Discurso no Senado Federal

COMENTANDO SOBRE A AGRESSÃO DA POLICIA MILITAR, OCASIONANDO A MORTE DE TRABALHADORES SEM-TERRA NO MUNICIPIO DE ELDORADO DOS CARAJAS NO PARA, NO MOMENTO QUE INTERDITAVAM A ESTRADA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTANDO SOBRE A AGRESSÃO DA POLICIA MILITAR, OCASIONANDO A MORTE DE TRABALHADORES SEM-TERRA NO MUNICIPIO DE ELDORADO DOS CARAJAS NO PARA, NO MOMENTO QUE INTERDITAVAM A ESTRADA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/1996 - Página 6519
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • PROTESTO, MORTE, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, PARTICIPAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DEFESA, REFORMA AGRARIA, FECHAMENTO, RODOVIA, LIGAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO, EXCLUSÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em nome do Partido dos Trabalhadores, venho protestar contra a chacina promovida pela PM do Estado do Pará, ontem, quando da caminhada de trabalhadores rurais sem terra para a manifestação denominada "Marcha sobre Belém", em favor da reforma agrária, quando foram vitimados 21 trabalhadores rurais.

Infelizmente, cito novamente uma frase do Deputado Estadual do PT pelo Rio Grande do Sul, Marcos Rolim, proferida quando fez um discurso em homenagem à memória dos desaparecidos políticos: "Seria chover no molhado se o molhado não fosse sangue."

E é sangue, Sr. Presidente, é sangue de Corumbiara, é sangue do Sul do Pará e de várias regiões deste País, o que parece ser uma rotina para as autoridades e para os meios de comunicação.

Com certeza, ao falar da chacina que ceifou 21 vidas, baleadas por metralhadora; ao falar de violência no campo, de assassinato de trabalhadores rurais, de conflito envolvendo polícia, Estado e trabalhadores, caberiam estas palavras: seria chover no molhado se o molhado não fosse sangue e se o sangue derramado não fosse o de 21 trabalhadores, sendo uma criança de três anos, e de aproximadamente 50 feridos, incluindo 8 mulheres grávidas.

O conflito aconteceu quando trabalhadores sem terra estavam interditando a estrada como parte das manifestações pela reforma agrária previstas na chamada "Marcha sobre Belém". Nesse momento, policiais desembarcaram de um ônibus, atirando para o alto, e os trabalhadores reagiram atirando paus e pedras.

Será que o Governo não vê que, num país com 32 milhões de pessoas passando fome, a questão da terra é fundamental? É mais uma mancha de sangue neste País, que não dá abrigo decente aos seus filhos. Quantas mortes ainda vamos chorar? Quantos mártires, quantos heróis iremos ter, muitas vezes à custa do sangue de inocentes?

Fiquei assistindo aos telejornais; não sei se o que disse o Presidente da República me deixou triste ou revoltada. Num momento de tanta dificuldade, o nosso Presidente disse mais ou menos o seguinte, num programa jornalístico de uma tevê de grande audiência: "Isso não é coisa do Brasil moderno: é coisa do Brasil arcaico e é intolerável."

Cabe-nos perguntar ao Presidente: "Onde podemos encontrar o Brasil moderno? Serão apenas os 32 milhões de incluídos, que têm condições de dar vida ao mercado, de reproduzir a economia e de dizer que realmente temos uma estabilização econômica? Será que o Brasil moderno é aquele dos que têm o que comer, dos que têm trabalho? O Brasil arcaico, Sr. Presidente, com certeza, deve ser o da grande maioria de excluídos, que têm de penhorar a própria vida para conseguir um pedaço de terra.

Fiquei muito triste, porque não consigo identificar o Brasil moderno da forma como o identificam as autoridades brasileiras. Infelizmente, o que temos é uma grande população que vive o lado do Brasil arcaico, do Brasil da senzala, do Brasil da espoliação, do Brasil do tronco. A casa-grande ainda não chegou ao Brasil. O Brasil continua sendo uma grande senzala e, como senzala, continua arcaico.

Sr. Presidente, quero também recordar a frase do Secretário de Segurança do Estado do Pará: é realmente lamentável, pois o Governador vai punir os excessos, mas o sul do Pará precisa de paz, e eles não iriam tolerar o abuso dos trabalhadores sem terra.

Se a reforma agrária tivesse sido feita, se Francisco Graziano tivesse dado curso ao que vinha tentando realizar à frente do Incra, com certeza os sem-terra não teriam motivo para fazer marcha sobre o Brasil.

Sr. Presidente, concluindo o meu pronunciamento, quero reproduzir aqui as palavras do Papa João XXIII:

      "Um ordenamento econômico-social, para ser considerado justo, deve tornar acessível ao maior número possível de homens a propriedade familiar. Daí, quando o bem comum o requer, o Estado tem não só o direito, mas a obrigação de proceder à reforma agrária, com o fim de realizar uma mais eqüitativa repartição de terra. A intervenção do Estado se faz necessária e urgente para eliminar as injustiças que agravam o campo."

A seguir, inspirado em um trecho bíblico, eu diria o seguinte: as aves do céu têm seus ninhos, os animais da terra têm as suas tocas, mas os filhos do homem não têm onde repousar a cabeça. E é a cabeça dos vivos que precisa ser preservada com dignidade, para multiplicar a vida, porque os mortos podem ser enterrados como sementes para apodrecer dentro dos seus caixões, na terra a que tanto aspiravam e que queriam usar para produzir, com a sua força de trabalho e de sua família.

Sinceramente, fico indignada com esses episódios. É lamentável que tenhamos que fazer discursos políticos sobre temas como esse. Infelizmente, em um país onde não se faz a reforma agrária, onde não se distribui renda e onde a modernidade não chega, temos que chorar em cima dos corpos dos que morrem nos troncos do Brasil, da senzala e, portanto, do Brasil arcaico.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/1996 - Página 6519