Discurso no Senado Federal

VIOLENCIA NO CAMPO E NAS CIDADES BRASILEIRAS.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • VIOLENCIA NO CAMPO E NAS CIDADES BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/1996 - Página 6554
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, PRECEDENCIA, ORADOR, ASSUNTO, VIOLENCIA, BRASIL, ORIGEM, POLITICA, GOVERNO, PRIORIDADE, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), OPOSIÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, HOMICIDIO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, ATUAÇÃO, POLICIA, EXECUÇÃO, CRIMINOSO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), VIOLENCIA, CONFLITO, SEM-TERRA, ESTADO DO PARA (PA), APOIO, DEFESA, INDIO, DISCURSO, BENEDITA DA SILVA, SENADOR.
  • SOLIDARIEDADE, VITIMA, VIOLENCIA, SISTEMA, EXCLUSÃO.

O SR. LAURO CAMPOS - (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve.

Os diversos oradores que se sucederam na tribuna do Senado na tarde de hoje falaram sobre o mesmo tema - a violência -, que está presente no Rio Grande do Sul, está presente no Paraná nas tentativas de ocupação de terra, está presente em Caruaru, onde 43 pessoas morreram, vítimas de nosso sistema de saúde, está presente no sul do Pará, onde um conflito com a polícia vitimou 29 pessoas que tentavam trabalhar na terra.

Eldorado significa esperança. Eldorado significa o trabalho do homem na terra para dela extrair riqueza e a essência da vida.

Também em São Paulo a violência existe. No pujante São Paulo, de onde esses fatos deveriam ter sido banidos, devido a essa modernidade absurda que está sendo implantada junto com essa estabilização esquizofrênica, no Pontal do Paranapanema esses fatos se sucedem, assim como no Bico do Papagaio, na Região Norte. E dizem que estamos no caminho da estabilidade e da modernidade.

Hoje na tribuna vários Parlamentares se sucederam, para tratar do mesmo tema: a violência brasileira. Dar US$5 bilhões a um banco é preparar o terreno não para o plantio da paz e da colheita da fraternidade; é plantar a semente da discórdia, é plantar a semente da desigualdade e da exclusão, que nós colhemos de ponta a ponta neste País. Entregar, quase de graça, a banqueiros que tiveram 14.260% de retorno na chamada década perdida, essa montanha de dinheiro é aprofundar essas discórdias.

Recordo-me das ligas camponesas, que, há muito tempo, queriam colocar em prática a Constituição brasileira de 1946, que assegurava a reforma agrária, e foram escorraçadas em suas tentativas. O problema continuou, e as populações desaterradas, expulsas da terra, desenterradas, fugiram para os grandes centros urbanos.

Hoje, a violência mudou de forma e de residência. A violência a que nos referimos, em suas várias manifestações, continua e se aprofunda. São 1.800 pessoas assassinadas por mês em São Paulo; são duas pessoas mortas por hora. No Rio de Janeiro, o General Nilton Cerqueira, que não obedeceu sequer às leis da guerra, à Convenção de Genebra - que exige que, mesmo em situação de guerra, o inimigo seja tratado com humanidade -, que matou friamente Marighela, no sul da Bahia, afirma, e os zonais repetem a ordem aos seus subordinados: atirem primeiro, quando invadirem os morros e quando perseguirem os bandidos. A mesma ordem foi dada para que atirassem primeiro, porque os sem-terra do Pará, os sem-terra de Eldorado, não tinham arma alguma. Eles não poderiam ter atirado primeiro, porque estavam completamente inermes, desarmados. E foram chacinados de maneira bárbara. Vinte e nove vítimas já ganharam a sua batalha, ganharam seus palmos de terra, ganharam sua cova, sua sepultura rasa. Quarenta aguardam o seu futuro. Aqui, ouvi hoje o testemunho da companheira Marina Silva, que discorre tão bem sobre as agruras, as contradições e os conflitos e a desumanidade com os quais ela conviveu com tanto sacrifício. Quando apertei a sua mão, e me despedi dela, senti que suas mãos estavam frias, muito frias. Não sei de onde ela vai retirar mais energia para continuar, nos Estados Unidos, a luta que ela sempre enfrentou com dignidade.

Em seguida, esta negra fantástica, esta nossa grande companheira, a Senadora Benedita da Silva, também trata deste assunto, escutando a voz de seu povo, conhecendo e se identificando com o extermínio que também pesou sobre a sua raça.

Fernando Henrique Cardoso, no seu livro sobre escravidão e capitalismo no Brasil, repetiu o que um sociólogo norte-americano havia dito: a origem da propriedade, que para muitos, inclusive para mim, está na base de toda esta ação violenta, a origem da propriedade, que é o roubo e a violência, afirma esse sociólogo, citado por Fernando Henrique Cardoso, com o qual ele concorda, que, na América, a propriedade é a origem do seqüestro dos negros da África e do seu translado para a América, onde, com seu sangue, se construiu a fortuna das Américas. De modo que não há dúvida alguma: querem acabar, consciente ou inconscientemente, tal como fizeram com os incas, com os maias e com os astecas, com as suas grandes culturas e riquezas, essa aurea sacra famis, essa fome sagrada do dinheiro, quer dizimar, sim, quer acabar, sim, com os índios e com as populações marginalizadas do nosso continente. Não tenho dúvida de que essa voracidade a que se referiu Cristóvão Colombo em carta das Antilhas ("O ouro é Deus. Abre todas as portas. Compra não apenas o poder na terra, mas também a vida eterna"), de que essa fome do dinheiro, fome da acumulação, fome midásica da rede bancária, de que essa vontade de acumular terras, de acumular fortunas, de acumular por meio do massacre e da exclusão é que une essas diversas formas e manifestações da violência.

Se isso é modernidade, prefiro as relações que os índios e os negros mantinham com a mãe-terra; sabiam amainá-la, conviver com ela. Melhor do que os ensinamentos da Bíblia, é saber que somos pó, voltaremos à terra, seremos terra um dia.

Essa terra, a que volveremos, infelizmente, está sendo tão barbaramente adubada com o sangue daqueles que não pretendem apropriar-se dela ou reservá-la para grandezas e riquezas futuras, mas apenas se relacionar com ela, usá-la sem agredi-la.

Parece que isso não é permitido dentro de um sistema que se diz civilizado, mas que, de norte a sul, traz e reafirma, a cada momento, em suas várias manifestações, a sua incivilidade, a sua agressividade, a sua brutalidade, a sua desumanidade.

O dia de hoje foi muito expressivo. Se não fosse a calma que o tempo vai nos dando, eu não sei se teria tranqüilidade para falar sobre este tema com a distância e a frieza que o tempo me permite fazê-lo. Se fosse há 10, 20 anos, tenho certeza que minhas palavras não seriam apenas estas.

Peço desculpas àqueles companheiros que morreram por não haver mais paixão em minhas palavras, por não demonstrar mais amor por eles que se foram. Mas garanto que se um dia a história não for de indivíduos que usam os outros para se perpetuarem numa história egoísta que reflete o nosso presente, se a história for realmente a história da humanidade, a história do homem em seu processo de aperfeiçoamento, de desenvolvimento, então, todos eles, de norte a sul, as vítimas de hoje serão os verdadeiros senhores da história do futuro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/1996 - Página 6554