Discurso no Senado Federal

RELATORIO PRELIMINAR DA COMISSÃO ESPECIAL DESIGNADA PARA APURAR OS ACONTECIMENTOS EM ELDORADO DOS CARAJAS NO PARA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • RELATORIO PRELIMINAR DA COMISSÃO ESPECIAL DESIGNADA PARA APURAR OS ACONTECIMENTOS EM ELDORADO DOS CARAJAS NO PARA.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/1996 - Página 7085
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, RELATORIO, COMISSÃO ESPECIAL, SENADOR, VIAGEM, ESTADO DO PARA (PA), APURAÇÃO, VIOLENCIA, POLICIA MILITAR, MORTE, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, DEFESA, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, não usarei todo o tempo, até para que o Senador Mauro Miranda possa usar da palavra.

Em nome da comissão designada pelo Presidente José Sarney para ir ao Pará, composta pelos Senadores Ademir Andrade, Sebastião Rocha, José Eduardo Dutra, Totó Cavalcante e Coutinho Jorge, quero informar que ainda hoje, pela manhã, nos reunimos e decidimos que, nesta data, estaremos fazendo um relatório preliminar sobre o que vimos.

Estivemos primeiramente na cidade de Marabá, onde visitamos o Instituto Médico Legal. Ali os corpos dos dezenove trabalhadores rurais sem-terra nos impressionaram sobremodo, não apenas pela forma como se encontravam mutilados. Observamos que foram dados tiros à queima roupa. Pelas constatações dos médicos legistas, sobretudo do legista Nelson Mancini, houve trabalhadores sem-terra que, além de receber tiros, foram mutilados, receberam pancadas de instrumentos de trabalho, como foices e outros, que, conforme podem comprovar as fotos, cortaram a nuca ou outras partes de seus corpos, ferindo-os mortalmente.

De Marabá fomos à Curionópolis e Paraopebas. Visitamos o local do massacre, onde os trabalhadores foram cercados pelas tropas, de um lado e outro da estrada que vinha de Paraopebas e da que ia para Marabá, em que dezenas de policiais, armados de fusíveis, metralhadoras e bombas de gás lacrimogêneo acabaram por criar uma situação de conflito dramático. Os trabalhadores nos relataram que, na véspera, os policiais militares, por seu comandante, haviam oferecido a possibilidade de uma trégua. Cinqüenta ônibus os levariam até Marabá e cinco ônibus levaria boa parte daqueles trabalhadores rurais sem-terra para Belém, onde dialogariam com o Incra e com o Governador Almir Gabriel ou seus representantes.

Isso ocorreu na terça-feira. Na quarta-feira, às onze horas da manhã, o mesmo oficial que fizera aquela oferta simplesmente disse que não poderia concluí-la, pois não fora aceita pelas autoridades. Às três da tarde, chegaram os ônibus com os comandantes e os PMs que provocaram aquele dramático conflito.

Estivemos tanto no hospital de Marabá como no hospital de Paraopebas, ouvindo os trabalhadores rurais, bem como dois policiais militares que foram feridos na ocasião. Em seguida, a delegação foi para Belém do Pará, lá estando presentes os Senadores Sebastião Rocha, Ademir Andrade, Coutinho Jorge e José Eduardo Dutra.

Vim para Brasília no mesmo avião em que se encontrava o General Alberto Cardoso, Chefe da Casa Militar da Presidência da República, ocasião em que com S. Exª dialoguei longamente sobre aqueles incidentes e a necessidade de providências urgentes para transformar esse estado de coisas e responsabilizar aqueles que causaram esse dramático massacre, em que 19 trabalhadores foram mortos e, pelo menos, 45 foram feridos.

Na audiência com o Governador Almir Gabriel, conforme o relato escrito que o Senador Sebastião Rocha encaminhou-me para aqui transmitir em nome da Comissão, foram descritos os seguintes pontos:

      1) Do assentamento dos Sem-Terra

      O Governador informou que dezembro de 1994 comunicou ao Presidente da República, em audiência, sobre a situação dos sem-terra acampados na região de Curionópolis-PA.

      Foi instalada uma comissão para transferência de terras da União para o Estado, tendo realizado 3 (três) reuniões com este fim.

      Foi assinado decreto de revisão das terras tituladas.

      O Incra comprou a fazenda Rio Branco para posterior assentamento.

      O Incra tentou viabilizar a compra da Fazenda Macacheira, preferida pelos sem-terra. A fazenda não tinha título definitivo, o que dificultou a compra. Ultimamente o Governador autorizou a compra da referida fazenda, independentemente da titulação.

      2) Dos fatos em Eldorado dos Carajás.

      Comunicado pelo Secretário de Segurança Pública e pelo Comandante da Polícia Militar do Estado do Pará, a respeito da obstrução da estrada PA-150 pelos sem-terra, o Governador tomou a decisão de desobstruir a citada rodovia. Informa, no entanto, que determinou que a Polícia Militar se fizesse acompanhar na operação por representante do Ministério Público, da imprensa e um Juiz da região. O Coronel Robson (comandante da PM-PA) transmitiu a ordem do Governador ao Coronel Pantoja, na presença do próprio Governador.

