Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES CONCERNENTES AO TRANSCURSO DO 'DIA DO LIVRO', NO ULTIMO DIA 18.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REFLEXÕES CONCERNENTES AO TRANSCURSO DO 'DIA DO LIVRO', NO ULTIMO DIA 18.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1996 - Página 7479
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, LIVRO.
  • ANALISE, NECESSIDADE, DIFUSÃO, LEITURA, APOIO, BIBLIOTECA, SUBSIDIOS, PROFESSOR, AQUISIÇÃO, LIVRO, FACILITAÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), COMERCIALIZAÇÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dezoito de abril, assinala a passagem do Dia do Livro, data mais que propícia à reflexão. E, ao refletir sobre a importância da leitura no processo civilizacional, a famosa frase de Monteiro Lobato -- "Um país se faz com homens e livros" -- constitui um misto de slogan e de advertência, adquirindo, nos dias de hoje, inegável atualidade.

Com efeito, malgrado a crescente expansão dos meios eletrônicos de comunicação, com destaque para a televisão e a informática, tem crescido o número absoluto de leitores de livros, jornais e revistas, em todos os países ditos desenvolvidos. Portanto, ao contrário do que certos profetas apressados vislumbraram, o livro não se tornou obsoleto, da mesma forma que o advento da televisão não significou o fim do rádio.

O que explica, neste final de século, não apenas a permanência do livro como paradigma de civilização, mas, sobretudo, a expansão de seu consumo num contexto de tanta, atraente e inovadora competição? Creio que dois fatores distintos, porém não opostos, iluminam a questão.

Em primeiro lugar, vivemos um período de clara afirmação da cidadania, fenômeno de dimensão universal. Herdeira e tributária das revoluções liberais do final do século dezoito e da primeira metade do século dezenove, a idéia de cidadania ganha consistência e densidade em nosso tempo. Se, num primeiro instante, ela se identificava com o exercício dos direitos políticos, numa segunda etapa confundia-se com a prática econômica em clima de absoluta liberdade.

No entanto, quanto mais se aproxima de seu epílogo, mais o século vinte assiste à consolidação de uma nova e diferenciada concepção de cidadania. Ampliada, ela supera os aspectos meramente políticos e econômicos, incorporando novos elementos. Assim, hoje, cidadania pressupõe também direito à educação, lazer, cultura, informação, moradia, saúde, emprego e tudo o que for necessário a uma vida digna. Claro está que uma cultura geral mínima -- obtida por meio da educação e do hábito generalizado de leitura -- é condição indispensável à administração de uma moderna democracia de massas, cujos integrantes, mais que habitantes, sentem-se cidadãos.

O segundo fator, Sr. Presidente, repousa nas condições econômicas que o mundo contemporâneo edificou. Numa economia que se expande em escala planetária, em função da qual a noção de fronteira nacional se dilui, a inserção no mercado mundial vai sendo determinada pela capacidade de cada país desenvolver tecnologias de ponta. A imagem de exportador de produtos primários e de trabalho barato esvai-se, irremediavelmente tragada pelos novos códigos de eficácia, eficiência e competitividade.

O êxito dessa empreitada, não tenhamos dúvida, jamais poderá ser garantido por medidas puramente econômicas. A lição dos países mais bem sucedidos na tarefa aponta, necessariamente, para a existência de uma população qualificada, ou seja, educada e detentora de elevado índice de leitores de livros, jornais e revistas.

Como se configura a posição do Brasil no quadro mundial aqui delineado? Penso que, mais que esgrimir os números já tão conhecidos de nossas mazelas sociais, importa salientar o que estamos sendo capazes de construir, no sentido da transformação modernizadora.

O primeiro e mais decisivo passo está sendo dado na direção da profunda revisão da educação básica, na busca de sua valorização máxima. Nesse caso, Poder Público e Sociedade estão abraçando a mesma causa, conscientes de que o País perderá o bonde da História se não vencer essa batalha.

Estou convencido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que o gigantesco esforço de resgate da educação no Brasil -- particularmente da escola pública -- somente se completará quando, vencidas as questões de salário dos docentes, currículos inteligentes e equipamentos essenciais, nossas salas de aula dispuserem, em quantidade e qualidade, de livros ilustrados, atlas, enciclopédias e dicionários, para o livre manuseio da criança, do adolescente e do jovem.

