Discurso no Senado Federal

CONDENAÇÃO DO SOLDADO PM VINICIUS EMMANUEL, ENVOLVIDO NA CHACINA DA CANDELARIA. OMISSÃO DE AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS NO MASSACRE DOS SEM-TERRA EM ELDORADO DOS CARAJAS - PA.

Autor
Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.:
  • CONDENAÇÃO DO SOLDADO PM VINICIUS EMMANUEL, ENVOLVIDO NA CHACINA DA CANDELARIA. OMISSÃO DE AUTORIDADES GOVERNAMENTAIS NO MASSACRE DOS SEM-TERRA EM ELDORADO DOS CARAJAS - PA.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1996 - Página 7438
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, CONDENAÇÃO, CRIMINOSO, HOMICIDIO, MENOR ABANDONADO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, INFORMAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, ARMAMENTO, TRABALHADOR RURAL, ANTERIORIDADE, MORTE, SEM-TERRA, OMISSÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), GOVERNADOR, ESTADO DO PARA (PA).

O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, preferi vir à tribuna para agradecer pessoalmente a amabilidade e o carinho com que o Senador Bernardo Cabral sempre tratou este vestibulando político nesta Casa.

Comunico ao Plenário e ao Senador Bernardo Cabral que, falando agora com a Rede Bandeirantes, informaram-me que o soldado Marcus Vinícius Emmanuel acabou de ser condenado a 309 anos de reclusão. Como a pena máxima é de 30 anos - ele já está preso há três anos, preventivamente - ele deverá cumprir mais 27 anos. Os outros julgamentos deverão ocorrer logo em seguida. Esse é o caso da chacina da Candelária. Acho importante que a Casa tome conhecimento, visto que esse processo vem angustiando o Congresso já há algum tempo.

Mas o que me traz a esta Casa não é menos angustiante do que o caso da Candelária: refiro-me às mortes no Pará, em Eldorado do Carajás, Senador Josaphat Marinho, Senador Bernardo Cabral. Preocupa-me o noticiário publicado pela Folha de S. Paulo na sexta-feira, 26 de abril, e pela revista IstoÉ na última semana.

Pretendo não tomar muito o tempo de V. Exªs, mas gostaria de conversar com os Senadores escolhidos por essa Mesa para comparecerem ao local da morte dos Sem-Terra, a fim de confirmar as angustiantes notícias sobre a omissão do Ministro da Justiça, Nelson Jobim.

Diz Paulo Silva Pinto em artigo publicado pela Folha de S. Paulo do dia 26 de abril:

      "Os sem-terra teriam comprado armas com dinheiro dado pelo Incra para adquirir comida. A informação está em um relatório de Humberto Espínola, coordenador-geral do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), do Ministério da Justiça, sobre o massacre."

O mesmo texto diz ainda:

      "A Folha apurou que a Polícia Federal também detectou, há dois meses, a compra das armas. O Incra distribuiu em fevereiro e março uma ajuda de R$800 para cada família da região."

Em longo artigo de Gilberto Nascimento e Alan Rodrigues, a revista IstoÉ afirma:

      "(...) Almir Gabriel, Governador do Pará, depôs durante 40 minutos no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), do Ministério da Justiça, sobre a chacina de Eldorado de Carajás (...).

      No mesmo andar, na sala ao lado onde Gabriel apresentou suas explicações, encontra-se o gabinete de trabalho de outro "omisso": o ministro da Justiça, Nelson Jobim. Por duas vezes, antes que o massacre no Sul do Pará ocorresse, Jobim foi alertado sobre a possibilidade do conflito. "Enviei duas cartas ao Ministro da Justiça, informando sobre a grave situação agrária no Pará", disse a IstoÉ o ministro demissionário da Agricultura, José Eduardo Andrade Vieira, por meio de sua assessoria. Jobim nega ter recebido qualquer tipo de aviso. "Não recebi", reagiu Jobim, também pela sua assessoria. Como titular da Justiça, Jobim poderia, por exemplo, ter tomado providências para que o Conselho que vigia o respeito aos direitos humanos fosse ao local antes do pelotão de fuzilamento da PM."