      O Governador Almir Gabriel afirmou que tomou conhecimento das reivindicações dos trabalhadores sem-terra ao Major Oliveira, de Paraopebas, a respeito do fornecimento de transporte e alimentos aos acampados.

Ou seja, na terça-feira última os trabalhadores haviam solicitado ao Major Oliveira 50 ônibus e alimentos, para que eles pudessem se dirigir a Marabá. E isso havia, em princípio, sido acordado pelo Major Oliveira.

      O Governador confirmou a versão predominante de que ao serem abordados com bombas de efeito moral e tiros para o alto, os sem-terra reagiram com seus instrumentos de trabalho, tentando atingir os policiais da linha de frente do batalhão de Marabá. Desencadeando-se, a partir de então o ataque frontal por parte dos policiais, tanto de Marabá como os de Paraopebas, através de armas como fuzis e metralhadoras.

      Segundo o Governador, o batalhão de Paraopebas, comandado pelo Major Oliveira, teria tido uma participação bem menos agressiva do que o de Marabá, comandado pelo Coronel Pantoja.

      O Governador Almir Gabriel reconheceu que a polícia exorbitou de suas funções, perdeu o controle e cometeu um massacre.

      3) Providências adotadas

      a) Compromisso de apuração real dos fatos;

      b) Requisitou ajuda federal para garantir fidelidade da investigação: peritos, técnicos da USP-Medicina Legal, agentes da Polícia Federal para proteção das pessoas importantes nos depoimentos;

      c) Reunião com o Tribunal de Justiça, Assembléia Legislativa e Ministério Público;

      d) Abertura de inquéritos civil e militar com acompanhamento pelo Ministério Público Estadual, entidades civis e militares;

      e) Tomar todas as decisões com base na lei, sem utilização de arbítrio;

      f) Afastar da tropa automaticamente os policiais que comprovadamente participaram da operação;

      g) Afastamento imediato do Coronel Pantoja, do comando da PM de Marabá.

Sr. Presidente, eu, juntamente com a Deputada Sandra Starling, representantes do PT, do PDT, do PCdoB e na presença dos líderes do PSDB e do PMDB, José Aníbal e Michel Temer, às 19 horas de sexta-feira última, estivemos com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ocasião em que relatei os fatos sobre o que vimos. Mostrei ao Presidente da República as fotos dos trabalhadores sem-terra que, segundo se pode verificar, não apenas sem terra, eram "sem-nada". As suas roupas eram simples, apenas calça e camiseta ou, às vezes, só as calças, sapatos ou botas sem meias, tipicamente roupas de pessoas destituídas de recursos, destituídas de direitos e de cidadania.

Mostramos a nossa indignação diante daquilo que nos pareceu um massacre, um abuso por parte da Polícia Militar. Ressaltamos ao Presidente da República que já, em agosto, havia ocorrido o episódio de Corumbiara. Havíamos ali estado, dizendo que seria a última vez que pudessem ocorrer fatos trágicos como aquele contra trabalhadores pobres em nosso País.

Desde agosto até agora, abril de 1995, não ocorreu qualquer conclusão de apuração sobre os episódios de Corumbiara, onde 11 trabalhadores foram mortos pela PM naquela região do País. Ora, o que acontecerá daqui para frente? É preciso que haja a mobilização de todos no Congresso Nacional, pois é necessário que se garanta a responsabilização perante a lei e a Justiça; que haja a punição adequada, mas, sobretudo, que haja as medidas necessárias para que não se tenha mais delonga, para que ocorra o que o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso mencionou no seu último discurso como Senador. Já como Presidente eleito, disse Sua Excelência que contribuiria para resgatar a justiça, que daria prioridade à erradicação da miséria e da fome. Até agora, o que temos visto é a delonga.

Transmitimos ao Presidente que seria importante que o Governo e seus Ministros gastassem tanta energia e disposição para realizar a reforma agrária, quanto muitas vezes estavam despendendo para criar o Proer, salvar bancos e destinar recursos a instituições financeiras.

O Presidente disse que não concordava com tal tipo de análise. Dissemos-lhe que havia uma tendência natural para que estivesse recebendo a elite, para que empresários e representantes dos bancos, da indústria e do comércio estivessem sempre aproximando-se dele; que precisaria realizar um esforço a fim de reverter essa tendência que normalmente ocorre. Sua Excelência disse que fazia tal esforço, mas o julgamos insuficiente.

Estaremos solicitando de todos os partidos, no Congresso Nacional, que rapidamente venhamos a aprovar o projeto de lei do Deputado Hélio Bicudo, que tramita hoje no Senado, para que seja competência da Justiça comum julgar os crimes eventualmente cometidos pela PM, para que tenhamos logo o rito sumário e meios de acelerar a reforma agrária.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/1996 - Página 7085