Discurso no Senado Federal

ENDIVIDAMENTO AGRICOLA. PREOCUPAÇÃO COM AS DIVIDAS DOS PRODUTORES RURAIS NÃO SECURITIZADAS.

Autor
Jonas Pinheiro (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Jonas Pinheiro da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • ENDIVIDAMENTO AGRICOLA. PREOCUPAÇÃO COM AS DIVIDAS DOS PRODUTORES RURAIS NÃO SECURITIZADAS.
Aparteantes
Júlio Campos, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1996 - Página 6607
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, DIVIDA AGRARIA, COMPROMETIMENTO, SETOR, AGRICULTURA, VIABILIDADE, PLANO, REAL.
  • SOLICITAÇÃO, URGENCIA, DIFERENÇA, TRATAMENTO, AMPLIAÇÃO, VALOR, AUTORIZAÇÃO, PRORROGAÇÃO, DIVIDA AGRARIA, POSSIBILIDADE, QUITAÇÃO, PRODUTOR RURAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os planos econômicos implantados nos últimos anos provocaram, sistematicamente, um descasamento dos índices de correção dos financiamentos e dos preços dos produtos agrícolas e graves conseqüências no quadro da vida do setor agrícola, levando-o a uma crise sem precedentes.

Assim, o endividamento na agricultura atingiu níveis tão elevados que praticamente vem engessando e comprometendo esse estratégico e vital setor da economia brasileira e até a própria viabilidade e sobrevivência do Plano Real.

A securitização das dívidas agrícolas, acordada a partir de amplo processo de entendimento entre o Governo Federal, a Frente Parlamentar da Agricultura e o Senado Federal, e transformada na Lei 9.l38, de l995, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, viabilizou o processo de alongamento das dívidas dos produtores rurais, inclusive associações e cooperativas.

Sem dúvida, ao possibilitar que os produtores rurais, com débitos até R$200 mil, paguem suas dívidas, no prazo de 7 a 10 anos, com carência de 1 a 2 anos, com juros de 3% ao ano e com equivalência-produto, está-se dando condições para que continuem produzindo, gerando emprego e riqueza, tão necessários para a sociedade.

Entretanto, Sr. Presidente, a securitização das dívidas agrícolas, nos moldes acordados, apesar de contemplar um universo de 220 mil produtores, possibilitará o alongamento de apenas 26% da dívida existente, deixando de lado cerca de 74% do seu montante.

Dessa maneira, cerca de três quartos da dívida do setor agrícola não serão contemplados no processo de securitização e somente poderão ser alongados após negociações com os agentes financeiros, com taxas que atingem 35% ao ano, em condições, portanto, absolutamente incompatíveis com a capacidade de pagamento e a própria lucratividade do setor.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, alongar dívidas dos produtores rurais, com taxas atingindo esse patamar, é simplesmente adiar o problema presente, visto que eles jamais poderão quitá-las com encargos tão elevados. Muito provavelmente, dentro de 2 ou 3 anos, a crise refluirá com maior intensidade e gravidade.

Aliás, o Conselho Monetário Nacional, ao regulamentar o processo de securitização, definiu que se poderá dar tratamento diferenciado às situações de concentração regional de endividamento agrícola.

Nesse caso, seria dada prioridade, para tratamento diferenciado, à região arrozeira do Estado do Rio Grande do Sul e à região sojeira do Centro-Oeste, em particular, do Estado de Mato Grosso, por serem essas regiões as que mais apresentam concentrações de endividamento.

No caso específico do Estado de Mato Grosso, o endividamento total do setor agrícola, em dezembro de 1993, era de R$900 milhões. Em dezembro de 1995, portanto, dois anos após, o endividamento atingia R$2,05 bilhões, num crescimento da ordem de 120%, em decorrência, sobretudo, do descasamento entre os índices de correção dos financiamentos e dos preços dos produtos agrícolas.

