Discurso no Senado Federal

CUMPRIMENTOS A SENADORA MARINA SILVA. PARABENIZANDO O SENADOR ARLINDO PORTO POR SUA INDICAÇÃO PARA O MINISTERIO DA AGRICULTURA. TRANSCRIÇÃO DO EDITORIAL INTITULADO A RENDA MINIMA, PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, FAZENDO ANALISE COMPARATIVA DE TODOS OS PROJETOS SOBRE O ASSUNTO.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • CUMPRIMENTOS A SENADORA MARINA SILVA. PARABENIZANDO O SENADOR ARLINDO PORTO POR SUA INDICAÇÃO PARA O MINISTERIO DA AGRICULTURA. TRANSCRIÇÃO DO EDITORIAL INTITULADO A RENDA MINIMA, PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO DE HOJE, FAZENDO ANALISE COMPARATIVA DE TODOS OS PROJETOS SOBRE O ASSUNTO.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Eduardo Suplicy, Gerson Camata, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1996 - Página 7446
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, MARINA SILVA, SENADOR, RECEBIMENTO, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, MEIO AMBIENTE.
  • SAUDAÇÃO, ARLINDO PORTO, SENADOR, INDICAÇÃO, CARGO PUBLICO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA (MAGR).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, ASSUNTO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO.
  • NECESSIDADE, PROGRAMA, RESGATE, POPULAÇÃO, MISERIA, ANALISE, EXPERIENCIA, PROJETO, CAPITAL FEDERAL, MUNICIPIO, RIBEIRÃO PRETO (SP), CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, RESULTADO, DISCUSSÃO, GOVERNO, AUTORIZAÇÃO, EXECUTIVO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, COMPLEMENTAÇÃO, RENDA, POPULAÇÃO CARENTE, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO, CONTENÇÃO, MIGRAÇÃO.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de iniciar meu pronunciamento cumprimentando V. Exª, Senadora Marina Silva. Mais do que isso, dizendo do orgulho que todos nós, que estamos nesta Casa - não só os Senadores presentes nesta sessão, mas recolho o pensamento de todos os seus colegas de Senado -, sentimos de estar compartilhando com V. Exª, aqui, na mais alta corte do País, este momento tão importante para a vida brasileira.

A Fundação Goldman, que afinal de contas tem uma tradição e um critério mundialmente conhecidos na concessão desse tipo de prêmio, escolhe o nome de V. Exª e reconhece, com isso, uma história de vida que é singular.

Creio que a presença de V. Exª no Senado da República não é só um coroamento a essa sua história de vida, mas é uma esperança a todos os brasileiros, principalmente aos mais humildes, àqueles que muitas vezes, indefesos, abandonam as suas bandeiras, os seus ideais.

Todos nós temos muito orgulho de compartilhar com V. Exª, no Senado, este momento que estamos vivendo.

Entendo que todo o Brasil está de parabéns, porque o nosso País é pobre, nele ocorrem grandes injustiças, mas é um País sobretudo que tem liberdade, que tem democracia. Só em um país de pessoas livres, com espírito de liberdade, em um país democrático, uma pessoa com a história de vida de V. Exª chegaria ao Senado Federal. A presença de V. Exª, bem como esse prêmio internacional que recebeu, é motivo de orgulho para todo o País.