O que me preocupa, Senador Bernardo Cabral, é que, se analisarmos o contexto das informações publicadas pelo jornal, veremos que, dois meses antes, a Polícia Federal detectou que, com o dinheiro recebido do Incra para a compra de alimentos, os Sem-Terra adquiriram algumas armas. Nos últimos dias, procurei qualquer desmentido nos jornais, mas não encontrei nenhum.

O Ministro José Eduardo Vieira diz que mandou duas cartas, no mesmo período, ao Ministro da justiça, alertando-o sobre o clima tenso na região de Eldorado do Carajás, no Pará. Tivemos outras ocorrências idênticas anteriormente, com fatos e mortes a lamentar.

Penso que alguma preocupação deveria ter surgido no âmbito do Ministério da Justiça. Quantas vezes, noites e dias, eu e o Senador Bernardo Cabral discutimos alguns problemas que poderiam ter desdobramentos, porque a previsão é própria do administrador público. Ele tem que fazer projeções para saber a gravidade daquilo que ocorre no País.

Então, faço uma pergunta que gostaria que tivesse resposta negativa. A polícia sabia da aquisição de armas, Senador Antonio Carlos Valadares, antes da ocorrência; portanto, armados estavam os Sem-Terra com revólveres. Essa informação é a cadeia natural da clientela de um setor de informações: diretoria da Polícia Federal, Ministério da Justiça. Diante disso, não consigo, hoje, depois da ocorrência do grampo telefônico, imaginar que o Ministro possa alegar ignorância sobre o que ocorre na Polícia Federal. Aquilo provavelmente foi uma lição com a qual todos nós aprendemos. Quando essa informação chegou ao Ministério, automaticamente alguém deveria ter ido ao local para inteirar-se a respeito dela e das providências de ordem legal para desarmar os Sem-Terra.

Por outro lado, se chegou à Polícia Militar do Pará a informação de que, se fossem intervir, eles teriam que enfrentar um grupo de sem-terra armado; se eles comunicaram ao Governador ou ao seu comandante que poderia haver um confronto armado; se todos sabiam e ninguém tomou providências a respeito, então, chamaram os Sem-Terra para uma cilada, porque o potencial de fogo da Polícia Militar sempre seria maior do que um revólver dos Sem-Terra. Então, estes atiraram, e a Polícia respondeu com fogo, e as conseqüências são as que vimos.

Sr. Presidente, Srªs e Senadores, não tenho muito mais o que falar. Deixo a situação à reflexão deste Plenário. A Procuradoria da República, hoje, busca verificar se esse crime poderá ou não ser apreciado pela Justiça Federal. O Ministro da Justiça, segundo o noticiário, lá se encontra reclamando que o processo está vagaroso demais. Não podemos, portanto, deixar que esses pontos fiquem sem esclarecimento no devido tempo. A própria sociedade reclama isso, e, provavelmente, o próprio Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, que é subordinado ao Ministro da Justiça.

O SR. PRESIDENTE (Valmir Campelo) - Concedo a palavra ao nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Sr. Presidente, o Senador Bernardo Cabral e eu estamos solicitando um aparte ao orador, Senador Romeu Tuma.

O SR. ROMEU TUMA - Perdoem-me. Pois não.

O SR. PRESIDENTE (Valmir Campelo) - O orador concedeu os apartes?

