Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DOS 36 ANOS DE BRASILIA, NO PROXIMO DIA 21. PREOCUPAÇÕES COM OS PROBLEMAS URBANOS DA CIDADE.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • TRANSCURSO DOS 36 ANOS DE BRASILIA, NO PROXIMO DIA 21. PREOCUPAÇÕES COM OS PROBLEMAS URBANOS DA CIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1996 - Página 6628
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), OPORTUNIDADE, DEMONSTRAÇÃO, APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, CAPITAL FEDERAL, CUMPRIMENTO, MISSÃO, AUXILIO, PROCESSO, CENTRALIZAÇÃO, REGIÃO, PAIS, INDUÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO CENTRO OESTE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, como hoje é dia 19 de abril, desejo apenas registrar que no próximo domingo, dia 21 de abril, Brasília completa 36 anos.

Na terça-feira, pela manhã, teremos uma sessão solene, nesta Casa, em homenagem a Brasília, mas eu gostaria, nesta última sessão antes do aniversário da capital do País, de dizer aqui que todos nós, brasileiros, que, de uma maneira ou de outra, viemos para cá, temos o sonho de que Brasília, muito mais do que cidade-capital, se constitua, efetivamente, em pólo de interiorização do desenvolvimento nacional como é do seu destino.

Confesso ao Sr. Presidente e a todos os Srs. Senadores que eu, hoje, pessoalmente, estou muito triste. As cenas a que todos assistimos ontem pelas emissoras de televisão e esses conflitos que a sociedade brasileira infelizmente vem enfrentando são muito graves, representam um momento muito difícil da vida brasileira.

Todos nós, que temos responsabilidades, que temos juízo, com certeza paramos para pensar, olhamos a história das nossas próprias vidas, as razões pelas quais estamos aqui, na mais alta Corte, na mais alta Casa legislativa do País, e perguntamos: que rumos são esses?

Agora há pouco, dizia-me o Senador Artur da Távola um paradoxo. Embora, nesse último ano, os dados oficiais registrem que 42 mil famílias foram assentadas e que há outras 180 mil a serem assentadas, a grande verdade é que, nos últimos 30 anos, foram sendo concentrados e somados problemas na vida brasileira, problemas de toda ordem, principalmente de ordem social, e todos esses problemas deságuam no Governo.

Sejam ou não partidários do Presidente Fernando Henrique, goste-se ou não de Sua Excelência, pela sua própria história de vida, pelo que fez na sua carreira política, o Presidente Fernando Henrique despertou uma expectativa muito grande em setores representativos da sociedade. Que possa o Presidente, de uma forma rápida, dar vazão a problemas tão grandes, tão emergenciais e que atingem tão de perto a consciência da Nação brasileira.

Por mais que todos vejamos falhas nos aparatos do Governo - e aí falo do Estado nos seus vários níveis: do Governo Federal, dos Governos Estaduais, dos Municípios, do Poder Judiciário e do Poder Legislativo -, todos somos juntos responsáveis.

A grande verdade é que, por mais que a nossa geração tenha conquistado liberdade, tenha conquistado democracia, esteja no processo de conquista da estabilidade econômica, os problemas sociais se acumularam de tal ordem que não estamos conseguindo buscar caminhos majoritários, eu nem diria consensuais, para resolvê-los.

Esses problemas foram se acumulando durante muitas décadas e, por mais que encontrássemos um caminho que convencesse a sociedade brasileira, através dos setores que pensam, de todos os matizes ideológicos; por mais que conseguíssemos um pacto de idéias que buscassem soluções, a grande verdade é que essas soluções, por mais bem elaboradas que fossem, levariam tempo, ainda que um tempo menor do que aquele que foi gasto para que esses problemas se acumulassem.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, pensei muito esta noite. Lembrei-me dos movimentos estudantis dos quais fiz parte. Lembrei-me daquelas bandeiras, que eram tão caras à minha geração; uma geração oprimida, principalmente em 1968; mas, ainda que oprimida, sonhadora.

