Discurso no Senado Federal

HOMENAGEANDO BRASILIA, SEUS FUNDADORES E CONSTRUTORES, NOS SEUS 36 ANOS. LAMENTANDO OS PREOCUPANTES SINAIS DE DEGRADAÇÃO URBANA NO DISTRITO FEDERAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO. :
  • HOMENAGEANDO BRASILIA, SEUS FUNDADORES E CONSTRUTORES, NOS SEUS 36 ANOS. LAMENTANDO OS PREOCUPANTES SINAIS DE DEGRADAÇÃO URBANA NO DISTRITO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1996 - Página 6620
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).
  • HOMENAGEM, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, FUNDADOR, BRASILIA (DF), COMENTARIO, HISTORIA, OBJETIVO, TRANSFERENCIA, LOCALIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO CENTRO OESTE.
  • APREENSÃO, ORADOR, AMPLIAÇÃO, FAVELA, DISTRITO FEDERAL (DF), NECESSIDADE, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), PRESERVAÇÃO, CONSERVAÇÃO, VALORIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 21 de abril, Brasília completará 36 anos de sua fundação. Nesta oportunidade, nesta semana do aniversário de nossa Capital, quero relembrar a figura inesquecível de seu fundador, o Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira; o seu primeiro Prefeito, Engenheiro Israel Pinheiro, que foi Presidente da Novacap; todos os seus dirigentes do passado e os atuais, para trazer a minha congratulação por esta data.

Nesta semana em que Brasília comemora 36 anos de sua fundação, estou aqui, um Senador por Mato Grosso, mas brasiliense de coração, para abordar um assunto ligado à Capital Federal do Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o inesquecível Presidente Juscelino Kubitschek decidiu mudar a Capital, do Rio de Janeiro para o Planalto Central, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento em toda a Região Centro-Oeste. A idéia de mudar a localização geográfica da Capital brasileira vem desde o Império, sempre baseada na interiorização do progresso. O conceito está inscrito em diversas Constituições brasileiras.

No dia 21 de abril de 1960, o Presidente Juscelino Kubitschek, com sua determinação, coragem e extraordinária capacidade de fazer política, conseguiu a proeza maior: inaugurou a nova Capital, numa festa que está gravada na memória de todos que dela participaram.

Brasília daquela época era uma cidade pequena, empoeirada, com temperatura mais baixa e muito calor humano. Os trabalhadores, os funcionários recém-transferidos e os profissionais liberais confraternizaram na Praça dos Três Poderes junto com um Presidente muito popular.

Ainda jovem, tive a honra de vir com meu pai, Júlio Domingos de Campos, na época Prefeito Municipal da cidade de Várzea Grande, correligionário político do Presidente JK. Meu pai pertencia ao antigo Partido Social Democrático - PSD, que dava sustentação política ao então Presidente. A convite do nosso Líder maior, o inesquecível Senador Filinto Müller, que pontilhou com honra a Presidência desta Casa por várias vezes, viemos em uma comitiva de homens e mulheres de Mato Grosso, em cima de um caminhão ou de ônibus, para trazer ao Presidente JK o abraço mato-grossense e os agradecimentos pela inauguração de Brasília, que iria influenciar muito no desenvolvimento de Cuiabá, Mato Grosso e do Centro-Oeste.

Tive a felicidade de assistir àquela primeira missa, celebrada pelo Cardeal de Portugal Dom Cerejeira, que veio representando Sua Santidade, o Papa daquela época.

Dentro de alguns dias, Brasília vai completar 36 anos de vida. É muito pouco tempo para uma cidade construir seus segredos, desenvolver suas manias e decidir sobre seu destino. Mas Brasília nasceu grande, do gesto primário de quem faz o sinal da Cruz. Nessas quatro décadas, assistiu a crises importantes e definidoras do Estado brasileiro. Viu todo o Movimento de 1964, que foi antecedido pelo fugaz parlamentarismo e pelo breve Governo do Presidente Goulart. Antes, havia assistido o brevíssimo período do Governo Jânio Quadros.

Em seguida, veio o endurecimento do regime militar, a crise de 1968 e os movimentos em favor da abertura, iniciados na administração do Presidente Ernesto Geisel. O Ato Institucional nº 5 foi revogado no dia 31 de dezembro de 1978. Chegamos ao Governo do Presidente João Figueiredo, já com os primeiros lampejos de uma plena democracia em nosso País. Em seguida, a posse de José Sarney na Presidência da República, precedida pela inesperada doença do saudoso e inesquecível Presidente Tancredo Neves, que viria a falecer, por coincidência do destino, em 21 de abril de 1985, data em que a cidade completava 25 anos. O Brasil passou, ainda, pelo impeachment do Presidente Collor, pelo período do Governo do Presidente Itamar Franco, até desembocar na paz relativa do atual Governo honrado do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Brasília, a Capital, sobreviveu a todas as crises. Sua arquitetura, moderna, arrojada e inovadora, foi capaz de absorver os impactos, em suas largas avenidas, tanto dos movimentos militares quanto das massas populares que marcharam contra o Regime. A Capital, embora tão jovem, mais jovem que eu, este Senador, mais jovem que vários Senadores que compõem esta Casa, já tem uma longa história a contar, no capítulo da política. Este plenário, nos últimos 36 anos, foi o cenário de muitas dessas crises.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o futuro chega e nós não percebemos.

