Discurso no Senado Federal

DEFICIENCIAS DO PROPRIO SISTEMA CAPITALISTA CAUSADORAS DO DESEMPREGO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • DEFICIENCIAS DO PROPRIO SISTEMA CAPITALISTA CAUSADORAS DO DESEMPREGO.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/1996 - Página 6631
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESEMPREGO, PAIS, RESULTADO, DEFICIENCIA, CAPITALISMO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, os oradores que me antecederam - parece-me - incorreram em um vício de nossa cultura: procurar os culpados individuais para apontá-los como causadores de questões que não são individuais, mas sociais.

O nosso processo supera muito os indivíduos; os problemas brasileiros são muito maiores do que Fernando Henrique Cardoso, do que a sua equipe. Nossas questões superam - tanto elas quanto as obras que o homem faz através de seu caminho histórico -, são muito superiores àquilo que o átomo individual, o indivíduo isolado poderia pensar em fazer.

O fato de procurarmos os causadores de nossos problemas, de dizermos que tomaram essas ou aquelas providências a posteriori realmente é incidir em um engano muito próprio de nossa cultura. Os crimes coletivos, as organizações coletivas não são objeto ainda nem sequer do nosso Direito, que é individualista, que procura criminosos individuais, que exige certo tipo de comportamento, de conduta por parte das autoridades, a fim de apenar algum distúrbio de comportamento individual, quando as organizações coletivas, os crimes praticados pelos "colarinhos brancos", os praticados por segmentos organizados da sociedade permanecem impunes e, muitas vezes, sequer não foram ainda enquadrados devidamente em nossa legislação.

Portanto, gostaria de tratar aqui de um problema, que também não é um problema individual. Não procuro aqui responsáveis individuais pelos nossos problemas.

Um dos problemas mais importantes que mostram que não se trata de questões tópicas, mas de questões que revelam a inviabilidade de um sistema, de um modo de organização da sociedade, que revelam talvez que o capitalismo, ao tentar sobreviver a si mesmo, está cada vez impondo um custo social à Humanidade, que se manifesta nos problemas insanáveis de nossa época. Um desses problemas é o desemprego. E a cada momento vemos que os governos, ao invés de enfrentar o problema com consciência e com clareza, procuram dizer que não são culpados pelo desemprego. Sim, individualmente, os governantes, os dirigentes de uma época não são culpados pelos problemas sociais. Mas a organização política, econômica, jurídica da nossa sociedade e de nosso tempo mostra, obviamente, que construímos um mundo onde 830 milhões de pessoas encontram-se desempregadas. E o que devemos procurar entender é esse desemprego atual, de 830 milhões de pessoas, difere dos outros desempregos que avassalaram a formação e o desenvolvimento do capitalismo ao longo de sua história.

As crises anteriores, que levaram os trabalhadores ao desemprego, não podem ser confundidas com a crise atual. O que percebemos é que, incapazes de enfrentarmos o problema e solucioná-lo, os dirigentes do mundo capitalista jogam o problema nas costas do mercado, é o mercado que deve resolver. E que mercado é este? Poucos entendemos que o mercado, que se reorganizou no modo capitalista de produção, absorveu todo o despotismo dos déspotas esclarecidos, o autoritarismo da sociedade, e que essa organização objetivou nas máquinas, no modo de produção, na disciplina, na obediência ao taylorismo e ao fordismo; objetivou nelas aquele autoritarismo que antes pertencia às relações políticas, e que dentro do ambiente de trabalho, dentro das grandes manufaturas e das indústrias, se expressava através dos feitores, dos fiscais, que impunham ao trabalhador não apenas a sua subserviência aos horários, ao imperativo da máquina, à necessidade de alimentá-las cada vez com maior intensidade e, portanto, de impossibilitar a liberdade verdadeira.

Um livre mercado que é, na realidade, um ditador, um ditador impessoal, e, portanto, passar para as costas do mercado, dizer que os trabalhadores que estão desempregados é porque foram rejeitados pela racionalidade do mercado, que esses trabalhadores não têm mais qualificação, e que, portanto, esses trabalhadores são culpados pelo seu desemprego. Isso é uma covardia. Não há nada mais mentiroso do que isso. É uma tentativa de criar um complexo de culpa por parte daqueles que já estão sendo castigados pelo desemprego criado pelo sistema.