O Sr. Gerson Camata - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Gerson Camata - Tenho certeza de que V. Exª fala em nome de todos nós, Senadores. Ainda assim, aproveito esta intervenção para dizer que é motivo de orgulho e satisfação conviver com uma Colega que recebe um prêmio desse peso, dessa magnitude. Engrandece-a mais ainda a destinação que deu à parte monetária do prêmio. Mas registro, não obstante este momento de tamanho orgulho e emoção, a maneira discriminatória com que a imprensa se referiu hoje à suplente do Senador Arlindo Porto. Sou jornalista, razão pela qual me sinto mal quando acontece algo assim. Foram publicadas matérias discriminatórias que, ao final, concluíram que uma secretária que recebe R$700 por mês não pode ser uma Senadora. Pregavam, então, o elitismo da política, segundo o qual, pelo que deram a entender, só os grandes cientistas, os grandes milionários a ela devem ter acesso. Diziam que ela não tem experiência política quando, na verdade, há 15 anos é filiada ao PTB e secretária do Partido em Minas Gerais. Não sei se essas manifestações se deram pelo fato de ela ser mulher. A maneira pela qual toda a imprensa referiu-se a ela - "a Cinderela da política" - feriu-me profundamente, não como Senador, mas como jornalista que sou. Essa não é maneira de se tratar seres humanos. Isso é elitização da política. Se aquilo que a imprensa pregou hoje fosse a realidade, a Senadora Marina Silva não estaria nesta Casa. Essa não é a maneira de se referir às pessoas. Todas as pessoas têm dignidade dentro de si e não podem ser tratadas, por serem políticas, da maneira como a suplente do Senador Arlindo Porto foi tratada no dia de hoje pela imprensa brasileira.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito bem. Ressalto ainda, exatamente porque este pronunciamento será registrado nos Anais da Casa, que a Senadora Marina Silva, além de Parlamentar competente, dedicada, tem uma característica muito interessante: ternura no trato com os seus Pares. S. Exª segue sempre seus posicionamentos muito rígidos, muito firmes, mas o faz sem jamais perder a ternura.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Por tudo isso, vou inclusive conceder um aparte a um Senador que já incorporou, até no codinome, esse adjetivo. Com muito prazer, concedo o aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães - Sinto-me feliz em aparteá-lo, porque acho que a presença da Senadora Marina engrandece muito esta Casa, ainda mais agora que a sua fragilidade aparente lhe dá fortaleza muito grande nas suas convicções e na sua luta. É motivo de orgulho para todos nós o fato de S. Exª receber um prêmio internacional importante como esse, com muita justiça. Todos nós, independentes de questões ideológicas ou partidárias, só podemos agradecer a oportunidade de tê-la conosco no Senado, o que só engrandece o Parlamento brasileiro.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Obedecendo aos ensinamentos de há pouco do Senador Bernardo Cabral, depois do aparte do Senador Antonio Carlos Magalhães, com a sua experiência, em nome de todos os Senadores, ficam aqui registrados cumprimentos que são suprapartidários, que são sobretudo de brasileiros que se orgulham de compartilhar com a Senadora Marina Silva esse período da história brasileira, que é principalmente uma história de liberdade e de democracia. Como todos frisaram, não fosse isso, pessoas com a sua história de vida, que é muito bonita, não estariam aqui entre nós.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Ouço V. Ex.ª

A Srª Marina Silva - Agradeço a todos os Srs. Senadores por esse gesto carinhoso para com a minha pessoa. Quero dizer que, nessa nossa luta em defesa do meio ambiente, da Amazônia e da possibilidade de transformarmos as coisas que ali estão dando certo em projetos viáveis e realizáveis para as populações da Amazônia, sempre tenho buscado contar com V. Exªs. A meu ver, é isso que faz com que esta Casa possa representar os Estados da Federação. Nossa responsabilidade aqui é maior. Faço desse prêmio mais uma âncora e espero que ela se transforme em uma ação de governo na Amazônia. Saí daqui muito triste, porque na véspera do prêmio aconteceu aquele episódio. Por mais que eu falasse sobre uma série de coisas boas, as pessoas indagavam a respeito daquele episódio, que, como sabemos, foi muito forte. É por isso que estou encaminhando uma carta ao Secretário-Geral da ONU, carta assinada por todos os premiados, pedindo ao Secretário que dê acompanhamento ao gesto do Governo brasileiro de prometer a reforma agrária, razão pela qual criou um Ministério - daqui a pouco, inclusive, estará tomando posse o novo Ministro. Busquei fazer, digamos assim, o papel daquela que coloca a verdade; porém, ao mesmo tempo, exigi dos países desenvolvidos apoio com relação àquilo que precisamos receber, porque infelizmente não temos como enfrentar sozinhos os grandes desafios que se nos apresentam. Muito obrigada.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Creio que, com esse gesto, fica claro que o Senado Federal, exatamente por ser o símbolo maior do princípio do federalismo, representa o sentimento maior de nacionalidade. Na Câmara dos Deputados, os Estados mais fortes, os Estados mais ricos têm um número de Deputados muito maior do que aqueles Estados mais fracos, menos populosos e economicamente menos importantes. É aqui, no Senado, em que cada Unidade da Federação tem igual número de representantes, que se consolida o princípio do federalismo.

