Discurso no Senado Federal

ENCAMINHANDO INDICAÇÃO AO SENADO, NO SENTIDO DE QUE O SR. JOSE EDUARDO ANDRADE VIEIRA SEJA ADVERTIDO DA POSSIVEL INOBSERVANCIA DE NORMAS LEGAIS, CASO SOLICITE VANTAGENS DO PROER A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE CONTROLA. LEITURA DE LISTA COM NOMES DOS TRABALHADORES SEM-TERRA MORTOS NO PARA. EXPOSIÇÃO DO MEDICO LEGISTA, DR. NELSON MASSINA, SOBRE OS FERIMENTOS ENCONTRADOS NOS CORPOS DOS SEM-TERRA. ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DO DIA 21 DE ABRIL, INTITULADO O OUTRO LADO DA MOEDA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. REFORMA AGRARIA.:
  • ENCAMINHANDO INDICAÇÃO AO SENADO, NO SENTIDO DE QUE O SR. JOSE EDUARDO ANDRADE VIEIRA SEJA ADVERTIDO DA POSSIVEL INOBSERVANCIA DE NORMAS LEGAIS, CASO SOLICITE VANTAGENS DO PROER A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE CONTROLA. LEITURA DE LISTA COM NOMES DOS TRABALHADORES SEM-TERRA MORTOS NO PARA. EXPOSIÇÃO DO MEDICO LEGISTA, DR. NELSON MASSINA, SOBRE OS FERIMENTOS ENCONTRADOS NOS CORPOS DOS SEM-TERRA. ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DO DIA 21 DE ABRIL, INTITULADO O OUTRO LADO DA MOEDA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/1996 - Página 6830
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • SUGESTÃO, ENCAMINHAMENTO, OFICIO, CONSELHO, ETICA, DECORO PARLAMENTAR, SENADO, ADVERTENCIA, JOSE EDUARDO DE ANDRADE VIEIRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR), MINISTERIO DA AGRICULTURA, DO ABASTECIMENTO E DA REFORMA AGRARIA (MAARA), ILEGALIDADE, DESLIGAMENTO, FUNÇÃO PUBLICA, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, NORMAS, HIPOTESE, SOLICITAÇÃO, VANTAGENS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), BANCO PARTICULAR.
  • HOMENAGEM POSTUMA, LEITURA, NOME, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, MORTE, ESTADO DO PARA (PA), PROTESTO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR.
  • LEITURA, EDITORIAL, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, DIVIDA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR.EDUARDO SUPLICY (PT-SP- Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente do Senado Federal, estou encaminhando uma indicação nos seguintes termos:

      Ante a notícia veiculada pela imprensa nos dias 18 e 19 do corrente mês, de que por S. Exª o Senhor Ministro de Estado da Agricultura e da Reforma Agrária, José Eduardo Andrade Vieira, solicitara ao Presidente da República seu afastamento daquele Ministério para tratar da participação de instituição financeira por ele controlada no processo de privatização de sociedades de economia mista, adotado pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, com as suas alterações.

      Em face, ainda, de outra informação transmitida pelos meios de comunicação de que pretende S. Exª manter relações com o Banco Central do Brasil, com vistas à obtenção, para a instituição financeira por ele controlada, de vantagens instituídas pelo Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro (Proer), consoante a Medida Provisória nº 1.179, de 3 de novembro de 1995 e suas reedições, e, ainda, a Resolução BC nº 2.208, de 3 de novembro de 1995.

      Considerando, finalmente, que S. Exª está investido no mandato de Senador da República, pelo Estado do Paraná, afastado, para a assunção de cargo ministerial,

      SUGIRO, nos termos do art. 224 do Regimento Interno, que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar se digne, como medida cautelar, oficiar a S. Exª, anteriormente a seu retorno a esta Casa, acerca das vedações e sanções do art. 54, inciso I, letra "a", e inciso II, letra "a", art. 55, § 1º, ambos da Constituição Federal, art. 32, inciso I, do Regimento Interno, e ainda artigos 3º, inciso I, letra "a", inciso II, letra "a", 4º, inciso I, 5º, inciso I e II, da Resolução nº 20, de 1993.

      Sala das sessões, 23 de abril de 1996.