Então, dizem que de repente houve uma modernização do equipamento, das máquinas, das formas de produzir e que foi essa modernidade - a robótica, a informática e a telemática - a responsável pelo desemprego de milhões de trabalhadores brasileiros. Nada mais mentiroso do que isto! Quanto mais a máquina se desenvolve, mais se parcializa o trabalhador. Quanto mais o modo de produção se desenvolve, mais fácil fica operar os instrumentos de trabalho. Os meus netos têm muito mais facilidade em mexer com computador do que eu. O computador, esse produto da modernidade, é facílimo de ser administrado e manipulado.

Lá nos Estados Unidos, para empregar os trabalhadores mexicanos e outros desqualificados - fenômeno que Adam Smith já havia percebido, essa parcialização e essa necessidade de que cada vez um menor tempo de aprimoramento da mão-de-obra, de sua preparação, simplificação do processo de trabalho e da cabeça dos trabalhadores, que têm que fazer movimentos e operações cada vez mais simples, empobrecendo o homem trabalhador, reduzindo seu universo de experiências - como um milhão e quinhentos mil brasileiros, que deveriam estar aqui aumentando o nosso desemprego se não estivessem lá foragidos para o mundo, principalmente para os Estados Unidos, não precisam saber inglês, não precisam saber nada, nem ler, porque as máquinas têm desenhos. Basta apertar o botão com o desenho desejado para operar o sistema. Que qualificação, coisa nenhuma! É justamente o contrário. A engenharia, altamente qualificada que produz as máquinas que têm que ser operadas, cria formas e processos de produção e de operação, tanto na indústria que produz mercadorias, quanto no setor de serviços, cada vez mais simples.

Portanto, é uma grande injustiça lançar sobre as costas do trabalhador brasileiro a idéia de que ele é culpado pelo seu desemprego porque é um desqualificado.

Todos os modos de produção de organização da sociedade, quando querem explorar um sentimento da sociedade, afirmam que eles são inferiores.

Na escravidão o trabalhador era uma rés, uma coisa, para que nós, os dominadores, para que classe dominante pudesse explorar sem culpa na consciência aquela coisa em que foi transformado o trabalhador escravo.

Esquecemos que os escravos trouxeram para o Brasil um modo de operar o ferro, de trabalhar o ferro. Os portugueses não sabiam construir fornos de ferro, siderurgias, mas os negros sabiam e ensinaram os portugueses. E um desses fornos de ferro, de um modelo africano que foi montado em Minas Gerais, funcionou muito melhor do que o sistema espanhol, que foi montado em São Paulo, de acordo com Caio Prado Júnior.

De modo que, então, essa desqualificação do trabalhador é esta mesma que se encontra hoje, permitindo que os trabalhadores sejam mortos impunemente, que sejam remunerados com qualquer R$100,00; que sofram a exclusão agora, através dessa tal de cesta básica, que passa a ser escolhida, porque o seu preço cresceu menos do que o INPC, como o parâmetro para o reajuste dos salários brasileiros. E o Governo também desqualifica os funcionários públicos para melhor explorá-los; diz que os funcionários são incompetentes; diz que os funcionários não se qualificaram, não prestam bons serviços. Para quê? Para reduzir e achatar os seus vencimentos. E ainda mais: para quando chegar a data-base, que já foi para o espaço, não dar a reposição devida.

E muitos segmentos do Governo, inclusive a Srª substituta do Ministro Bresser Pereira e outros expoentes desse mesmo Governo reconhecem que, realmente - e não podem deixar de reconhecer o óbvio -, em 14 meses ficou uma dívida para com os funcionários públicos. E na hora de dar o reajuste de 46%, negam qualquer possibilidade de que isso aconteça e dizem que não há recursos no caixa, que isso provocaria um retorno, que abalaria o Plano Real, e sempre se recordam do Plano Real nestas horas, mas não na hora de montar um Proer, não na hora de manter os privilégios, não na hora de trazer funcionários públicos de São Paulo e dar a eles 300% de aumento para que desempenhem as funções que a cúpula do Plano Real considera como essenciais.