Aproveito, Sr. Presidente, já que estamos em uma sessão tocada por razões de emoção, para registrar o meu abraço - e sei que também é um abraço de todos os Srs. Senadores - ao Senador Arlindo Porto, que representa o Estado de Minas Gerais. Sentado ao seu lado durante alguns meses deste ano, aprendi a conhecê-lo. Trata-se de um homem, como normalmente são os homens de Minas, que fala mais pelo silêncio do que pelas palavras. É um político habilidoso, experiente. Quando Vice-Governador de Minas, fez um trabalho importante em nível do municipalismo mineiro, de forma que aquele Estado tem hoje quase 800 municípios. Foi também prefeito de sua cidade natal.

S. Exª, embora seja dotado de ampla experiência administrativa, tem algo que considero extremamente importante para o atual momento da vida política brasileira: humildade. Prova disso é que, ao invés de tomar posse nesses primeiros dias após sua indicação, marcou-a só para a semana seguinte. Explicou esse adiamento: pediu um tempo ao Presidente da República para que pudesse conversar com todas as lideranças políticas expressivas, com todos os segmentos organizados do setor produtivo brasileiro. Penso que o Senador Arlindo Porto e V. Exª, Senador Valmir Campelo, como Líder do PTB nesta Casa, estão de parabéns, porque o Senador Arlindo Porto, a meu ver, tem qualidades para, se Deus quiser, levar a cabo essa missão.

Há outro assunto a tratar. Na presença do Senador Eduardo Suplicy, que tem sido o mais tradicional defensor do projeto de renda mínima no Brasil, peço a transcrição nos Anais desta Casa do editorial de hoje de A Folha de S. Paulo. Diferentemente do que acontece no dia-a-dia, trata-se de um editorial de primeira página, que traz o título "A renda mínima".

A Folha de S.Paulo, na sua edição de domingo, trouxe, como matéria principal de duas páginas, os projetos de renda mínima existentes no Brasil. Trouxe inclusive tabela comparativa do projeto original do Senador Eduardo Suplicy, dos projetos experimentais que estão sendo executados em Ribeirão Preto, Brasília e Campinas, e do projeto que apresentei nesta Casa. Todos eles têm um objetivo comum: reconhecer que, em um País de tantas desigualdades, nesse período de transição, até que o desenvolvimento que desejamos produza riquezas, empregos, não podemos deixar que tantas pessoas fiquem à margem da sociedade, abaixo da linha mínima de vida digna, ou seja, na miséria.

Apresento o projeto, Sr. Presidente, partindo do seguinte princípio: estima-se em 9 milhões o número de famílias que, em nosso País, vivem no limite mínimo de sobrevivência. São mais de 30 milhões de brasileiros a quem são negados os direitos mais elementares da cidadania - como saúde, educação, habitação, alimentação, segurança.

Essa legião de excluídos multiplica-se em proporções geométricas, agravando o quadro de miséria e de injustiça social.

A democracia permanecerá letra morta na Constituição enquanto o Brasil continuar a negar alimento a quem tem fome, negar abrigo a quem não tem onde morar, negar educação a quem depende dela para sair da miséria. É dever da sociedade brasileira - e do Estado, instrumento de sua vontade - construir os alicerces para mudança dessa crua realidade de injustiça social.

Não se persegue - e é bom registrar isso - a absoluta igualdade entre o homens, utopia que gerou os regimes mais autoritários deste século. Desigualdades e contrastes sempre existirão. Os homens, feitos iguais em dignidade e espírito, são por natureza desiguais em formas e talentos, capacidades e aspirações.

A plena realização das potencialidades do Homem, porém, só pode dar-se num ambiente de igualdade de oportunidades. Sem ela, sobra lugar apenas para os privilégios. A igualdade de oportunidades pressupõe idênticas chances de acesso ao conhecimento, ao saber.

Infelizmente, o Brasil ainda não oferece essa oportunidade a uma grande parte da população. Hoje, milhões de crianças abandonam as escolas e ingressam prematuramente no mercado de trabalho, quando não na marginalidade, no crime e na prostituição para garantir o seu sustento e de suas famílias.

O objetivo desse Projeto é fazer com que essas crianças prossigam os seus estudos e com isso tenham os conhecimentos necessários para, no futuro, disputarem melhores postos de trabalho e terem vida digna.