Estamos aqui reunidos, nas belas instalações do Congresso Nacional, no Senado Federal, onde há apenas 40 anos não havia nada. O Planalto Central era praticamente desabitado, sem comunicações nem vestígios de progresso.

Quatro décadas depois, tudo se modificou. Brasília se ligou ao Norte e ao Sul por estradas asfaltadas. O nosso aeroporto é o mais central do Brasil e já possui vôos internacionais. Está conectada a todo o Centro-Oeste e ao litoral.

O brasileiro descobriu o interior do seu País. Graças a Deus, o interior foi descoberto através de Brasília.

Pólos antes isolados, como Goiânia e Cuiabá, além de outras cidades do meu querido Mato Grosso, conheceram um desenvolvimento formidável. A agricultura floresceu, a indústria chegou na Região Centro-Oeste, as comunicações criaram oportunidades antes inimagináveis.

Se o Presidente Juscelino Kubitschek estivesse vivo hoje, iria ver o seu sonho realizado. Onde havia um deserto de homens, hoje há a efervescência de uma atividade econômica incessante. Isso ocorreu, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em apenas 40 anos. No espaço de uma só geração.

Não há país, no mundo ocidental, que possa mostrar um trabalho dessa magnitude. Houve, contudo, um preço elevado a ser pago pelo desenvolvimento. Brasília, esta cidade de apenas 36 anos, considerada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, apresenta preocupantes sinais de degradação urbana. Os últimos governos do Distrito Federal foram especialmente coniventes com as invasões e com a migração predatória. A cidade está se favelizando rapidamente, além de, ao seu redor, estar se estabelecendo uma réplica da Baixada Fluminense, com todos os transtornos verificados naquela região. Fico triste quando vejo áreas nobres, próximas ao Congresso Nacional, ao Tribunal de Contas da União, ao Tribunal Superior de Justiça, sendo invadidas sem nenhuma ação por parte das autoridades responsáveis.

Os brasileiros não merecem passar por essa situação. Brasília é dos brasileiros e não de seus governantes. Não queremos fazer qualquer acusação a este pequeno período da administração do atual Governador Cristovam Buarque. Não, pelo contrário, este processo já vem de alguns anos atrás.

A Cidade foi criada para servir como Capital do Brasil, é a vitrine do nosso País. É a imagem do Poder nacional. A Cidade não pode ser abandonada aos interesses demagógicos, nem à sanha de uns poucos.

O Brasil não tem recursos para construir outra capital e refazer todo o processo de mudança. É necessário que Brasília seja preservada e conservada dentro dos parâmetros que nortearam a sua construção.

O Sr. Lauro Campos - Senador Júlio Campos, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Ouço com atenção o aparte do eminente Senador Lauro Campos, digno representante da Capital neste Senado.