Esse endividamento corresponde a 48% do PIB do Estado de Mato Grosso, numa situação peculiar, já que o Estado tem 70% de sua economia assentada na agricultura.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JONAS PINHEIRO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Jonas Pinheiro, não há atividade econômica, exceto a financeira, que tenha esse rendimento. Uma atividade que gera alimentos e que permite a este País exportar excedentes não consegue acompanhar a velocidade do crescimento da dívida. O problema que V. Exª levanta é realmente preocupante, todos nós sabemos, e é preciso que o governo dirija suas vistas para o setor primário, que sustenta todos os demais.

O SR. JONAS PINHEIRO - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna.

Esse programa de securitização da dívida dos agricultores vem resolver, principalmente, o problema social, o problema dos pequenos devedores, aqueles que devem até R$200 mil. Esses vão conseguir securitizar a sua dívida, isto é, transformar em produto e pagar com 7 a 10 anos de prazo, com 1 ou 2 anos de carência. Esses produtores, com certeza, vão continuar no processo produtivo, porque seu problema está devidamente resolvido. Entretanto, aqueles que devem acima de R$200 mil, e, em termos de Brasil, isso representa 74% da nossa agricultura, continuarão em dificuldades. No nosso Estado, o Mato Grosso, isso complica, porque aqueles que devem acima de R$200 mil representam 80% da agricultura do Estado; a dívida desses produtores é muito maior. Portanto, esses continuam sem condições, uma vez que R$200 mil é pouco, em relação à dívida.

Devido ao perfil de produção no Estado do Mato Grosso, baseado na exploração de grandes módulos, onde 80% das lavouras estão em áreas individuais superiores a 1000 hectares, a securitização, até o limite de R$200 mil, contemplará somente 20% da produção, não abrangendo os produtores que são responsáveis por cerca de 80% da produção, que, somente de grãos, representa 6 milhões de toneladas no Estado do Mato Grosso.

Assim, no Estado de Mato Grosso, enquadram-se dentro do limite securitizável apenas R$400 milhões, restando cerca de R$1,6 bilhão, que somente poderá ser alongado mediante acordo com os bancos, cujas condições até então apresentadas são inviáveis para os produtores rurais.

Simulações estatísticas realizadas pelo Sindicato Rural de Rondonópolis mostram que os produtores que têm dívidas superiores a R$200 mil - portanto, não alongadas com equivalência-produto e taxas de 3% ao ano - necessitam, para quitar suas dívidas no sétimo ano, produzir oitenta sacos de soja por hectare e terão déficit, no período de sete anos, de cento e dezesseis sacos por hectare acumulado em sete anos, tal a elevação do montante dessa dívida.

Ora, será absolutamente impossível para esses produtores quitarem essas dívidas com tais condições, visto que a produtividade média atual da cultura da soja, por exemplo, no Estado do Mato Grosso é da ordem de 45 sacos por hectare e, inclusive, uma das mais elevadas do País.

Dessa maneira, Sr. Presidente, se os produtores rurais do Mato Grosso não receberem tratamento diferenciado no processo de alongamento de suas dívidas, estar-se-á, fatalmente, condenando esse importante segmento produtivo do Estado e, por conseqüência, a própria economia estadual, já profundamente combalida pelos reflexos da forte crise que atinge o setor agrícola.

Tal situação levou a que se deslanchasse no Estado de Mato Grosso um amplo movimento denominado "Mato Grosso quer pagar. Securização 100%", liderado pela Federação da Agricultura e pelo Sindicato Rural de Rondonópolis, que, com muita competência e profissionalismo, desenvolveu profundos estudos sobre o endividamento do setor agrícola no Estado e suas conseqüências.

Esses estudos foram apresentados detalhadamente aos integrantes da Frente Parlamentar da Agricultura e à Equipe econômica do Governo Federal, que já tem, portanto, pleno conhecimento dessa problemática.

Nesse sentido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apelo para que, com a máxima urgência, seja dado tratamento diferenciado para o alongamento das dívidas agrícolas nos bolsões de endividamento, ampliando nessas regiões o limite de R$200 mil para securitização dessas dívidas, de modo que os produtores rurais possam quitá-las com taxa de 3% ao ano, através do mecanismo da "equivalência-produto."