Além de propiciar estímulo à universalização do ensino em todas as regiões do País, o Projeto incorpora ainda dois outros objetivos; o primeiro deles, consiste em limitar a extensão do benefício exclusivamente a famílias residentes em municípios com menos de 50 mil habitantes. De acordo com pesquisas do IPEA, os municípios nessa faixa de população apresentam as mais elevadas taxas de indigência familiar. Os 3.854 municípios brasileiros com até 50 mil habitantes (90,1% do total) agrupam 4.899.003 famílias na faixa de indigência. Isso representa 54,6% do total de famílias indigentes no País.

Com esse Programa de Bolsas de Estudo, pretende-se criar estímulo a que os moradores das pequenas e médias cidades permaneçam em sua própria terra e não migrem para os grandes centros urbanos. Nesse sentido, a presente proposta tem o mérito de servir como elemento adicional de controle do processo migratório principal responsável pela crise urbana característica da paisagem social brasileira.

O outro objetivo é o de criar um instrumento eficaz de implantação da chamada "renda mínima", acoplada a uma exigência de reciprocidade por parte do benefício. Tramitam pelo Congresso Nacional alguns projetos de criação de renda mínima para os excluídos - e entre eles merece, por justiça, ser citado o de autoria do Senador Eduardo Suplicy.

O Projeto ora apresentado incorpora o espírito daqueles projetos e os expande de forma a integrá-los a outras políticas sociais, obrigação do Poder Público comprometido com o resgate da dívida social que o País tem para com enorme parcela de sua população.

Parto do pressuposto da inviabilidade econômica de, no curto prazo, termos um projeto de renda mínima abrangente. Parto do segundo item, que é fundamental, que qualquer projeto de renda mínima, na minha opinião pessoal, esteja vinculado ao estímulo da universalização do ensino, partindo do pressuposto básico de que se não investirmos na educação fundamental, mesmo que matemos a fome de hoje, não estaremos resolvendo a miséria futura.

A idéia básica desse Projeto é criar a bolsa-escola, a exemplo do que se faz em Ribeirão Preto, Campinas e Brasília, só que, contrariamente a esses projetos, excluindo os grandes centros. Na verdade, com a miséria em que vive uma parcela significativa da sociedade brasileira, quando as grandes prefeituras dão dinheiro para a família manter o aluno na escola, ao mesmo tempo em que isso é socialmente justo, ela gera migração. Porque - é claro - numa família de muitos filhos, do interior do País, de uma cidade pequena, gera esperança a idéia de que mudando para uma grande cidade, não só vai ter escola para seus filhos, como vai ter salário porque seus filhos freqüentam a escola.

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o nosso desejo é fazer a complementação de renda mínima, via bolsa-escola, mas isso ligado - e isso é que é importante - à contenção das migrações. Portanto, limitando esse benefício a cidades com população inferior a 50 mil habitantes.

Há um terceiro ponto: projeto de renda mínima sempre tem uma crítica. E isso tem em países ricos, como nos Estados Unidos, e tem em países pobres. Qual é a grande crítica? A falta de condições do Estado de controlar a divisão dos recursos. Como estamos tentando resolver isso? Fazendo com que metade dos recursos seja o programa federal, seja a União; mas o Município que quiser entrar no programa tem que contribuir com a outra metade, deduzindo esse valor, contabilmente, daqueles 25% que ele obrigatoriamente tem que gastar na educação.

De tal maneira que o Prefeito da pequena cidade do interior, ao entrar no programa, recebe metade das verbas do Governo Federal, complementa com os recursos municipais e, aí sim, terá todo interesse em fiscalizar o pagamento desse recurso. Não poderá, assim, fazer um eventual populismo com esse dinheiro, porque metade desses recursos vem do próprio cofre da prefeitura.

Com isso, esperamos que esse Projeto ganhe viabilidade, porque, pelos nossos cálculos, partindo inclusive dos mesmos índices que constam do Projeto original, do Senador Eduardo Suplicy, o Governo Federal não teria que gastar mais do que 2,5 bilhões/ano.

Mais uma coisa importante: este meu Projeto é apenas um projeto de lei autorizativo, partindo do pressuposto de que, como se trata de uma ação administrativa que consome recursos públicos, é uma prerrogativa do Presidente da República.

