Discurso no Senado Federal

CONSTERNAÇÃO DE S.EXA. COM O INCIDENTE ENTRE A POLICIA E OS SEM-TERRA NO ESTADO DO PARA. LAMENTANDO O MASSACRE NO LIBANO PROVOCADO POR ISRAEL.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • CONSTERNAÇÃO DE S.EXA. COM O INCIDENTE ENTRE A POLICIA E OS SEM-TERRA NO ESTADO DO PARA. LAMENTANDO O MASSACRE NO LIBANO PROVOCADO POR ISRAEL.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1996 - Página 6613
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, VIOLENCIA, CONFLITO, POLICIA MILITAR, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO PARA (PA), NECESSIDADE, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, MORTE, SEM-TERRA, DEFESA, REFORMA AGRARIA.
  • MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, VITIMA, ATENTADO, ORIENTE MEDIO, NECESSIDADE, COMBATE, IMPUNIDADE, TENTATIVA, OBTENÇÃO, PAZ.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, tenho certeza de que o que me passa na mente neste instante é o mesmo que passa na mente de cada um dos Senadores. Em determinados instantes, melhor seria que o Parlamentar não ocupasse a tribuna, sobretudo quando ele confirma que o previsto poderia resultar em infausto acontecimento.

Quero relembrar que, há uns cinco meses, desta mesma tribuna, eu chamava a atenção das autoridades maiores da República para o problema dos sem-terra e registrava que aquele era um problema mais social do que de polícia. De um lado, os proprietários queriam a garantia daquilo que era o seu patrimônio e, de outro, tentavam ocupar a propriedade alheia - para não usar o termo "invasão" -, sob o argumento de que necessitavam de terra para viver.

Lembro-me de que, àquela altura, vários foram os apartes. Todos em uma linha que conduzia ao raciocínio de que o problema da terra era o único no nosso País que sempre vinha revestido com o sangue humano. Relembremos a Independência e a Proclamação da República: a primeira, um grito dado às margens do Ipiranga; a segunda, o Marechal em cima do seu cavalo. E nada houve que se pudesse retratar como chacina.

A terra sempre foi problemática. E quando eu me referia a isso, dizia que seria interessante que não apontássemos culpados, porque todos nós tínhamos a nossa parcela de culpa.

Dias depois, vim a esta tribuna com uma entrevista concedida pelo rabino Henry Sobel, sobre uma conversa que teve com Arafat, o líder palestino, sobre a paz no Oriente Médio. Relembrava ele, o rabino Sobel, que dificilmente a paz se concretizaria sem algum derramamento de sangue, tais as raízes que haviam traçado o caminho no Oriente Médio.

Todos nós, portanto, há algum tempo, tentamos pintar um quadro, sem retoques, com o que era possível de realidade, mostrando aonde poderíamos chegar.

Ontem, quando chegavam as primeiras notícias do massacre no Pará, tive a cautela - como sempre tenho feito ao longo da minha vida pública - de não tocar no assunto, pois precisava de dados maiores. Mas, hoje, a imprensa não só do País, mas também a internacional, abre manchetes com o título: "Vergonha!".

O que tivemos recentemente? As violências cometidas no Carandiru, na Candelária, em Vigário Geral, em Corumbiara, Rondônia. Todos elas formando os preparativos para o massacre de ontem, em Eldorado de Carajás.

Observem os eminentes Senadores que o registro feito pela imprensa, portanto, já devidamente confirmado o episódio, diz o seguinte:

      "Até as 24 horas de ontem, o total de pessoas mortas era 25 - muitas atingidas na cabeça por tiros de fuzil. Outras 40 ficaram feridas, seis delas em estado grave. Segundo depoimento de sobreviventes internados no Hospital de Marabá, algumas vítimas do confronto foram sumariamente executadas, entre elas o líder do movimento, Oziel Alves Pereira, 24 anos, morto com um tiro na testa, depois de ter sido algemado e espancado."

O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me permite um aparte, Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL - Eu o concederei em seguida, depois de me permitir V. Exª, eminente Senador Casildo Maldaner, que traga à colação o depoimento de uma figura que geralmente se mantém à distância desses acontecimentos, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Sepúlveda Pertence.

Disse a imprensa que o Supremo Tribunal Federal chegou ao ponto de criticar - esse é o verbo -, em nota oficial, a vontade política do Governo para fazer a reforma agrária.

Diz S. Exª: "Os brasileiros, além de consternados, estão envergonhados com a brutalidade do fato" - palavras da mais alta autoridade judiciária do País.

E, acompanhando a declaração de S. Exª, vem a de 260 bispos que participam da 34ª Assembléia Geral da CNBB. E o próprio Presidente da República considerou o episódio "inaceitável e injustificável".

Todas essas declarações perdem o conteúdo com as três linhas ditas pelo médico plantonista no Hospital de Curionópolis, no sul do Pará, que atendeu as vítimas da chacina: "Nunca vi nada igual. Foi um massacre abominável, selvagem". Essas três linhas, mais do que qualquer crítica que se possa fazer, mais do que qualquer solidariedade que se possa adiantar, representa o quadro dantesco.