Sr. Presidente, expressando o sinal de luto que abate todo o País em função da tragédia que ocorreu em Eldorado dos Carajás, gostaria de ler a lista dos nomes dos trabalhadores sem terra mortos na quarta-feira passada:

1 - Altamiro Ricardo da Silva - Goiano, casado, lavrador, 42 anos, filho de Juventino da Silva e Filomina Maria da Silva, residente em Eldorado dos Carajás.

2 - Amancio dos Santos Silva - Maranhense, solteiro, lavrador, 42 anos, filho de João Rodrigues da Silva e Laurinha Rodrigues da Silva, residente em Curionópolis.

3 - Abílio Alves Rabelo - Maranhense, casado, lavrador, 57 anos, filho de João Rabelo e Rosália Rabelo, residente em Curionópolis.

4 - Antônio Costa Dias - Maranhense, casado, lavrador, 27 anos, filho de Maria da Conceição Costa, residente na Fazenda Chega com Jeito.

5 - Antônio Alves da Cruz - Piauiense, casado, lavrador, 59 anos, filho de Cristina Alves de Souza, residente em Parauapebas.

6 - Antônio, conhecido como Irmão - sem qualificação até o momento.

7 - Graciano Olímpio de Souza, o Badé - Paraense, casado, lavrador, 46 anos, residente em Marabá.

8 - Joaquim Pereira Veras - Piauiense, solteiro, lavrador, 32 anos, filho de Raimundo Souza Sobrinho e Adelaide Maria da Conceição, residente em Curionópolis.

9 - José Alves da Silva - Goiano, viúvo, lavrador, 65 anos, filho de Carlito Alves da Silva e Januária da Silva, residente em Parauapebas.

10 - José Ribamar Alves de Souza - Maranhense, solteiro, 22 anos, lavrador, filho de Miguel Arcanjo de Souza e Luzia Alves de Souza, residente em Parauapebas.

11 - Lourival da Costa Santana - Maranhense, casado, lavrador, 24 anos, filho de José Ferreira Santana e Francisca Xavier da Silva, residente em Curionópolis.

12 - Leonardo Batista de Almeida - Maranhense, casado, lavrador, 46 anos, filho de Raimundo de Souza e Luiza Batista, residente em Curionópolis.

13 - Manoel Gomes de Souza, o Leiteiro - Piauiense, casado, lavrador, 49 anos, residente no Acampamento da Fazenda Macaxeira.

14 - Raimundo Lopes Pereira - Maranhense, solteiro, borracheiro, 20 anos.

15 - Robson Vitor Sobrinho - Pernambucano, casado, lavrador, 25 anos, filho de Maria Antonia Vitor Sobrinho, residente em Curionópolis.

16 - Oziel Alves Pereira - Goiano, solteiro, 18 anos, lavrador, filho de Alderino Alves Pereira e Luiza Alves Pires, residente em Parauapebas.

17 - Valdemir Ferreira da Silva, o Bem-te-vi - sem qualificação.

18 - João Rodrigues Araújo - Piauiense, lavrador, morava em Parauapebas.

19 - João Carneiro da Silva - Fotógrafo, residente no Município de Parauapebas.

Sr. Presidente, há pouco, no espaço cultural, o médico legista, antes da Unicamp, hoje da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dr. Nelson Massini, fez uma exposição sobre o que identificou nos corpos desses dezenove trabalhadores. Ali estão as fotos das pessoas, infelizmente, mortas.

Identificou que muitos dos mortos, depois de terem levado tiros, possivelmente não mortais, foram brutalmente assassinados com os próprios instrumentos de trabalho, que abriram buracos enormes nos corpos daqueles trabalhadores. Houve também tiros à queima-roupa, na nuca, no tórax e no coração. Sr. Presidente, esta foi uma operação de guerra, não justificável sob qualquer aspecto.

Clama o País por justiça; clama a Nação para que haja ações no sentido de efetivar-se a reforma agrária, ações no sentido da transformação social do Brasil e no sentido em que apontou o próprio Presidente, então eleito, em seu último discurso ao Senado, quando afirmou como sendo seu propósito na Presidência da República realizar justiça em nosso País.