No entanto, nada nos impede, no Congresso Nacional, de fazer um projeto de lei autorizativo que indique ao Governo Federal um caminho. E esse é o papel do Congresso Nacional.

O caminho é o da complementação da renda mínima, vinculada à educação, como forma, inclusive - acho este o ponto fundamental -, de diminuir o desperdício na Educação.

De onde vem o desperdício? Esse dado é fundamental, Senador Valmir Campelo. De cada mil crianças brasileiras que entram na 1ª série do 1º Grau, apenas 54 concluem a 8ª série. E mais grave: as 54 que concluem a 8ª série demoram, em média, 12 anos para fazer as 8 séries primárias.

Ora, se uma criança que deveria fazer o 1º Grau em 8 anos o faz em 12, na média, isso significa que um terço dos recursos aplicados em educação estão sendo desperdiçados pela repetência.

De onde vem a repetência? Da evasão escolar e, obviamente, da inanição.

Então, esse dinheiro da complementação da renda mínima, a médio prazo, vai sair do próprio dinheiro economizado com a repetência. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso.

O Sr Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com prazer, Senador.

O Sr. Eduardo Suplicy - Gostaria de cumprimentar V. Exª - inclusive, tenho aqui tanto a matéria quanto o editorial da Folha de S.Paulo de domingo - e de subscrever o seu requerimento para que se inscreva nos Anais do Senado tanto o editorial quanto a própria matéria publicada. Acredito que, com muita propriedade, a Folha de S.Paulo mostrou, cabalmente, a alta rentabilidade sócio-econômica do Programa de Garantia de Renda Mínima nas formas adotadas no Distrito Federal, Campinas e Ribeirão Preto. Mais de 10 cidades estão adotando tal proposição; cerca de 50 cidades estão examinando projetos dessa natureza, cerca de 10 Assembléias Legislativas no Brasil inteiro. Essa proposta vem ganhando um apoio crescente. Considero extremamente importante o pronunciamento de V. Exª, tanto o de hoje quanto os anteriores, onde, com clareza, defende o direito de todas as pessoas, em nosso País, terem o mínimo para sua sobrevivência e condições para as suas crianças freqüentarem a escola, ao invés de precocemente se verem forçadas a ir ao mercado de trabalho para ajudar na sobrevivência de suas famílias. Assim, primeiro, agradeço o reconhecimento de V. Exª relativamente ao Projeto. Quero aproveitar - e peço desculpas pelo parêntese -, como ainda não havia encontrado o Senador Francelino Pereira, para dar as boas-vindas a S. Exª e falar do contentamento de vê-lo com boa saúde e aqui presente, tão bem disposto; é importante para todos no Senado podermos ter a colaboração, a contribuição e as reflexões do Senador Francelino Pereira, que tem extraordinária experiência na história brasileira, assim como outras pessoas aqui nesta Casa. É uma alegria que V. Exª tenha se recuperado e esteja aqui, para conosco conviver e dar a sua contribuição. Senador José Roberto Arruda, V. Exª, com muita propriedade, demonstrou a razão de um programa de garantia de renda mínima. V. Exª mesmo tem-me dito dos seus diálogos com o Presidente da República, com as autoridades do Governo. Na matéria da Folha de domingo há uma notícia alvissareira: o Ministro do Planejamento e Orçamento não se colocou contra a idéia, mas disse apenas que o Governo não a está analisando, discutindo. Não é propriamente correta essa afirmação, porque há quatro anos, desde 1992, o IPEA e a Receita Federal vêm realizando estudos da viabilidade do Programa de Garantia de Renda Mínima. Eu próprio já discuti com autoridades do Governo dezenas de vezes, o que continuo fazendo, inclusive com o Ministro José Serra, em toda oportunidade em que S. Exª se dispõe a fazê-lo, ainda que monossilabicamente. Mas já é uma grande mudança S. Exª dizer, pela primeira vez, que não é contra a idéia. Ótimo, porque o Ministro Pedro Malan já se manifestou favorável, simpático à idéia. O Ministro Paulo Paiva tem-se mostrado interessado na idéia, e o Ministro Reinhold Stephanes tem-se mostrado interessado em discuti-la. Portanto, é um ponto positivo. É importante fazer justiça também aos outros Parlamentares que têm apresentado propostas na mesma direção. Aqui, no Senado, o Senador Ney Suassuna e V. Exª. Na Câmara dos Deputados, os Deputados Nelson Marchezan, Chico Vigilante, Pedro Wilson e Fernando Ferro. Mais e mais, pessoas de todos os Partidos têm abraçado a idéia. Hoje, a Líder do PT na Câmara, Sandra Starling, fez questão de chamar-me para estar presente à entrevista coletiva que Deputados e Senadores do PT estavam concedendo sobre a questão da política salarial, do salário mínimo, do emprego e do Programa de Garantia de Renda Mínima. Hoje, ao se analisar salário, salário mínimo, no País, há que se analisar, à luz da experiência de outros países, que se pode aumentar a remuneração daqueles que ganham até dois salários mínimos - até R$240,00, atualmente. Este seria o valor aproximado a que chegariam os Cr$45.000,00, de abril de 1991, quando dei entrada no Projeto. Se corrigidos pela Ufir, mais o crescimento do PIB per capita, aquele patamar hoje estaria em R$240,00. Como sabe V. Exª, a pessoa cuja renda não atingisse aquele patamar teria direito aos 30% da diferença entre o patamar e a renda. Para concluir, Senador José Roberto Arruda, gostaria de dizer que a contribuição de V. Exª é muito importante. Estou inteiramente disposto a ver o aperfeiçoamento do Projeto. Por exemplo: ele pode ser por pessoa e/ou por família. Assim como se declara renda por pessoa ou por casal, pode se ter o Projeto de Renda Mínima por pessoa ou família. Eu não teria qualquer dificuldade em aceitar que constasse no Projeto que o beneficiário, tendo crianças até 14 anos, deve demonstrar que elas estão indo à escola. Hoje estiveram aqui, visitando o Senado, os Deputados da Venezuela. Em 1989, instituiu-se na Venezuela a beca escolar. Lá, todas as famílias com crianças em idade escolar, matriculadas em escola pública, têm direito a receber um montante, por até três crianças por família freqüentando a escola. Essa é uma idéia que, inclusive na Argentina e no Uruguai, existe há décadas - a asignacion familiar. Mas o direito à renda mínima, felizmente, vem se tornando algo que se discute cada vez mais. Só fico pensando: por que o Presidente Fernando Henrique e os seus Ministros não colocam maior urgência para empurrar a aprovação do Projeto? Espero que ele seja votado na próxima semana na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, presidida pelo Deputado Delfim Netto; em princípio, a reunião já está marcada.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço o aparte do Senador Eduardo Suplicy, reconhecidamente um batalhador por essa idéia.