É assim que se forja o salutar hábito da leitura. É assim que se constrói a base da civilização.

Sabemos todos que a produção e a distribuição do livro em nosso País situam-se em patamar muito aquém de nossas necessidades e de nossas potencialidades. Assusta e entristece, por exemplo, constatar que, enquanto a cidade de Buenos Aires dispõe de mais de mil livrarias, o Brasil -- vejam, falo de todo o País -- conta com menos de seiscentas.

Que alternativas viáveis estão ao nosso alcance para modificar o quadro hoje existente, em que livros caros não são acessíveis à imensa maioria da população?

Partindo do princípio de que somente a parceria entre governo e sociedade será capaz de obter êxito na tarefa, penso que uma série de medidas podem e devem ser tomadas com a finalidade de, facilitando o acesso ao livro, difundir o hábito da leitura entre a população brasileira. Cito, entre muitas, a necessária parceria entre União, Estados e Municípios para a instalação de bibliotecas e espaços de leitura, assim como a ampliação do número de livros paradidáticos nas salas de aula. A experiência descentralizadora que o Ministério da Educação vem protagonizando com relação à alimentação escolar e ao livro didático é o mais nítido sinal de que o caminho a seguir está aberto, com resultados bastante positivos.

Outra medida que se mostra factível, penso eu, é a ampliação e o barateamento das vendas por intermédio dos Correios ou meios semelhantes. A dimensão territorial do País e a extrema fragilidade da rede de livrarias justificam plenamente o incentivo a esse tipo de comercialização do livro. Aliás, é bom que se diga que, em 1994, o marketing direto (correio, clube do livro) ocupou o terceiro lugar entre os canais de venda de livro, representando nove por cento do total.

Estimular a regionalização e a intensificação das Feiras de Livros é outra decisão que, assumida por livreiros, escolas, Prefeituras, editores, clubes de serviço, por exemplo, facilmente se concretiza, com custos infinitamente reduzidos em comparação aos resultados obtidos.

Especificamente em relação ao Governo Federal, imagino que determinadas medidas diretas, de largo alcance, precisam ser tomadas com urgência. Estabelecer uma Política Nacional do Livro, na qual o Estado cumpra seu papel de indutor do processo, afastada a pretensão de substituir a iniciativa privada. De igual modo, lançar programas e projetos voltados para a ampliação do hábito de leitura e do número de leitores, como bem o faz, há alguns anos, a Biblioteca Nacional com o seu Proler. Mais ainda: estimular o surgimento de projetos dessa natureza na própria sociedade, financiando-os na medida de suas possibilidades.

Outra área em que a atuação efetiva do Poder Público se faz absolutamente necessária é a das bibliotecas. Garantir recursos para a ampliação da rede nacional de bibliotecas e espaços de leitura é fundamental. Entretanto, há mais que se fazer: conferir dignidade profissional ao bibliotecário; refazer regras, como a que impede à biblioteca o poder de compra e a de classificar o livro como "material permanente", dificultando sua circulação e seu uso; estimular Estados e Municípios a assumirem plenamente suas bibliotecas, auxiliando-os técnica e financeiramente.

Por fim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por que não implementar uma política de apoio aos professores que atuam na educação básica, subsidiando-os vigorosamente na aquisição de livros? Nada mais justo que, ao lado das propostas já anunciadas para a valorização do magistério -- a começar pelo salário --, se dê aos professores responsáveis pela formação de mais de trinta milhões de crianças brasileiras a oportunidade de formar sua própria biblioteca, aprimorar seus conhecimentos, ampliar sua competência e resgatar seu orgulho profissional.

Ao encerrar este pronunciamento, saúdo a recente instalação da Câmara Setorial do Livro e Comunicação Gráfica, formulando meus mais sinceros votos de que representantes do Estado e da Sociedade encontrem formas adequadas, viáveis e factíveis para a expansão do livro e da leitura em nosso País.

Além de elemento estratégico para o desenvolvimento do Brasil, a leitura é direito, causa e efeito do processo civilizatório. Instrumento de educação, lazer, cultura, formação técnica e profissional, indispensável ao fortalecimento da democracia e do exercício da cidadania, o livro precisa ser incorporado ao rol das prioridades nacionais.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1996 - Página 7479