O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Casildo Maldaner - Senador Bernardo Cabral, se eu soubesse antes que V. Exª abordaria esse tema, não teria pedido, na ordem de inscrição, a permuta que me facultou falar antes. Fiz o pedido em função do horário da minha viagem. No entanto, repito, eu teria viajado se soubesse do pronunciamento de V. Exª, completo, amplo, e do qual o meu é apenas um apêndice.

O SR. BERNARDO CABRAL - Não apoiado.

O Sr. Casildo Maldaner - Fico imensamente grato a V. Exª. O próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal disse: "estamos consternados". Concordo: estamos enlutados; o Brasil está enlutado. V. Exª traz as manchetes dos jornais de todo o mundo. Lendo-as, podemos constatar que aquilo que aconteceu no Oriente mistura-se com o episódio do sul do Pará. Estamos mais ou menos entrelaçados no cenário internacional. É duro, mas como disse o Presidente do Supremo, estamos consternados. Na verdade - repito - estamos enlutados. Vou viajar agora, mas já o teria feito se soubesse que V. Exª abordaria esse assunto. Eu nem sequer teria pedido a permuta, porque V. Exª analisa o tema com muito mais sabedoria e mais autoridade. Num contexto maior, V. Exª representa todos nós e o País sobre o drama que estamos a vivenciar. Lembro-me ainda de que V. Exª há cinco meses analisava as causas de acontecimentos como esse. Temos que buscar essas causas. V. Exª, segundo disse, não analisou ontem os fatos porque buscava mais subsídios, para vir à tribuna mais abastecido, mais capacitado.

O SR. BERNARDO CABRAL - Eminente Senador Casildo Maldaner, V. Exª, ao ter tratado da nossa permuta, fê-lo com propriedade. Comprova, isso sim, o quanto nós, aqui no Senado, estamos identificados em relação ao que queremos levar à Nação: apontar caminhos, indicar soluções. É muito fácil ocupar a tribuna para criticar, sobretudo os que estão ocupando cargos no Executivo. Como V. Exª foi do Executivo, Governador do seu Estado - assim como o Senador Júlio Campos, que preside esta sessão -, sabe como é difícil encontrar solução num instante como esse. Por exemplo, não sei o que se passa hoje com o Governador Almir Gabriel. Mas posso registrar que S. Exª foi meu colega na Assembléia Nacional Constituinte e que em nenhum instante me passa pela mente que possa ser um homem violento. No entanto, em S. Exª, por estar no topo da pirâmide, sobrarão respingos de um acontecimento tão lutuoso; mas, no íntimo, para os que o conhecemos - e aqui me distancio de qualquer conotação político-partidária, porque muito fácil seria a crítica -, sabemos que não se pode dizer que um Governador de Estado daria ordem para que houvesse um massacre dessa natureza. De modo que a identificação dos pontos de vista me permite que lhe deseje uma boa viagem, dizendo a V. Exª que o aparte está incorporado ao meu discurso.

Sr. Presidente, quando eu lembrava o episódio ocorrido no Líbano - abordarei o assunto daqui a pouco -, dizia, referindo-me à entrevista do rabino Henry Sobel, com a união de todas as forças simbolizadas no líder palestino Yasser Arafat e no Primeiro Ministro Yitzhak Rabin, tão brutalmente assassinado, que era preciso que não nos esquecêssemos dos atentados anteriores.

Vou registrá-los agora, Sr. Presidente, porque ontem tivemos uma reunião com o grupo parlamentar Brasil-Israel, em que eminentes Senadores e Deputados participaram do debate - destaco o nobre Senador Jefferson Péres - com o Subsecretário-Geral para Assuntos da América e Caribe do Ministério de Negócios Estrangeiros de Israel, Dr. Herlz Inbar. Na oportunidade, o Subsecretário recebeu manifestações não só dos Senadores que ali se encontravam distanciados de qualquer ligação com descendência judaica, mas de um Senador sírio e de um Deputado Federal libanês.

Ao longo de toda aquela reunião, uma palavra pairava: paz. No entanto, Sr. Presidente, eminentes Senadores, observem a cronologia de atentados anteriores:

- no dia 21 de outubro de 1992, morre uma turista britânica e dois são feridos no ataque a um ônibus na província de Asiut;

- no dia 12 de novembro 1992, foram feridos seis alemães e dois egípcios num tiroteio contra o veículo em que viajavam, em Quena, a 700 quilômetros ao Sul do Cairo;

- no dia 26 de fevereiro de 1993, morrem quatro pessoas, entre elas um cidadão sueco e um turco, e dezenove ficam feridas com a explosão de uma bomba num café na praça central de At Tahrir, no Cairo;