Gostaria de complementar, Senador Eduardo Suplicy, dizendo que a idéia de que a metade dos recursos seja dos cofres federais e metade dos cofres municipais é para evitar que um ou outro prefeito tenha o descuido de matricular famílias nesse Programa - sendo o prefeito o encarregado dessa fiscalização - que não estejam propriamente dentro das regras e das necessidades previstas no mesmo. A idéia de que a metade dos recursos seja de recursos federais e a outra metade de recursos municipais veio do próprio Presidente Fernando Henrique, a qual, prontamente, incorporei ao Projeto.

O Sr. Eduardo Suplicy - Portanto, o Governo está discutindo a matéria.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Claro! Não há dúvida! Até porque o Governo não se constitui apenas daqueles que estão nomeados para cargos executivos. Aqui, honrosamente, ocupo a função de Vice-Líder do Governo, juntamente com meu amigo, Senador Ramez Tebet, e estou apresentando o Projeto.

O Governo está discutindo essa questão, sim. E os que sonham com um projeto socialdemocrata para o País têm que discutir esse Projeto.

O próprio Senador Francelino Pereira tem essas preocupações, e há algum tempo dizia-me isso. Quero aproveitar para associar-me aos votos de boas-vindas do Senador Eduardo Suplicy ao Senador Francelino Pereira, que já me confessou que hoje tem razões de sobra para essa felicidade, porque três Ministros foram escolhidos: um carioca, um paulista e um mineiro; acontece que o paulista e o carioca também nasceram em Minas. Portanto, o Senador Francelino Pereira hoje tem razões de sobra para estar feliz. Mas o próprio Senador Francelino Pereira falava-me dessas suas preocupações sociais, num Estado como Minas Gerais. Penso que todos nós devemos ter essa preocupação.