O Sr. Júlio Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JONAS PINHEIRO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Júlio Campos - Senador Jonas Pinheiro, estamos ouvindo com muita atenção o pronunciamento de V. Exª sobre a renegociação da dívida dos agricultores brasileiros. Trata-se de assunto bastante debatido nas duas Casas do Congresso Nacional, na imprensa e pelo próprio povo brasileiro, que viu, diariamente, o empobrecimento do nosso campo. Isso somado à punição aos produtores brasileiros traz conseqüências nefastas não só quanto à diminuição da capacidade de produção do País. Tal política punitiva do sistema bancário brasileiro, com relação aos financiamentos da nossa agricultura, já proporcionou uma queda de mais de 10% da nossa produção nacional, nesta safra de 1996. O nosso próprio Estado do Mato Grosso, que, no ano passado, conseguiu colher uma safra de cerca de 7,7 milhões de toneladas de grãos, num total de quase 10% da produção nacional, chegando a quase 80 milhões de produção de grãos, este ano, vai colher pouco mais de 6 milhões. Isso significa menos alimento para o povo brasileiro e menos capacidade de exportação dos nossos produtos, principalmente do nosso Estado, que é grande produtor de soja. Ele traz em termos de divisas comerciais para o País cerca de US$4 bilhões/ano. E, realmente, o programa que foi aprovado pelo Governo Federal, pelo Ministério da Agricultura e pelo próprio Banco do Brasil, para renegociação da dívida dos nossos produtores, com a palavra mágica de securitização, para o nosso Estado abrangeu menos de 30% dos nossos produtores. A economia dos Estados do Centro-Oeste e da própria Região Amazônica é, muitas vezes, diferente da economia do Centro-Sul ou do Nordeste brasileiro. Um programa de renegociação da dívida até R$200 mil pode significar muito para o produtor nordestino, para o produtor gaúcho, para o pequeno e microprodutor, mas para o produtor do Centro-Oeste não significa nada. Tanto é verdade que V. Exª, no seu pronunciamento, esclarece que 74% dos produtores mato-grossenses não foram beneficiados com essa política da securitização da nossa dívida. Com isso, mais de dois terços, ou seja, 75% dos nossos produtores estão aguardando uma nova política, que virá futuramente. Lastimo a insensibilidade do Governo Federal em não estudar, neste instante, um novo programa, ou seja, estudar caso a caso, Estado por Estado, região por região. Não podemos comparar um cidadão que produz soja com um cidadão que produz arroz ou milho; tampouco comparar o produtor do Mato Grosso com o produtor de Santa Catarina, onde os proprietários rurais são pequenos e onde há milhares de produtores somando uma grande produção. No Mato Grosso, temos não tão grande número de produtores, mas grande produção sendo colhida pelos médios produtores mato-grossenses. Portanto, deixo neste instante a minha solidariedade a V. Exª. Mais uma vez, volto a dizer que lastimo os juros assassinos existentes neste País, com relação ao comércio, à indústria, ao povo brasileiro, principalmente ao agricultor. Por onde viajo, no mundo inteiro, Senador Jonas Pinheiro, como engenheiro agrônomo, como professor de Agronomia e como produtor rural, procuro saber a respeito dos juros que se pagam para o financiamento agrícola. Na maioria dos países, eles são subsidiados, incentivados pelo Governo, ou, então, o máximo de 5% ao ano. Aqui, no Brasil, como V. Exª provou, se essa taxa que está aí continuar, ela ultrapassará a 30% ao ano, o que é um absurdo. Não há como pagá-la; com isso, cada vez mais, a agricultura será prejudicada, provocando o êxodo rural. O cidadão deixa de ser produtor; vem, então, para as cidades, inchando-as; depois volta para o campo como sem-terra, causando um problema seriíssimo, como o que ocorreu nas últimas 48 horas no Estado do Pará. Foi um verdadeiro massacre o que a Polícia do Pará fez com os integrantes do Movimento dos Sem-Terra. Tal assunto deve ser debatido, nesta Casa, com urgência, porque é um tema palpitante em nível nacional e internacional. Os países que não simpatizam com o Brasil, os nossos inimigos, já estão fazendo um escândalo na imprensa internacional sobre mais esse genocídio que ocorreu em nosso País. Portanto, nobre Senador Jonas Pinheiro, tem V. Exª a minha solidariedade integral e o nosso apoio no sentido de começarmos, imediatamente, um movimento para que os agricultores mato-grossenses e do Centro-Oeste tenham uma condição especial na renegociação de suas dívidas. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento.