O Sr. Lauro Campos - Exmº Sr. Senador Júlio Campos, ouço com atenção o emocionado discurso de V. Exª a respeito de uma cidade, Brasília, que foi por mim também escolhida como local para viver e criar meus filhos e netos há mais de 36 anos. Também estive presente à sua inauguração. Quando aqui cheguei, o escritório de advocacia a que eu pertencia tinha mais de 300 causas nos Tribunais Superiores. E eu, então bastante jovem advogado, participei de uma atividade que foi elogiada por Ministros da altura de Nélson Hungria, de Antônio Villas Boas e de outros grandes Ministros daquelas Cortes Superiores. No entanto, não foi isso que me fez continuar na trilha que eu havia, de início, tomado ao chegar a Brasília. O que realmente me prendeu a Brasília foi ver o trabalho humano, o trabalho coletivo que transformava a cada momento esta cidade empoeirada, cheia de chaminés de poeira que subiam pelo céu azul, transformava esta cidade através do trabalho, do trabalho alegre, do trabalho bem remunerado, do pleno emprego. Realmente me prendeu ver esse febricitante trabalho da coletividade. No dia da inauguração, eu estava fora, de fora, por fora, excluído, marginalizado, modesto, como sempre fui. Nunca me aproximei dos áulicos. Portanto, sempre vi, a distância, essa atividade individualista, que, naquele tempo eu já previa, poderia transformar o sonho de Brasília numa realidade muito dura. Um dos enganos que logo se pôde detectar em Brasília foi o sonho de Niemeyer de fazer uma cidade igualitária, em que senadores, ministros, motoristas e subalternos convivessem nos apartamentos que se erguiam. Obviamente, Brasília tinha de ser um microcosmo do Brasil grande, e aqui, ao crescer Brasília, vemos crescer também a sua periferia, com a chegada de trabalhadores de todos os recantos do Brasil, expulsos de onde moravam, expulsos da terra, expulsos pelo egoísmo e pela concentração do capital, que vêm a Brasília procurar uma oportunidade de emprego. Por isso, Brasília é uma grande rodovia. A Cidade-rodoviária é a cidade de Le Corbusier, que disse que é preciso acabar com as cidades, porque as cidades são perigosas. Nas cidades, há sindicatos, trabalhadores, um início de subversão que deve ser sufocado; uma cidade sem esquinas, uma cidade morta, uma cidade sem universidade - universidade, só lá no mato. Portanto, esta antipólis seria apenas uma urbe muda de concreto, sem vida humana. E foram esses que vieram para cá, essa multidão que fundou sindicatos, que se implantou nas periferias, que trouxe a vida e a pólis para esta cidade, que, de política, só tinha essa incrustação artificial. Cada vez mais, gostei de Brasília e me identifiquei com ela e jamais pensei - naquele tempo, nem havia eleição em Brasília - em ser, um dia, o representante desta Cidade que se afirmava e que se completava, contra a vontade dos militares, contra a vontade dos governantes, que queriam a segurança, a estabilidade e estavam tornando o nosso País inseguro, violento, repetindo, obviamente, em dose menor, em Brasília, todas as agruras e contradições do Brasil. Nobre Senador, congratulo-me com V. Exª por ter, em boa hora, levantado a sua voz para comemorar o aniversário de Brasília, que transcorre no próximo dia 21. Quis apenas dar o meu testemunho, de um candango, de um "piotário" - porque os pioneiros são aqueles que se enriqueceram - que veio para cá trazer a sua modesta contribuição para a construção desta Cidade.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Agradeço, com muita honra, o aparte de V. Exª. Discordo desse final, em que V. Exª se diz um "piotário". V. Exª é um dos homens que engrandecem a cultura desta Cidade. V. Exª pode não ter conseguido fazer fortuna financeira, mas fez fortuna da sua capacidade intelectual, da sua inteligência e dos ensinamentos na nossa Universidade, na nossa Capital. Portanto, V. Exª é um homem digno de bem representar o povo brasiliense nesta Casa do Congresso Nacional. Quiséramos nós, do Mato Grosso, ter o privilégio de um Senador intelectual como V. Exª na nossa Bancada.

O Sr. Lauro Campos - Agradeço as gentis palavras de V. Exª, nobre Senador.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, nesta oportunidade, denunciar a favelização da Capital da República e pedir às autoridades do Governo do Distrito Federal que tomem as necessárias providências para acabar com esse processo de degradação urbana da nossa Capital, antes que seja muito tarde. Não podemos assistir calados à lenta, porém persistente, transformação de Brasília numa cidade de segunda classe. A minha preocupação é a de um cidadão que ama Brasília também. Como disse no início do meu pronunciamento, aqui tive a honra de vir ainda garoto, na época com pouco mais de 14 anos, muito jovem. Vim com meu pai, de carro, numa viagem que demorou três dias, saindo de Cuiabá, pelas estradas da época, que ainda não eram rodovias. Em Brasília, tenho o meu patrimônio, crio os meus filhos aqui. Toda a minha família vive em Brasília, as minhas filhas estudam na Universidade de Brasília. Então, tenho uma ligação profunda com esta Cidade e gostaria de vê-la trilhando os caminhos sonhados por Juscelino Kubitschek e por Israel Pinheiro.

É necessário que as autoridades do Governo do Distrito Federal tomem as providências necessárias para valorizar a Cidade, que é um patrimônio de toda a humanidade. É a Capital do Brasil. É um bem dos brasileiros. Brasília é o símbolo da resistência, é a vitrine do progresso, do desenvolvimento e da determinação nacional. É o retrato da capacidade do brasileiro de projetar e de construir. Neste momento, lembro as figuras inesquecíveis de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, e também de Bernardo Sayão, que ficou na história da ocupação do Centro-Oeste e da construção de Brasília. Brasília significa tudo isso. A cidade que soube sobreviver aos furacões da política não pode fenecer por causa do descaso, da negligência e do interesse político menor.

Portanto, neste instante em que o Professor Cristovam Buarque tem a responsabilidade de governar o Distrito Federal, apelo em meu nome e em nome de todo o Senado Federal, tenho certeza, no sentido de que o seu Governo não deixe aumentar mais a favelização de Brasília, tal como vem acontecendo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1996 - Página 6620