Mas o importante é que esse Projeto de Lei é apenas autorizativo. Aprovado esse Projeto no Senado e na Câmara, o Congresso estará dando uma direção para o Executivo. O Governo poderá começar a cumpri-lo, por exemplo, em cidades com população inferior a 10 mil habitantes; no ano seguinte, 20 mil. Enfim, demorar algum tempo para atingir as cidades com 50 mil habitantes. Ele poderá ser implantado gradativamente. Não tenho dúvida, Senadores Eduardo Suplicy, Valmir Campelo, Francelino Pereira, Ramez Tebet e Humberto Lucena, de que esse Programa, em três ou quatro anos - e os estudos do IPEA revelam isso -, passará a ter a sua parcela federal custeada pela economia que se fará pela diminuição da taxa de repetência. Não tenho nenhuma dúvida em fazer esta afirmação.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª apenas mais uma intervenção?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Pois não, Senador.

O SR. PRESIDENTE (Valmir Campelo) - Pediria apenas ao nobre Senador que fosse rápido na sua interferência, porque o orador já ultrapassou em dez minutos o seu período, e temos outros oradores inscritos. Portanto, em respeito aos demais, pediria a V. Exª que atendesse à solicitação da Mesa, em cumprimento ao Regimento Interno da Casa.

O Sr. Eduardo Suplicy - Serei breve. Senador José Roberto Arruda, entendo que V. Exª abraçou inteiramente a idéia. Sobre a questão de iniciar-se pelos municípios com até 50 mil habitantes - não conheço ainda o Projeto -, pergunto-lhe: há a progressividade para a extensão universal em todo território nacional? Se não houver, vejo um problema muito sério. Por que a pessoa residente num município um pouco maior, por exemplo, com 51 mil habitantes, vizinha do outro município, teria o seu direito negado? Na verdade, Senador José Roberto Arruda, entendo que só é possível aceitar isso se houver a previsão progressiva da universalização do direito, porque, senão, ele teria um problema de constitucionalidade. No que diz respeito ao Projeto do Programa de Garantia de Renda Mínima, o então Senador Fernando Henrique Cardoso, quando aqui votou a favor, o considerou constitucional e embasado no parecer, muito bem fundamentado, do então Relator, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, também Líder do PDT naquela ocasião, que deixou essa matéria muito clara. Por quê? Por que o Projeto não vincula a receita à despesa; deixa a critério do Governo Federal o remanejamento de despesas e a necessária arrecadação para viabilizar o financiamento do Projeto.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito interessante essa observação. Eu estou absolutamente de acordo com a progressividade. Agora, faço questão de dizer que um ponto fundamental do projeto que apresento é que esse Programa fique contido nos pequenos Municípios. O que não desejo de jeito nenhum, Senador Eduardo Suplicy, é que grandes Municípios, megalópoles - vou citar o exemplo claro de São Paulo...

O Sr. Eduardo Suplicy - Mas aí, permita-me, V. Exª deixa de compreender um dos efeitos fundamentais do Programa de Garantia de Renda Mínima universalizado para todo o Brasil. Porque uma pessoa, uma família no Piauí ou em Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha, onde for, onde houver um problema de miséria e pobreza, terá o direito à sobrevivência e não precisará de pronto, ou na hora da crise, migrar para os grandes centros à procura de sua sobrevivência. Esse é o mérito do Projeto, principalmente, porque em qualquer local do País a pessoa ou a família terá esse direito, não precisando ir para a Grande São Paulo ou Grande Rio ou Grande Belo Horizonte ou para Brasília. Esse, nobre Senador, é um dos grandes efeitos sobre os fluxos migratórios da instituição do Programa de Garantia da Renda Mínima. Caso contrário, haverá um problema de constitucionalidade. Por exemplo, Brasília e Campinas não poderiam ter direito a esse Programa.

O SR. PRESIDENTE (Valmir Campelo) - Lamento profundamente interromper V. Exª, o assunto é palpitante, mas a Presidência avisa que o seu tempo já ultrapassou em 15 minutos. E vejo outros Senadores fazendo sinais de que precisam falar. Esse fato constrange a Presidência.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Sr. Presidente, agradeço a sua compreensão. Outro dia voltaremos a discutir este tema.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1996 - Página 7446