Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONFLITO ENTRE OS SEM-TERRA E A POLICIA NO ESTADO DO PARA, OCORRIDO RECENTEMENTE.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONFLITO ENTRE OS SEM-TERRA E A POLICIA NO ESTADO DO PARA, OCORRIDO RECENTEMENTE.
Aparteantes
Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1996 - Página 6611
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, BUSCA, ACELERAÇÃO, REFORMA AGRARIA, EQUIDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, OFERECIMENTO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, SAUDE, EDUCAÇÃO, LAZER, COMUNIDADE, INTERIOR, VIABILIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, IMPEDIMENTO, CONFLITO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, POLICIA MILITAR, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA).

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, nobres colegas, em primeiro lugar, eu gostaria de deixar registrado os meus agradecimentos ao eminente Senador Bernardo Cabral, que gentilmente atendeu à nossa solicitação para permutar e assim podermos cumprir o nosso horário.

Sr. Presidente, eu não poderia viajar para o Sul do Brasil, para o meu Estado especificamente, que é Santa Catarina, sem deixar de fazer também, aqui de público, e em poucas palavras, um registro sobre o que ocorreu no Estado do Pará.

Todos estamos enlutados, Sr. Presidente; o Brasil está enlutado. E isso vem ao encontro daquilo que o Senador Jonas Pinheiro, aparteado por V. Exª, Senador Júlio Campos, há pouco abordou da tribuna desta Casa: os problemas que vivemos no campo do Brasil inteiro.

Digo, consternado, que todos estamos enlutados por aquilo que ocorreu, porque se trata de um problema social, um problema que diz respeito a um conjunto. Eu vivi na carne, quando Governador do meu Estado, problemas quase que idênticos, tentando encontrar caminhos, muitas vezes com ordem judicial, mas procurando evitar que a polícia fosse executar a sentença judicial, pois o problema social que iria causar às famílias e a muitas pessoas seria muito sério.

Eu vivia um drama: vamos ou não quebrar o Estado de Direito? Vamos ou não cumprir a ordem judicial? Como vamos dar equacionamento a isso, evitando derramamento de sangue?

Isso tem ocorrido várias vezes no País e em todos os lugares e chama a atenção para o fato de que devemos parar um pouco e cuidar daquilo que está a ocorrer a cada dia, do Chuí ao Oiapoque, do Atlântico aos países da fronteira ocidental do nosso País.

Ora, estamos vivendo problemas muito contundentes, fortes. É um clamor social que não nos permite passar um fim de semana tranqüilo e que nos obriga a pensar.

Parece-me que isso vem ao encontro daquilo que eu sempre defendia nas minhas caminhadas: a interiorização do desenvolvimento. Não sei se faço isso porque sou ligado a pequenos municípios, a pequenas comunidades. Aliás, continuo sendo eleitor de uma pequena comunidade. O meu município de modelo, de onde sou eleitor hoje, não tem mais do que 3.000 eleitores. É bem pequenininho. Voto lá desde o tempo em que, com 20 anos de idade, fui vereador e ia a cavalo da minha comunidade até a Câmara de Vereadores. A propósito, o meu Estado, Santa Catarina, hoje já tem aproximadamente 2,5 milhões de eleitores - talvez passe disso.

Acredito que a interiorização do desenvolvimento pode resultar no equilíbrio da distribuição de renda entre as regiões e também no equilíbrio na distribuição dos bens entre as pessoas. É preciso reduzir a desigualdade, que é tamanha hoje entre pessoas e entre regiões. É preciso proporcionar eqüidade.

A interiorização do desenvolvimento diz muito de perto a todos nós. Podemos ajudar a montar diques para a interiorização, ou seja, levar o emprego, as condições para o trabalho na terra, a saúde lá para o interior; levar a educação, também o lazer às pequenas comunidades, fazendo com que as pessoas que lá existem se sintam bem. O Governo pode criar mecanismos. O BNDES poderia muito bem usar o Banco do Brasil e, em vez de fechar agências do Banco do Brasil em pequenas comunidades, em pequenos municípios, treinar o pessoal do Banco para que, não só das 9h da manhã às 4h da tarde, mas também nos finais de semana, em vez de ir às AABBs, se reúna com a comunidade. Os funcionários do Banco do Brasil poderiam receber treinamento para isso, para ajudar aquelas pequenas comunidades menores do interior a encontrar caminho, na terra, na agroindústria, na produção, ajudando, assim, a criar saídas para essas comunidades. Esses funcionários do Banco do Brasil poderiam inclusive receber um quinhão a mais. Poderia haver um rendimento a mais para aqueles que ficam lá na frente, lá no interior, procurando levar e interiorizar o desenvolvimento e criar equilíbrio na sociedade brasileira. Acho isso fundamental.

