. Presidente, peço a V. Exª que, em função da importância do evento, me conceda mais cinco minutos, a fim de que eu possa ouvir os apartes dos nobres Senadores Eduardo Suplicy, Esperidião Amin e Marina Silva. Peço a S. Exªs que sejam breves.

O SR. PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - A Presidência concederá mais cinco minutos a V. Exª, em face da importância de seu pronunciamento.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço a V. Exª.

Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Ademir Andrade, quero solidarizar-me com seu sentimento de indignação, de busca de justiça e de estranheza com respeito à própria expectativa de todos aqui que convivemos com o Senador Almir Gabriel. S. Exª é extremamente sensível às questões sociais, capaz de sofrer com o drama da população brasileira e estar sempre extremamente preocupado e voltado para a busca de soluções; conseguiu ser eleito Governador do Estado do Pará numa disputa democrática e, infelizmente, hoje, se vê diante de verdadeira tragédia: policiais realizaram uma operação armada contra centenas de trabalhadores sem terra desarmados, ainda que pudessem ter um instrumento ou outro, ainda que pudessem estar ali sinalizando a sua vontade de que neste País se realize a reforma agrária, o assentamento e a definição das áreas desapropriadas com maior rapidez do que tem sido feito. Mais uma vez, Francisco Graziano tinha e continua tendo razão: a reforma agrária é a obra inacabada mais importante deste País. A sua voz, entretanto, está deixando de ser ouvida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Dia 08 de abril, o Movimento dos Sem-Terra encaminhou ofício a Sua Excelência, pedindo audiência. Solicitei atenção para esse ofício ao Dr. Lucena Dantas, quinta-feira passada. Novamente hoje, reiterei o pedido. Parece que para o Presidente da República é mais importante ouvir os banqueiros, os empresários, os homens de negócios, as pessoas que nos visitam, os chefes de Estado; mas para os sem-terra, para os cidadãos sem direito à cidadania neste País não há hora, não há tempo, não há senso de urgência. Depois, repetem-se fenômenos como a tragédia de Corumbiara, que deveria ser a última. Por que ora em Rondônia, ora no Acre, ora no Paraná, ora em Sergipe, ora em Minas Gerais, e agora no Pará, repete-se o abuso da violência por meio das polícias militares? Parece que está havendo aí uma ação coordenada, que sai do controle de Governadores como Almir Gabriel. Temos aqui Senadores que já foram governadores, como o Senador Esperidião Amin, que tantas vezes também passaram por momentos de tensão. Claro que essas situações tensas são difíceis, mas é preciso prudência ao se mandarem policiais, que carregam armas, irem confrontar-se com trabalhadores do campo. Senador Ademir Andrade, é preciso se dar um basta a essa tragédia que, infelizmente, se repete, e se repete, e se torna cada vez mais grave no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Sua Excelência parece ter se esquecido das palavras que proferiu em seu último pronunciamento como Senador, já eleito Presidente, quando disse do seu compromisso de realizar a justiça neste País, de promover, de forma rápida, a reforma agrária!

O SR. ADEMIR ANDRADE - Muito obrigado, Senador. Ouço o Senador Esperidião Amin.

O Sr. Esperidião Amin - Desejo apenas traduzir a minha consternação, como Senador e ex-companheiro de Casa do atual Governador Almir Gabriel, que, por ironia do destino, vive momentos muito graves à frente do Governo do seu Estado do Pará. A minha consternação é também a de um cidadão e homem público visceralmente comprometido com a questão fundiária. Represento um Estado que, ainda hoje, ostenta um índice razoavelmente satisfatório de divisão da terra. As pequenas propriedades estão vivendo momentos muito difíceis, problemas de terras, mas é um Estado que tem uma história carregada de sangue exatamente por causa da questão da terra. O mais irônico: é uma histórica não-divulgada, cujo ápice ocorreu entre 1912 e 1916, quando milhares e milhares de posseiros - nessa época a população do Estado era muito pequena - foram banidos de suas terras por uma multinacional e, no final, se viram confrontados com as Forças Armadas brasileiras - um episódio histórico que não pretendo aqui resumir. Por causa desse compromisso, com a convicção de que mais importante do que aumentarmos a riqueza do País é aumentarmos o número de donos dessa riqueza - não só o volume, mas também o número de acionistas dessa riqueza -, gostaria de oferecer apenas minha consternação e sugerir que o Senado, passado esse momento de impacto e de dor do fato, se debruce com seriedade e com seqüência de trabalho sobre a questão fundiária.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Muito obrigado, nobre Senador Esperidião Amin.

Concedo o aparte à nobre Senadora Marina Silva, com muito prazer.