O Sr. Romero Jucá - Sr. Presidente, parafraseando o Senador Bernardo Cabral, também aguardo a minha vez de falar, para que o nobre Senador Antonio Carlos Valadares possa dar o seu aparte.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Obrigado, Senador Romero Jucá. Senador Romeu Tuma, V. Exª não poderia retirar-se da tribuna sem uma manifestação de estímulo ao seu discurso, para que outros sejam feitos nesta Casa, também denunciando situações de omissão, de indiferença, de um cruzar de braços das autoridades responsáveis que podem evitar tragédias como a que aconteceu no sul do Pará. Dezenove trabalhadores rurais foram trucidados pela polícia num confronto desigual, podemos dizer assim, que marcou o que V. Exª disse: uma cilada antecipadamente preparada, uma armadilha, como já referiu o Senador José Eduardo Dutra, que foi urdida, quem sabe, pelos poderosos da região, com o apoio da polícia do Pará. Enquanto isso, Senador Romeu Tuma, medidas urgentes precisam ser tomadas pelo Governo Federal, no sentido de propiciar uma reforma agrária que conceda ao trabalhador o acesso à terra, onde ele possa produzir e assim cuidar da sua família. Em vez de morte, trabalho; em vez de assassinato, deve-se oferecer ao brasileiro trabalhador simples do campo a perspectiva de uma vida melhor. É o que, na realidade, eles querem; e é o que nós Senadores conscientes queremos. Não representamos aqui um bloco de ruralistas; não representamos um segmento da sociedade brasileira; representamos, sim, todos os segmentos sociais do Brasil que confiaram que nossa presença aqui seria benéfica para equilibrar a situação nacional. Então, em vez de violência, em vez de se utilizarem sete palmos de terra para enterrar o trabalhador, que se utilizem 10 hectares para cada família; bastam 10 hectares, e teremos terra de sobra para que a paz volte ao campo. Quero aproveitar esta oportunidade para dizer que apresentamos - V. Exª é testemunha, Senador Romeu Tuma - um requerimento que já foi publicado no Diário do Senado Federal - certamente, a Mesa providenciará sua deliberação perante o Senado Federal, perante o Plenário - em que solicito ao Presidente da República que, assim como houve condições de se baixar medida provisória para salvar bancos, edite uma medida provisória que retome aquela cobrança dos 10% aos aposentados, depois que a Câmara dos Deputados rejeitou o projeto do Executivo nesse ponto. O Executivo enviou ao Poder Legislativo um projeto de lei que retira a não-obrigatoriedade de contribuição do aposentado à Previdência Social; ele pagou durante anos e anos e, depois de aposentado, ainda vai pagar mais. É justo que essa situação continue para os aposentados. A Câmara Federal rejeita essa proposta do Executivo, que se utiliza da Constituição, dizendo que é uma situação emergencial, uma situação urgente e relevante, e edita uma medida provisória justamente aprovando o que o Legislativo rejeitou. A meu ver, um ato discricionário, um ato típico dos regimes militares. Por outro lado, enquanto a Nação inteira clama por medidas emergenciais que deveriam ser tomadas ontem e não hoje, o Governo não tem coragem suficiente de assumir essa postura social a que se propôs na campanha para a Presidência da República, depois da qual se elegeu com milhões e milhões de votos, inclusive de trabalhadores. Uma medida provisória, por exemplo, para conferir o direito do próprio Governo de evitar as liminares depois que são decididas as desapropriações, o rito sumário, porque por meio dele o Governo teria instrumento emergencial suficiente para que haja imissão na posse, e o trabalhador tome conta da terra. Penso que essas medidas, meu caro Senador Romeu Tuma, precisam ser tomadas com urgência. Somo-me a V. Exª nessa crítica construtiva que faz ao Governo Federal, no intuito de se evitarem tragédias como a do Pará; para que o Governo Federal seja mais ágil na sua ação; que o Ministro da Justiça, que tem um aparelhamento bom e uma Polícia Federal bem formada, possa evitar confrontos como esses que sempre ocorrem em prejuízo do mais fraco que é o trabalhador. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço a V. Exª o oportuno aparte.