Vejo-me aqui, representando a Capital do País. Chegamos no Senado Federal e às vezes nos sentimos tão impotentes para tentar agir ou, pelo menos, para tentar reagir!

Manifesto, aqui, a minha tristeza pessoal, a minha indignação até. Não é possível que num País como o nosso, um País que é rico, um País que é fértil, um País que é grande, um País que tem água abundante, um País que tem gente trabalhadora e pacífica, nós mesmos criemos conflitos, de tal ordem que brasileiros matem brasileiros, que brasileiros agridam brasileiros.

Não vou hoje entrar nos vários ângulos de análise dessa questão agrária brasileira, até porque estão neste Senado pessoas mais experientes, mais estudiosas do que eu e que vivenciaram a história da política agrária brasileira, seus erros e seus desacertos durante praticamente todo este século.

Mas quero registrar aqui a minha indignação. Aquelas cenas que as emissoras de televisão brasileira mostraram não podem acontecer em solo brasileiro. Se somos diferentes de tantos outros países do mundo é porque, embora com tantos e graves problemas sociais, vínhamos convivendo e buscando soluções pacificamente, porque falamos a mesma língua, porque somos um País da miscigenação de raças; somos um País da convivência pacífica entre os desiguais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não dá para tapar o sol com a peneira. As desigualdades regionais são de tal ordem, as desigualdades entre as classes sociais são de tal ordem que não se trata apenas e tão-somente de culpa deste ou daquele Governo, deste ou daquele movimento.

Na verdade, ou conseguimos, com inteligência, com compreensão, com flexibilidade ter um projeto de País que nos una pelas nossas convergências e que possa diminuir as desigualdades entre as pessoas, as desigualdades entre as classes sociais, que inclua os quase 16 milhões de brasileiros que não tomaram café hoje, pela manhã, que diminua as desigualdades regionais do nosso País ou, fatalmente, esses conflitos vão acontecer e vão se repetir. E não são apenas conflitos no campo, mas também na cidade. Há cidades que, elas próprias, são o mapa e o retrato 3x4 das nossas disparidades. Há alguns que têm tanto, que têm tantos carros importados, tantos aparelhos de primeira geração, tantas casas suntuosas e outros que nada têm.

É impossível que as pessoas de um País como o nosso, que é democrático, que é libertário, continuem parando nas esquinas com seus carros importados de vidro fechado e de ar condicionado ligado para se protegerem de irmãos brasileiros que estão ali, pedindo; e de outros que, revoltados, estão roubando.

Será que não vemos que se os setores que pensam na sociedade brasileira não fizerem algo que modifique esse perfil, as nossas casas, as propriedades estarão fatalmente inseguras. A insegurança atinge não apenas as pessoas, não apenas as propriedades. É a insegurança da consciência da Nação brasileira que está hoje indignada, revoltada com a ocorrência, em solo brasileiro, de fenômenos de tais proporções.

Gostaria de dizer, Sr. Presidente, que faço essa confissão de indignação, no momento em que Brasília, que nasceu para interiorizar o desenvolvimento nacional, para ser pólo de convergência das mais diversas regiões do País, que nasceu para induzir o desenvolvimento econômico do Centro-Oeste, ainda não está cumprindo a sua missão.

Penso que não só o Governo Federal, mas os Governos Estaduais, todos os Poderes da República, todas as instâncias de aparelho do Estado têm que estar preocupados. Temos que encontrar fórmulas através do diálogo, e não da agressão; através da convergência, e não da divergência, de um projeto de País que possa unir a sociedade brasileira sem uso da força, sem uso da repressão, convivendo com a liberdade de expressão, sabendo que, muitas vezes, movimentos populares se radicalizam pela falta de opção e pela desesperança; desesperança que não vem de um ou dois anos, mas de 30, 40 anos.