A Srª Marina Silva - Agradeço, nobre Senador Ademir Andrade, e serei breve, porque pretendo falar pela Liderança do PT logo em seguida. Observando V. Exª e o nobre Senador Coutinho Jorge, fico imaginando como V. Exªs devem estar se sentindo com o problema que aconteceu em seu Estado. Para mim também é motivo de sofrimento: primeiro, pelas vidas que ali foram ceifadas; segundo, porque acho que o destino está sendo muito perverso. O Senador Coutinho Jorge disse que isso poderia ter acontecido em qualquer Estado, menos no Pará, por causa da tradição e da trajetória do Governador Almir Gabriel. Acho que isso não poderia acontecer em lugar algum do Brasil. Sei que não foi essa a intenção do Senador Coutinho Jorge. Tragédias como a de Corumbiara, a da Fazenda Manah e a que ocorreu agora - V. Exª mesmo denunciou aqui, logo após Corumbiara - são tragédias muito grandes, porque envolvem pessoas que, embora sejam de outros Partidos, têm uma grande contribuição a dar à Amazônia. Tenho muita esperança no Governo do Capiberibe, do PSB; tinha muita esperança e respeito pelo Governo do Valdir Raupp, do PMDB, no Estado de Rondônia, havia boa vontade; e o Governo do Estado de V. Exª, o Pará, por mais problemas que tenha com o meu Partido, tem à sua frente um homem de bem, um homem sério. No entanto, esses dois Governos estão envolvidos em tragédias, e acho que dificilmente conseguirão limpar os seus nomes, os nomes dos seus Estados. Aí há um alerta: se Corumbiara não bastou para alertar os Srs. Governadores para o fato de que eles não têm controle sobre suas polícias, de que eles são reféns dessas polícias, é preciso que se tome cuidado. Muitas vezes, um homem de bem, imbuído de bons propósitos, ainda que com erros, torna-se presa fácil desse tipo de atitude de policiais inescrupulosos. No Norte e no Nordeste, infelizmente, criaram mais uma patente para aqueles que estão à frente do ato de polícia: existem o soldado, o policial, o tenente, o coronel - não sei muito sobre essa hierarquia -, mas lá o que vale mais é o que chamam de cabra-macho. Acho que o Brasil e a Amazônia não precisam mais de machos que têm que provar a sua macheza à custa da vida das pessoas, do contrário, se sentem desautorizados. O Brasil e a Amazônia precisam de homens com sensibilidade política, capazes de dar respostas aos problemas que estamos enfrentando. E o problema da terra é muito grave. Solidarizo-me com V. Exª. Gostaria muito que a nossa Amazônia deixasse de aparecer, para o mundo, sempre no papel de mártir, através de seus mártires. Estou indo para os Estados Unidos. Tive que fazer um esforço muito grande para listar o que estamos fazendo de bom no Brasil. Tive que fazer o mesmo em relação às coisas ruins, porque certamente me perguntarão sobre elas e terei que responder. Infelizmente, às vésperas da minha saída, mais uma coisa ruim, horrível, aconteceu para que o mundo dito civilizado nos veja como bárbaros.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Senadora Marina Silva, V. Exª definiu bem a situação. Infelizmente, o Governador Almir Gabriel caiu no erro de querer ser o macho, de querer fazer cumprir a lei, certamente pensando: "Esses desordeiros não podem obstruir as estradas do Pará!" Em vez de ouvir aqueles que são próximos dessa luta, em vez de chamar a Fetagre, em vez de nos chamar, de chamar deputados estaduais da área, que poderiam ir negociar, conversar, entender-se, resolver, finalmente, o problema, não: "Tenho que desobstruir a área, porque a Faepa está exigindo que eu o faça, porque os latifundiários do sul do Pará estão exigindo que eu o faça, e tenho que mostrar a minha autoridade de Governador mandando desobstruí-la." E a conseqüência foi a morte de dezenas de trabalhadores humildes no nosso Estado do Pará.

O Sr. Carlos Wilson - V. Exª me permite um aparte, Senador?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Se o Presidente permitir, concederei o aparte a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Senador Ademir Andrade, iríamos ler justamente agora o requerimento de autoria de V. Exª sobre o assunto. Os Srs. Senadores poderão se inscrever para encaminhar a votação.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço a V. Exª. Encerro as minhas palavras dizendo que a vida é um aprendizado, durante o qual vamos tendo que aperfeiçoar a sociedade com o sacrifício de vidas. Essas não foram as primeiras, provavelmente não serão as últimas. Mas que cada uma delas sirva para nos fazer mudar de atitude, compreender melhor e saber encaminhar melhor esse processo.

Repito aqui: tenho fé e confiança no Governador Almir Gabriel. Sei da sua boa intenção e do seu desejo de fazer as coisas certas, mas não posso eximi-lo da responsabilidade por esse fato. Não posso, porque S. Exª fez uma coisa que sabia que não podia fazer. S. Exª não gosta e não está acostumado a dividir responsabilidades, a ouvir os seus companheiros. Tenho sido companheiro do Governador Almir Gabriel; tenho procurado alertá-lo e ajudar o seu Governo em todos os lugares por onde ando no Estado do Pará. Eu o tenho defendido de acusações da população de uma maneira geral, mas S. Exª pouca importância dá às pessoas que fazem isso. Esse fato - repito - poderia ter sido facilmente evitado, se S. Exª tivesse ouvido Deputados estaduais e federais, como Socorro Gomes e Giovanni Queiroz, ou Senadores, como eu, que estou à disposição de S. Exª sempre que precisar de mim. Se S. Exª me chamasse: "Senador, estou precisando que resolva esse assunto", eu sairia daqui, com a maior tranqüilidade e boa vontade, para negociar, conversar e resolver o problema.

Infelizmente, o Governador tem responsabilidade por esses acontecimentos, embora não tenha sido essa a sua intenção. Estamos indo para lá agora, às 17h. Essa questão vai rolar por dias e dias, e alguém terá que pagar por isso. Creio que o próprio Estado do Pará terá que ser responsabilizado pela ação dessa polícia e terá que dar às famílias enlutadas desses trabalhadores rurais o direito que elas têm.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/1996 - Página 6512