O Sr. Bernardo Cabral - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Concedo a palavra ao Senador Bernardo Cabral, não antes de cumprimentar a Senadora Marina Silva pelo prêmio recebido em razão de seu trabalho ecológico, no Estado que representa. (Palmas)

A Srª Marina Silva - Muito obrigada.

O Sr. Bernardo Cabral - Meu caro Senador Romeu Tuma, o que colho do pronunciamento de V. Exª, além da gravidade já registrada pelo Senador Antonio Carlos Valadares - aliás, S. Exª me lembrou meu tempo de estudante de Direito, quando aprendi uma frase latina: Roma locuta, causa finita: Roma falou, a causa está encerrada; depois de S. Exª ter falado, eu já não deveria dizer mais nada - mas, repito, colho, além da gravidade do fato, um assunto muito sério. V. Exª acaba de trazer para a tribuna do Senado Federal que um de dois Ministros desta República é mentiroso. V. Exª registrou, por meio de noticiário da imprensa, que o Ministro da Justiça disse uma coisa e o Ministro da Agricultura disse outra. Como são posições que se confrontam, como são posições que não foram retificadas nem desmentidas por intermédio da imprensa, um dos dois falta com a verdade. Quero dizer que isso demonstra uma desconectação, uma desarmonia que enfraquece o próprio Titular do Governo. O discurso de V. Exª é tanto mais grave porque - tendo sido V. Exª Secretário da Polícia Federal, homem retilíneo, de verticalidade, que tem toda experiência - V. Exª não foi convidado - convocado, V. Exª, como Senador, não poderia - para dar sua opinião em torno de um assunto que - devo registrar aqui - foi denunciado pelo Senador Valmir Campelo com muita antecedência, há uns três ou quatro meses, quando se denotava, quando se indicava que haveria burburinho nessa área. Lembro-me de que o discurso do Senador Valmir Campelo dizia respeito a um problema da penitenciária; S. Exª mostrava o rastilho que estava no caminho do País, bastando que alguém o incendiasse. Agora, Senador Romeu Tuma, V. Exª põe os pingos nos is. É preciso que a Nação ouça a palavra de Senadores respeitáveis e respeitados como V. Exª. Não posso aceitar, sendo seu colega de Parlamento, que um homem de sua categoria não tenha sido chamado para dar sua opinião, sua sugestão, mostrar o lado estratégico e, sobretudo, necessário da questão. V. Exª sempre foi homem de montar uma engenharia prévia; V. Exª sempre foi tático em assuntos dessa natureza. Vejo que seu discurso é um desabafo; um desabafo que encontra eco. Vieira dizia, na sua defesa perante o Santo Ofício, no célebre Sermões, que até os penhascos ecoam, porque se não ecoassem rebentariam de dor. V. Exª, nesta altura, deve estar rebentando de dor por não ter podido prestar ao nosso País o serviço que é capaz de oferecer.

O SR. ROMEU TUMA - Muito obrigado, Senador, sempre, com sua amabilidade, me tratando com carinho e amizade. Agradeço seu aparte.

O que trago é uma análise de informações jornalísticas que considero de suma gravidade. Reclamo mesmo que no Ministério da Justiça se discutam vários assuntos referentes à parte de segurança e modificação de alguns projetos nas leis penais e na estrutura de um plano nacional de segurança pública, com a presença de várias pessoas convidadas; mas, deste Plenário, não conheço alguém que mereça o carinho do Ministro da Justiça para acompanhar a evolução de uma área delicada, com problemas enormes a serem enfrentados; com vários segmentos policiais despreparados, por falta de iniciativa e de investimentos dos governantes, e a Polícia Federal, infelizmente, se deteriorando, por falta de estímulo, por falta de entusiasmo, por falta de assistência, por falta de verba, por falta de cursos de reciclagem e de uma série de outras coisas.

Acredito que, no caso do Pará, as respostas terão que vir através de um pronunciamento na imprensa ou através da investigação que o Ministério Público está desenvolvendo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1996 - Página 7438