Discurso no Senado Federal

RESPONSABILIDADE DOS GOVERNOS ESTADUAL E FEDERAL NO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO PARA. DEFESA DE UM PROGRAMA ESPECIAL DE ASSENTAMENTOS.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • RESPONSABILIDADE DOS GOVERNOS ESTADUAL E FEDERAL NO MASSACRE DOS SEM-TERRA NO PARA. DEFESA DE UM PROGRAMA ESPECIAL DE ASSENTAMENTOS.
Aparteantes
Osmar Dias, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/1996 - Página 7024
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO FEDERAL, RESPONSABILIDADE, MORTE, FAMILIA, SEM-TERRA, NECESSIDADE, GOVERNO, APOIO, REIVINDICAÇÃO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, DEFESA, DIREITO DE PROPRIEDADE, PROGRAMA ESPECIAL, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, PAIS.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, vários Parlamentares, desta tribuna, têm se manifestado a respeito do recente episódio do massacre em Eldorado de Carajás, assunto que está em pauta e que a maioria das autoridades do Legislativo tem manifestado a sua opinião e o seu protesto.

Sr. Presidente, fazendo uma análise e uma reflexão, é preciso fazer uma retrospectiva, antes de mais nada, pautada numa consciência histórica. Esses acontecimentos ainda são o reflexo de uma grande luta ideológica e do despreparo - de certa forma - das instituições, ou seja, o Poder Judiciário, as leis fracas e a falta de compromisso e de entendimento.

Sr. Presidente, Thomas More há muito sonhava com uma sociedade comunista, onde todos pudessem ter uma ilha, um grande armazém e que, com a produção, pudessem gozar dos benefícios do conjunto da sociedade.

Em 1917, a União Soviética foi o primeiro país a implementar o sonho de que o Estado seria o elemento da felicidade e que, através dele, poder-se-iam espalhar a felicidade e os benefícios da justiça.

Sabemos, pelo que é registrado na História, que milhares de vidas foram ceifadas em nome da igualdade, da liberdade e da justiça. Aliás, isso sempre foi a base do discurso em prol do equilíbrio.

Hoje, ocorre o massacre do Pará, do Eldorado.

Os veículos de comunicação se manifestam diante da violência, da brutalidade e do despreparo da polícia, que reagiu com violência fulminante contra os trabalhadores sem terra.

Eles lutavam por um pedaço de chão, empunhando enxadas, pedaços de paus e pedras.

Sr. Presidente, não há dúvida de que ali ocorreu um ato vil e covarde, e não há quem concorde com esse tipo de brutalidade, de execução. Mas é bom fazer uma reflexão: quem estava por trás dos dois movimentos? Pelo Estado, os policiais militares e por trás dos sem-terra as organizações que os subsidiam, que os organizam em paralisações padronizadas pelo País afora. De um lado, essas instituições; do outro, o Estado.

Sr. Presidente, tive recente notícia de que houve subsídio, financiamento por parte de alguns fazendeiros da região. Além da ação do Estado e da determinação do Governador - conheço o Governador Almir Gabriel e tenho certeza de que S. Exª não tinha interesse em que houvesse um conflito dessa natureza - houve interferências alheias às necessidades do Estado.

Voltando ao massacre, vil e irresponsável, nós o estamos vendo todo dia, toda hora. Hoje mesmo, em frente ao Congresso Nacional, estiveram milhares de servidores, que estão sendo massacrados com salários defasados. Estou tendo uma experiência aqui, quando vejo as taquígrafas - belas, porque sempre são bonitas -, os nossos seguranças, os servidores desta Casa, fora os servidores da Câmara dos Deputados e os órgãos públicos em geral, numa situação miserável, sem o respeito do aumento de salário. Não se computa o massacre da tortura que o Governo pratica contra esses servidores públicos. Vejo o reflexo, sim, lá no Pará, do massacre em Eldorado estampado pela televisão, rádio, jornais, mas vejo outros tipos de massacres. Estamos sendo financiados e acobertados pelo Estado, que precisa ter responsabilidade.

Darei outro exemplo para demonstrar o massacre não só neste caso dos salários defasados: recentemente eu conversava com um servidor que me dizia estar aqui há 25 anos e lembrava que na época de pagamento havia filas nos bancos, realmente muitas filas, porque o dinheiro circulava. Agora, os caixas estão de braços cruzados esperando, e os funcionários estão nas mãos dos agiotas, com os cartões de créditos confiscados. É um massacre terrível!

Existe um outro massacre: este é contra as mulheres, massacre irresponsável e criminoso. O Estado, acobertado por algumas instituições, fecha os olhos para um caso muito grave e que é a quarta maior causa de mortandade deste País, onde não morrem só 22 ou 23 em conflitos armados. Não. É para isso que o Estado precisa estar atento. Mata mais do que a AIDS. É o caso da necessidade de o Estado intervir numa ação educativa do planejamento familiar e garantir o direito de a mulher fazer a interrupção da gravidez com seriedade. Massacre! O Estado está massacrando. São milhares delas que morrem!

Agora vejo a ressaca ideológica da briga. Os contrários. O massacre em Eldorado de Carajás, no Pará. Ali, Srªs. e Srs. Senadores, é a ressaca ideológica, é a ressaca do Muro de Berlim que caiu, do desaparelhamento do Estado; e hoje a globalização está aí, aberta. Os "dinossauros" estatizantes dizem: não, o Estado pode resolver o problema da sociedade. Na maioria das vezes, o Estado é o empecilho, é o entrave, é o gigante que não anda, é o intolerante, que realmente não está para defender os interesses da sociedade.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, massacre é isso que está ocorrendo no bolso do pobre, que se esconde na sua casa sem um salário e sem condições de dignidade. Esse é o massacre. O massacre de Eldorado, que chocou toda a sociedade brasileira, é um pequeno conflito de ressaca ideológica. Por um lado, os agentes do Estado, uniformizados, os policiais militares, e, por outro lado, os homens do campo, motivados a levantarem a enxada, a foice, a pedra e o pau.