Brasília é uma cidade que será e está sendo destruída não pela falta de competência, não pelo fato de que há desvios dos recursos da administração pública, mas Brasília está sendo destruída pelas conseqüências do Plano Real que nela se concentram: o achatamento de salários e de vencimentos, a taxa de desemprego que, em Brasília, é muito superior a de São Paulo, porque atinge 16% em Brasília, e a demissão de funcionários.

Collor: 160.000 funcionários demitidos; esse Bresser Pereira ameaça 80.000, enquanto lá a Febraban diz que é preciso demitir 180.000 bancários.

Diante desta crise em que nos encontramos, é preciso saber que ela tem algumas especificidades. Na crise de 1929, o Governo Roosevelt, Hitler, a partir de 1933, e Mussolini antes deles, reempregaram trabalhadores, transformaram a população desempregada em militares engajados nas operações de guerra. Criaram as grandes obras públicas. Nos Estados Unidos, na Alemanha: estádios, obras em lugares insalubres. Roosevelt pagou para que os fazendeiros não plantassem, porque havia excesso de produção, diante de um mercado que se encolhia pelo desemprego e pela fome. A Suprema Corte dos Estados Unidos falou que era inconstitucional pagar para não plantar e Roosevelt tinha o apoio de três dos seus membros, os únicos que votavam a favor dessas medidas de Roosevelt, para absorver o desemprego e tentar superar as contradições do capitalismo.

Em 1935, cinco juízes foram substituídos na Suprema Corte e, a partir daí, aquilo que era inconstitucional e ilegal passou a ser constitucional e legal. Então, as grandes obras puderam ser realizadas e os fazendeiros deixaram de plantar cactos para continuar a receber para não plantar, para aumentar a renda e o consumo de uma sociedade que é altamente contraditória, que cria produção em grande escala mas que põe o trabalhador na rua e impede que ele consuma. E o governo, para subsidiar e sustentar esse sistema, vai fornecendo cada vez mais dinheiro para os fazendeiros não plantarem, para os capitalistas produzirem armas e bombas, para que rodovias paralelas e completamente improdutivas sejam construídas. Como diz a grande cabeça que idealizou, no mundo ocidental, esse sistema da dissipação institucionalizada paga pelo governo: é preciso que essas obras que o Governo faz sejam whole wasteful, completamente dissipadoras, e não apenas parcialmente dissipadoras.

Quando a nossa Comissão percorre as mais de cem obras inacabadas e abandonadas neste País, não percebem muitos de nós que essas obras fazem parte do sistema dissipador.

Fernando Henrique Cardoso dizia que até no social o capitalismo dissipa. Os gastos no social não são por amor, não são por fraternidade, não são para amparar o próximo; dizia Fernando Henrique Cardoso que eles são para dissipar. Se não se pode dissipar no espaço suficientemente em guerras - e são 25 conflitos hoje no mundo - então se dissipa no social. Infelizmente o social não tem sido nem objeto dessa dissipação a que Sua Excelência se referiu.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não, com muito prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Lauro Campos, há um paradoxo no Legislativo. V. Exª faz um pronunciamento sério, linear, e eu verifico no Plenário a presença de quatro Senadores a ouvi-lo atentamente. V. Exª traça um perfil eqüidistante de qualquer conotação política-ideológica, mostrando o desemprego, abordando um assunto sério, que é o complexo industrial militar dos Estados Unidos - há uma obra que ficou célebre sobre isso, de Jack Anderson. Verifico que V. Exª compõe um discurso, mostrando, sobretudo, que se despreza o social e que realmente ele não é feito por amor. Num País como o nosso, acostumado a fazer do trabalhador o culpado quando a inflação sobe - como se fosse possível atribuir a salário o índice inflacionário -, num País em que se vê a cada dia que passa a desculpa, como bem acentuou V. Exª, na robótica, na informática, eu me dou conta de que algumas vezes vale a pena estar neste plenário, ainda que numa sexta-feira e que não tenha a quantidade de Senadores que V. Exª merecia para ouvi-lo. E me dou conta que vale a pena, porque o discurso de V. Exª está todo recheado de uma densidade daquele que sabe o que diz. Freqüento muito o Senado, tal qual V. Exª, e, amiúde, tenho ouvido os seus discursos, neles não encontrando, em nenhum instante, senão a preocupação com a coisa pública. V. Exª não é daqueles parlamentares - e peço permissão para me incluir neste meio - que está muito mais voltado para as suas ambições pessoais do que para os interesses coletivos. Poderia eu aqui ficar numa omissão oportunista e não aparteá-lo, mas não faria bem a minha consciência se não registrasse a densidade do seu discurso, com os meus cumprimentos, Senador Lauro Campos.