Sr. Presidente, vou ler o editorial do jornal Folha de S. Paulo de domingo último, 21 de abril, "O outro lado da moeda", porque, de forma feliz, retrata como que num raio de luz este clamor da Nação.

Diz o editorial de primeira página daquele jornal:

      O tecido social brasileiro está chegando ao seu ponto limite de esgarçamento. Dívida social, uma expressão que nasceu com sabor acadêmico para designar as brutais carências do país nessa área, ganha, cada vez mais, rostos e locais concretos: os mortos de Corumbiara e Eldorado de Carajás, de Vigário Geral e da Candelária, os mortos-vivos que desfilam sua condição subumana em cada uma das esquinas das grandes cidades e, crescentemente, das cidades médias.

      O caminho fácil, mas demagógico, já ensaiado pelos que imaginam beneficiar-se eleitoralmente de uma situação como essa, é o de culpar o Governo de turno pelas mazelas acumuladas há décadas, talvez séculos.

      É inegável que a atual administração tem sua parcela de culpa, pelo menos por inação. Ainda assim, deve-se reconhecer-lhe o mérito de ter, acima de tudo, mantido a estabilidade econômica, com inegáveis benefícios para as camadas mais pobres. E também o de ter proposto uma ampla reforma do Estado e das regras econômicas que são necessárias, urgentes e modernizantes.

      Mas não basta. Cresce a impaciência com o abandono da agenda social tão nítida e claramente definida no discurso de posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi ele quem apontou a "falta de justiça social" como "o grande desafio do Brasil neste final de século". Fernando Henrique convocou, então, "um grande mutirão nacional para varrer do mapa do Brasil a miséria e a fome".

      É mais do que tempo de transformar a retórica palaciana em prática de governo. No que se refere à miséria absoluta (caracterizada por renda inferior ao necessário para alimentar-se e à família), um estudo do Banco Mundial, recentemente resumido pela Folha, mostra que com apenas 0,7% do PIB ao ano (o que equivale hoje, grosso modo, a R$4,2 bilhões), seria possível retirar da marginalidade absoluta todos os 17 milhões de miseráveis que maculam de vergonha o mapa do Brasil.

      Não é uma quantidade assombrosa de recursos. Ainda mais se compara ao fato de que, para auxiliar o sistema bancário em dificuldades, o governo vai alocar uma quantia aproximadamente três vezes maior.

      Esse contraste mostra que se trata de definir prioridades. E o próprio Presidente, pelo menos na sua posse, disse que a prioridade é enfrentar a miséria e a fome. Urge voltar a ela e, mais do que isso, sair do mero discurso.

      Esta Folha reconhece, como é óbvio, que o desafio é imenso e árduo. Mas, a partir do pressuposto de que é também de urgência inquestionável, inicia a partir do próximo domingo uma série de reportagens e editoriais que tentarão ir além da crítica fácil.

      Há iniciativas que dependem apenas de decisão política para serem implementadas. Um exemplo é o chamado imposto de Renda negativo, uma tese que tem aceitação à direita e à esquerda, que permitiria dar uma renda mínima aos que hoje vegetam na miséria absoluta.

      Mas há também ações indispensáveis nas áreas de educação e saúde, sem as quais o ciclo da miséria se eterniza. Crianças cujas mães se alimentam mal, para dizer o mínimo, terão imensas dificuldades de aprendizado, quando há consenso hoje de que o grande ativo de qualquer país do mundo globalizado é o conhecimento.

      Há também que se enfrentar a questão da terra, sabendo-se que todos os países que se desenvolveram ou estão se desenvolvendo no mundo - dos Estados Unidos no século passado aos "tigres asiáticos" de hoje - fizeram algum tipo de reforma agrária.

      Já passa da hora de resgatar a dívida social. Ou se começa a fazê-lo já ou o país estará condenado a ouvir, a cada posse presidencial, o lamento: "Falta justiça social". Na ausência de ações, o lamento vai-se transformar na deplorável certeza de que o país se dividirá em duas parte irreconciliáveis: uma, capaz de engajar-se no processo de globalização, e outra, excluída dos requisitos mínimos de cidadania em sua própria pátria.

Eis como o jornalista conclui o editorial da Folha de S.Paulo, Sr. Presidente. Será importante que estejamos atentos a esses clamores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/1996 - Página 6830