Será que nós todos, brasileiros, não vamos ter a consciência de que é preciso uma mudança, principalmente em nível cultural da sociedade brasileira, para que alcancemos um projeto de País que nos una pacificamente em torno dos ideais maiores de uma Nação feliz?

Brasília, ao completar 36 anos, tem muitas razões para comemorar. De alguma forma, ela fez com que brasileiros que viviam no litoral voltassem para o seu próprio território. A construção de estradas e de usinas hidrelétricas, que vieram no rastro da construção de Brasília, de alguma forma fizeram com que a nossa geração de brasileiros pudesse conquistar o nosso próprio território.

Mas as disparidades ainda são muito grandes: se de um lado Brasília abriu as portas do Pantanal, da Amazônia, se de um lado Brasília encurtou distâncias para o Nordeste, por outro lado ainda não tem mecanismos que possam induzir o desenvolvimento harmônico e equilibrado do Centro-Oeste brasileiro.

Penso que, no aniversário da Cidade, quando completa 36 anos, mais importante do que discutir os seus problemas urbanos é discutir a sua vocação dentro do cenário da Pátria. E essa vocação não é de ser apenas a cidade-capital; é uma vocação muito mais importante: interiorizar o desenvolvimento nacional.

Registro, Sr. Presidente, a nossa alegria pela passagem do aniversário da Cidade, por aquilo que ela representa, pelo fato de ela nos fazer refletir sobre a força dos brasileiros que, a despeito das dificuldades, vieram para cá nos anos 50 para construir a mais bela capital do Terceiro Milênio, a Capital da Esperança, como dizia André Malraux. Cumprimento aqui todos os que para cá vieram: pedreiros, engenheiros, professores, estudantes, todos os que, de alguma maneira, com a força de seu trabalho braçal ou de suas inteligências, ajudaram a construir esta cidade. Registro a alegria de ter tido o privilégio de construir toda a minha vida profissional nesta cidade, de nela terem nascido meus filhos, enfim, a alegria decorrente do fato de ser eu um brasiliense.

Por outro lado, Sr. Presidente, manifesto minha inquietação em relação à possibilidade de Brasília cumprir a sua missão de ajudar no processo de interiorização do desenvolvimento nacional, na diminuição das desigualdades regionais. Precisamos encontrar - quando digo nós, refiro-me a todos os brasileiros, principalmente aos que estão na vida pública - pontos de convergência, que diminuam as grandes dificuldades, as grandes diferenças entre as classes sociais, as grandes disparidades entre as pessoas e as regiões, disparidades que geram conflitos de proporções impensáveis, como o que ocorreu anteontem no sul do Pará.

Concluo meu pronunciamento, Sr. Presidente, trazendo ao Plenário uma reflexão: nós, homens públicos, ao discutir com veemência nossos posicionamentos, ao debatermos com garra e com determinação nossos pontos de convicção, muitas vezes nos esquecemos que eles adquirem o efeito multiplicador do rádio, da televisão e da imprensa em geral. Ao final, as pessoas, principalmente as mais humildes, as que estão lá no interior do País, nos campos de trabalho, nas pequenas cidades, recebem essas divergências de idéias e as interiorizam como uma divergência maior, que passa a ser até física. Daí por que penso que todos que fazemos vida pública temos que ter a responsabilidade de divergir dentro de certas regras de comportamento ético, para que essas divergências sejam traduzidas lá nas pequenas cidades, lá nos locais mais longíquos da nossa pátria como divergências de idéias de brasileiros que têm o objetivo comum de construir uma Nação mais feliz. Essas discordâncias não podem ser traduzidas em um tipo de incentivo ao conflito, à luta armada ou à repressão.

Nós, brasileiros, temos uma tradição de paz; nós, brasileiros, com paz, com liberdade e com democracia, haveremos de construir uma Nação mais justa. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1996 - Página 6628