- no dia 8 de junho de 1993, um morto e catorze feridos, entre eles cinco britânicos, que nada tinham a ver, num atentado contra um ônibus de turismo na Avenida das Pirâmides, no Cairo;

- no dia 26 de outubro de 1993, três estrangeiros - um francês, dois norte-americanos - e mais cinco são feridos depois de disparos de um suposto integrista, dentro de um Hotel Semiramis, no Cairo;

- no dia 23 de fevereiro de 1994, feridos mais seis turistas australianos e neozelandeses;

- no dia 4 de março de 1994, uma turista alemã fica gravemente ferida no Sul do Egito;

- no dia 26 de agosto de 1994, o menino espanhol Pablo Usan San Ambrosio, de nove anos, morre em um ataque integrista;

- no dia 27 de setembro de 1994, um homem abre fogo na entrada de um albergue no enclave turístico de Hurghada, no Mar Vermelho, e mata um alemão e dois egípcios;

- no dia 23 de outubro de 1994, um britânico morre e três ficam feridos num ataque contra um ônibus de turistas, próximo de Luxor, ao sul do Cairo;

- no dia 12 de janeiro de 1995, feridos dois turistas argentinos quando vários homens armados abriram fogo contra um trem próximo de Luxor.

Ontem, dia 18 de abril de 1996, a manchete do jornal mostra: "Terroristas egípcios matam dezoito turistas gregos" e relata que quatro desconhecidos, três homens e uma mulher, abriram fogo contra os turistas na entrada e dentro do Hotel Europa, que fica a cerca de 5 km das pirâmides de Gisé.

Segundo informa o jornal, invadiram o hotel e dispararam à queima-roupa nos turistas que esperavam na entrada, e principalmente nos que estavam no vestíbulo.

O que caracteriza as duas coisas? Qual é o elo de ligação entre a morte de turistas, de pessoas que nada têm a ver com atentados terroristas, que procuram aqueles países depois de sabe-se lá quantos sacrifícios nas suas economias, com aqueles outros inocentes que são dizimados?

O que parece, Sr. Presidente, é que há uma coisa em comum: a impunidade.

Ainda há pouco, o Senador Ernandes Amorim reclamava contra o fato de, no seu Estado, depois do terrível massacre de Corumbiara, até hoje não se ter notícia de uma solução.

Fácil seria nos reunirmos aqui e declararmos que os culpados seriam os titulares dos Governos, a nível federal, ou estadual, ou municipal.

Na minha ótica, todos nós temos uma parcela de culpa, sobretudo as Casas Legislativas. Temos que partir de uma premissa que seja verdadeira para que a conclusão não seja falsa. Qual é a premissa? A premissa no problema da terra é a reforma agrária.

Os projetos de lei ou as medidas legislativas que poderiam diminuir o prazo para que acontecimentos dessa natureza não se repetissem dormem nas gavetas - não se sabe pela pressão de quem, ou a favor de tal ou qual circunstância. O fato é que já se diz nos jornais que as polícias militares são financiadas por fazendeiros. Onde está a prova disso?

Onde reside, Sr. Presidente, a nossa parcela de culpa, que não queremos admitir?

É que na hora de se dar seqüência à retórica, que geralmente sempre é interessante - talvez esta mesma que aqui faço para se dar a ação -, ela fica paralisada no meio do caminho. E não há como se cobrar de um só órgão, ou do proprietário, ou do fazendeiro, ou do Presidente da República, ou do governador de Estado se não admitirmos que a parcela de culpa está no desempenho também dos Poderes.

E aí também se culpa o Judiciário, que demora, que tarda, como se não soubéssemos - porque isso já vem da época de Rui Barbosa, que dizia que a Justiça brasileira é "tardinheira": tardava e custava muito dinheiro -, como se desconhecêssemos que é difícil fazer com que a Justiça seja ágil, rápida, econômica e eficiente. Porque nem rápido, nem ágil, nem econômico, nem eficiente é nenhum dos três Poderes. Todos eles padecem de vícios de origem que vêm sempre deixando para depois a solução.

Observem que quando se falou aqui que a reforma agrária era um ponto fundamental, lembrava-me, orador da minha turma na Faculdade de Direito, em 1954, que lá no bojo do meu discurso havia uma frase que dizia: "é importante que agora se faça a reforma agrária". Quarenta e dois anos depois de formado, volto à tribuna, já envelhecido e encanecido, e vejo que não teve conseqüência a reforma agrária.

Quero, por isso, Sr. Presidente, lamentar não apenas o terrível massacre ocorrido ontem, mas também o massacre no Líbano, não se sabendo de que forma essa guerra pode desembocar na paz. Mas a grande realidade é que se todos nós não contribuirmos e ficarmos apenas nesta omissão - que pode ser vantajosa para uns, mas que será desastrosa para todos -, se não tomarmos uma medida séria, competente e oportuna quanto à impunidade, não poderemos culpar esse ou aquele.

No fundo, Sr. Presidente - e aqui concluo -, todos temos a nossa parcela de culpa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1996 - Página 6613