O SR. PRESIDENTE (Ernandes Amorim. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador Lauro Campos, o tempo do seu discurso já se esgotou há seis minutos. Peço que V. Exª seja breve.

O SR. LAURO CAMPOS - Gostaria apenas de terminar e agradecer ao nobre Senador Bernardo Cabral as suas palavras que, não apenas me envaidecem, mas engrandecem o meu modesto pronunciamento.

Concluindo, para não deixar sem um fecho aquilo que estou dizendo, gostaria de dizer que, ao invés de reempregar os trabalhadores que o sistema capitalista põe na rua, impiedosamente e de forma crescente, o Governo também desemprega. São duas forças que convergem, agora, não tendo uma o sentido de neutralizar a outra; ambas atuam no mesmo sentido desumano. Para a coisa, tudo; para o homem, nada.

A acumulação de capital absorveu todos os recursos: da educação, da saúde, do lazer, de uma vida mais digna. Tudo foi absorvido e massacrado por um sistema que agora se encontra em crise. Em crise de quê? Em crise de concentração excessiva, de excesso de capital, de sobreacumulação, que exige uma redistribuição de renda, uma redistribuição da vida, da cultura, da saúde, que exige uma redistribuição da propriedade.

Nós, que ficamos com palavras enganosas, não devemos nos enganar, porque não haverá retomada, não haverá desenvolvimento possível dentro desse quadro! É impossível desenvolver e retomar o desenvolvimento da economia brasileira, porque esse desenvolvimento dentro desses padrões, sem mudanças mais profundas, significaria apenas o retorno da inflação, sim -nisso, os monetaristas têm razão. Os monetaristas patinam na aparência, patinam na superfície e não querem penetrar nas relações e contradições que se encontram no subsolo do Real.

Se agora quisermos falar em duas coisas que são contraditórias, estabilidade e desenvolvimento, e se optamos pela estabilidade, se optamos pelo equilíbrio orçamentário, se optamos pelo mercado como o culpado por todas as mazelas que o Governo privatiza, se optamos por isso, obviamente, é porque também o Governo foi envolvido na crise e, como um Governo de crise, não tem condições de ser de novo, como foi nos anos 50, no Brasil, o pólo articulador e centralizador de um processo de crescimento e desenvolvimento.

Se gastos e novos investimentos forem feitos, é óbvio que a inflação retornará virulentamente e a nossa dívida pública, que tenta controlar a inflação e enxugar a base monetária, que seria cada vez mais alargada, ultrapassaria os R$131 bilhões em que se encontra hoje.

A uma taxa de 10% de crescimento ao mês, essa dívida pública seria, obviamente, incontrolável. Quanto mais cresce a dívida pública, mais os banqueiros ganham e maior será o serviço desse montante crescente da dívida pública.

O sistema é tão perverso que as medidas tomadas acabam sempre favorecendo os mesmos privilegiados. No caso, os banqueiros, privilegiados pelos bilhões do Proer e pelo crescimento do serviço de uma dívida crescente.

Sr. Presidente, obrigado pelo tempo que me foi concedido e pela paciência com que os distintos e seletos Senadores me ouviram.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/1996 - Página 6631