Em vez de se fechar agências nas pequenas comunidades, que se feche aqui no Senado e em todos os outros lugares onde há agências em quantidade, para que essas pequenas comunidades possam ter essa assistência. Dessa forma, Sr. Presidente, estaríamos criando diques, represando, evitando o êxodo e o acúmulo de pessoas nas grandes cidades. Hoje, no Brasil, 75% da população está nas cidades, nos perímetros urbanos, e a tendência desse número é aumentar. Com isso, nas grandes cidades - tenho conhecimento disto, pois tenho vivenciado isso - existem sempre três grandes problemas: o saneamento básico, a habitação e a segurança. E repito: a segurança, a habitação e o saneamento básico.

Se conseguirmos fazer com que existam esses diques, essas represas, para que as pessoas fiquem no interior, ou para que as pessoas que residem nas grandes metrópoles sintam, com o tempo, até uma certa inveja - no bom sentido - daqueles que vivem nas pequenas comunidades, estaremos conseguindo o equilíbrio entre as pessoas e entre as regiões. Aí estaremos fazendo justiça no País inteiro, pois estaremos fazendo a distribuição da riqueza.

Precisamos fazer funcionar esses mecanismos, para irmos de encontro a fatos como esse que acaba de acontecer no Pará. É um problema social, e não podemos fugir disso.

Não só o Brasil, mas o mundo inteiro está comentando o que está ocorrendo no Pará. É muito problemático tudo isso. Precisamos, repito, criar mecanismos, o Governo tem que criar meios e colocá-los à disposição, para que possamos interiorizar o desenvolvimento e conseguir amenizar o que vem ocorrendo no Brasil como um todo nos dias de hoje.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Ernandes Amorim - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CASILDO MALDANER - Era esse o registro que eu queria fazer, e agradeço a bondade do Senador Bernardo Cabral. Antes, porém, de encerrar o meu pronunciamento, quero ouvir V. Exªs, a começar pelo Senador Ney Suassuna. Em seguida, ouvirei o Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª está fazendo um pronunciamento realmente espetacular como definição de causas. Sai o cidadão da área rural, deixa de ser produtor, vai para a cidade e passa a ser consumidor, aumenta o anel de miséria, passa a pressionar por emprego, moradia, e, o que é pior de tudo, termina jogado na marginalidade e criando problemas na área de segurança. Precisamos repensar o interior do País, os pequenos conglomerados, dar condições de saúde, educação, higiene e, inclusive, qualidade de vida ao cidadão, para que não aconteça o que está acontecendo, o inchamento das nossas cidades e um desequilíbrio total de distribuição da população em nosso País. Meus parabéns.

O SR. CASILDO MALDANER - Recolho com muita gratidão o aparte de V. Exª, nobre Senador Ney Suassuna.

Ouço o Senador Ernandes Amorim.