Aí é que vem a reforma agrária, mas uma reforma agrária dentro dos padrões. E o que se garantirá? Vivemos em uma sociedade capitalista, onde é garantido o direito à propriedade. É isso que deve prevalecer.

E o massacre, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Nós não podemos aproveitara situação, como está acontecendo, para colocar a culpa no Presidente da República. O que o Senhor Fernando Henrique Cardoso tem a ver com isso? Sua Excelência poderia ter a iniciativa. Mas o problema está na reforma, que passa pelo Congresso Nacional - Senado e Câmara -, passa pelo Judiciário e também pelo Poder Executivo. Isso é uma responsabilidade de toda a sociedade. Tudo bem! A oposição mais agressiva, mais cega, não pode perder a oportunidade de atribuir 100% da culpa ao gestor maior de um determinado poder.

O Sr. Osmar Dias - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Com o maior prazer concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Osmar Dias.

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - A Presidência interrompe a sessão para prorrogar a Hora do Expediente por mais 15 minutos, de forma que V. Exª possa concluir, além de mais dois Senadores que farão uso da palavra, para comunicação de liderança e comunicação inadiável.

O Sr. Osmar Dias - Senador Gilvam Borges, essa é uma questão muito complicada e que se complica mais a cada dia, porque o discurso que é feito para fazer a reforma agrária é muito maior do que o orçamento que se coloca para fazer a reforma agrária, é muito maior do que as possibilidades que o próprio Governo tem; sobretudo, quando se cria uma expectativa no País de que a reforma agrária é uma prioridade, estimulam-se também as invasões e os conflitos. Mas quero ser rápido, para não atrapalhar o seu pronunciamento, e fazer um cálculo para mostrar que há incoerência, por parte do Governo, na questão da reforma agrária. Tendo convivido com esse problema, sei que a legislação não permite mais agilidade; sei que o Judiciário, muitas vezes, até se aproveita de uma legislação lenta, morosa, para tornar ainda mais lento e moroso o processo de reforma agrária; mas não é possível aceitar que o Governo coloque como meta assentar 60 mil famílias, a um custo, para cada família, de R$40 mil, e coloque no Orçamento R$1,2 bilhão para fazer a reforma agrária. Ou o Governo dobra o dinheiro no Orçamento ou diminui para a metade a sua meta, porque, se cada família, para ser assentada, custa R$40 mil, com R$1,2 bilhão apenas 30 mil serão assentadas. E por que o Governo mantém o discurso de que assentará 60 mil famílias? Alguma coisa está errada, Senador Gilvam Borges; assim, continuaremos vendo os homens que querem a terra levantando a enxada e o pau, como V. Exª afirmou.

O SR. GILVAM BORGES - Agradeço o aparte de V. Exª.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Gilvam Borges, permite-me V.Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Sr. Presidente, de quantos minutos disponho?

O SR. PRESIDENTE (Odacir Soares) - V. Exª dispõe de 4 minutos. Pediria a V. Exª que cumprisse o Regimento, pois temos outros oradores inscritos e a Hora do Expediente já foi prorrogada.

O SR. GILVAM BORGES - Considerando o tempo, com o maior prazer, concedo um minuto de aparte a V. Exª, nobre Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha - Obrigado, Senador Gilvam Borges. Gostaria apenas de dizer que ou o Presidente da República conscientiza-se da gravidade da questão no campo - e também os parlamentares, principalmente os que defendem os proprietários rurais - ou as mortes vão continuar. Nesse acontecimento recente e também no de Corumbiara, apenas agricultores morreram; mais tarde, morrerão policiais, fazendeiros, porque a tendência dos conflitos é acirrarem-se. Já que o Parlamento não votará o rito sumário, já que o Parlamento não se predispõe a votar a apreciação, pela Justiça comum, dos crimes militares, ou o Presidente, definitivamente, decide essa questão por meio de uma medida provisória, ou tudo vai continuar do jeito que está. Era essa a observação que gostaria de fazer, parabenizando V. Exª pelo seu discurso.

O SR. GILVAM BORGES - Muito obrigado, Senador Sebastião Rocha.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não acredito em reforma agrária. Acredito, sim, num programa especial de assentamento. A partir do momento em que o direito à propriedade é garantido pela Constituição, um empresário ou um empreendedor pode comprar uma determinada quantia de terras. Isso também vale para o comércio e a indústria. Essa é a lei básica da iniciativa privada, o prêmio pelo investimento.

Acredito que a reforma agrária já está um tanto obsoleta, não se aplica mais; é uma velha bandeira que vem sendo levantada desde 50, 58, como solução para o País. Com 90% dos recursos alocados para a falada e decantada reforma agrária, o País deveria investir maciçamente na educação. A saída é investir no homem, e o prêmio do homem é justamente o seu crescimento, pelo trabalho e pelo conhecimento. Engels e Karl Marx sonhavam, um dia, construir uma sociedade igualitária. Sabem onde foi a falha? A falha foi na inteligência, no discernimento. O homem, por natureza, é um ser criativo e individual; a partir daí, ele contesta, inclusive, a própria ação do Estado como interferência nas suas ações.

Justiça e equilíbrio, assentamentos, sim; reforma agrária, não entendo. Vamos voltar para 50.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/1996 - Página 7024