O SR. JONAS PINHEIRO - Nobre Senador Júlio Campos, muito obrigado, sobretudo, por suas palavras, que são sempre ouvidas e cheias de razão.

Esse programa de securitização da dívida dos agricultores brasileiros vem, de certa forma, resolver os problemas de grande parte dos agricultores brasileiros, já que todos serão beneficiados; 94% deles estão securitizando 100% de sua dívida, porque vão até R$200 mil. Os 6% que estão deixando securitizar a sua dívida são os maiores e equivalem, em termos nacionais, a 70% da produção agrícola.

No caso de Mato Grosso - e aqui eu gostaria de fazer uma pequena retificação no aparte do Senador Júlio Campos - 87% dos produtores terão suas dívidas securitizadas, porque estão dentro do limite dos R$200 mil. Porém, os 13% restantes, ou seja, os que não securitizarão 100% de suas dívidas porque ultrapassam o limite de R$200 mil representam 80% do total da produção brasileira. Coincide, também, com o tamanho da área cultivada dentro do Estado de Mato Grosso.

Por aí vemos o quanto produzem os mato-grossenses, sobretudo os gaúchos, os paranaenses, os catarinenses, os brasileiros de modo geral que vão para Mato Grosso porque conhecem a potencialidade do cerrado mato-grossense e os preços baixos da terra para os padrões de outras regiões do País. Eles produzem e produzem bem. Nenhum lugar no Brasil e poucas partes do mundo têm uma produtividade tão grande quanto o Centro-Oeste do Brasil.

Sem dúvida nenhuma, o dia em que tivermos condições de estabelecer uma política adequada para o agricultor brasileiro, de fornecermos a infra-estrutura adequada para a produção que pode ser gerada no Centro-Oeste brasileiro, com certeza esse grande celeiro que é o Centro-Oeste vai participar ativamente do grande objetivo de diminuir a fome dos povos da nossa terra.

Portanto, a securitização foi muito bem planejada e vai ser bem executada. Preocupam-nos exatamente aqueles que estão fora da securitização. Ora, já falamos aqui que quem está securitizando a sua dívida o faz com a equivalência/produto, com prazo de 7 a 10 anos, conforme capacidade de pagamento, com 1 ou 2 anos de carência, conforme a capacidade de pagamento, e com 3% de juros ao ano. Quem não o faz tem que pagar juros que chegam até 35% ao ano, sem prazo de carência e sem aquele prazo para pagamento da sua dívida.

Portanto, o que estamos tentando - na esteira do brilhante trabalho feito pelo Sindicato Rural de Rondonópolis, pela Federação da Agricultura e pelas entidades que cuidam do setor da agricultura no nosso Estado - é provar que os que não vão securitizar suas dívidas serão extremamente apenados e vamos ter, em conseqüência, uma queda da produção no Estado de Mato Grosso, no Centro-Oeste e também no Rio Grande do Sul.

Alerto, ainda, para a necessária urgência dessa decisão, para que se possa normalizar a situação dessas regiões produtoras e, assim, assegurar que os produtores rurais dêem continuidade às suas atividades, sobretudo pelo fato de que em breve terão que tomar as suas decisões e iniciar os preparativos para a próxima safra agrícola, para a felicidade do Brasil e para a sustentação do Plano Real.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1996 - Página 6607