O Sr. Ernandes Amorim - Senador Maldaner, tivemos conhecimento de que o próprio Presidente da República diz que o Brasil é um país onde 75% da população é urbana. O Presidente da República tem conhecimento disso, mas ele próprio não tem um programa de governo para modificar esse quadro. Esta semana, estive, em meu Estado, acompanhando o Ministro da Agricultura e, em uma reunião com mais de 3 mil pessoas, cobrei publicamente, de S. Exª e do Governo Federal, a aplicação de recursos na área rural, justamente para dar condições aos agricultores de permanecerem nas suas propriedades e desenvolverem a agricultura. O Ministro disse que o Governo Federal teria destinado R$1,5 bilhão para a área agrícola, mas que só R$300 milhões teriam sido tomados emprestados pelos agricultores. Vemos que R$1,2 bilhão estão disponíveis, e, portanto, deve haver algum entrave para obtê-los, como juros altos. Deveria haver boa vontade dos próprios funcionários do Banco do Brasil; deveria haver um programa mais orientado para a população, para que ela fizesse uso desse dinheiro, porque R$300 milhões é pouco para a agricultura de um país que tem uma população faminta. O Governo Federal procura contribuir para minorar a situação da população doando cestas básicas e não sei o que mais, mas acredito que tudo isso é errado. O certo seria levar à comunidade esses recursos, investir na agricultura, facilitar o crédito. E o Ministro comentava que, quando o agricultor tinha vontade de pegar emprestado o dinheiro, não tinha avalista. Mas qual é o agricultor que tem coragem de pegar esses recursos com esses juros altos? Ontem tive uma decepção na Comissão de Assuntos Econômicos, onde se votou a convocação de um delegado da Polícia Federal para depor sobre a denúncia de que o Excel estava mandando dinheiro para fora do País ilegalmente: vi alguns Senadores quase brigarem para que ela não fosse aprovada. Não queriam a presença desse delegado de polícia para esclarecer essas irregularidades. Pedimos a criação de uma CPI para apurar os problemas dos bancos, mas, devido à conivência de muitos Senadores com esse sistema que está aí, ela foi anulada, não foi permitida. Nove Srs. Senadores, dentre os quais eu me incluo, entramos com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, buscando reativar essa CPI, e não conseguimos. Nesta Casa não está havendo interesse em contribuir para que mude essa política, para que sejam apuradas essas irregularidades, para que haja crédito barato para o agricultor, para quem quer produzir. O nobre Senador Bernardo Cabral lembra, muito bem, que há exceções. S. Exª assinou o requerimento solicitando a criação da CPI, que eu também assinei. Mas a intenção aqui é acobertar esse sistema econômico falido, e não se procura resolver esse problema, denunciar quem levou o dinheiro. Esses R$25 bilhões que o Governo Federal investiu na área bancária foram tirados do banco por alguém, porque esse dinheiro não saiu andando. Para se trazer um delegado aqui para apurar, já que o corporativismo dentro do Senado foi tanto que não se aprovou a CPI, ainda há barreiras entre Senadores. Quase houve uma segunda briga ontem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, de um Senador com o Presidente da Comissão, para se rever uma coisa que teria sido aprovada, que era a vinda do delegado para esclarecer o fato. O Senado deveria estar representando os Estados, com três Senadores para cada Estado. Deveria ser uma Casa de equilíbrio, que deveria estar decidindo em favor de esclarecer e apoiar o desenvolvimento. Mas ele não apóia o desenvolvimento. A maioria das palavras que falamos aqui não tem fundo, não tem objetivo. Mas vale a pena a lembrança de V. Exª, parabéns por tocar nesse assunto. É nesta Casa que têm de começar essas mudanças, é aqui que se tem que exigir que o Governo Federal dê apoio ao homem do campo e que leve energia para o campo, que leve saúde, segurança, e não permita isso que aconteceu no Pará. Reclamamos, aqui, o que aconteceu em Rondônia, mas a polícia até hoje está impune, nem sequer foi concluído o inquérito para punir os policiais de Rondônia. Mataram mais de 12 pessoas e não deu em nada. Se tivessem punido os policiais de Rondônia não teria acontecido o que aconteceu no Pará. Oxalá, a partir de agora, com essa mortandade e com esse escândalo internacional, o Governo Federal tome posição diferente, porque o que estamos vendo, atualmente, é o desgoverno à frente deste País.

O SR. CASILDO MALDANER - Veja bem, Senador, como os esquemas são complexos. Na verdade, todos eles têm o seu fundamento. Há uma gama de problemas no País que estamos a vivenciar, ecléticos. Eu mesmo, muitas vezes, chego até a pensar: ah! que se danem os bancos. Por que estamos aqui a querer salvá-los disso e daquilo? Que se danem, vamos tentar salvar aquilo que é de interesse da maioria.

Às vezes, ouço no meu Estado as pessoas perguntarem: "Mas, Senador, como vocês vão dar isso? Nós, os pequenos, agüentamos a grande massa do trabalho e mesmo do emprego produtivo do País e onde ficamos?"

Somos questionados, ouvimos isso nas bases e precisamos ser a ressonância dessas palavras.

Sr. Presidente, nobres Colegas, o que ocorreu no Pará foi uma conseqüência daquilo que existe. Precisamos buscar as causas, porque, senão, daqui a pouco vamos vivenciar o mesmo problema no Sul, não sei mais onde, aqui, acolá, e vamos continuar assim.

Então, parece-me que o fundamental é buscarmos acelerar a reforma agrária, procurarmos interiorizar o desenvolvimento, levarmos o que é melhor para as pessoas que moram nas pequenas comunidades, oferecer condições de trabalho, de saúde, de educação, de lazer nas pequenas comunidades, formarmos verdadeiros diques para, com isso, também ajudarmos a solucionar os problemas sociais graves que existem nas grandes metrópoles.

Esse é o meu modesto pensamento.

Faço este registro porque hoje todos estamos de luto pelo ocorrido no sul do Pará.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1996 - Página 6611