Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO PROJETO DE LEI AUTORIZATIVO, A SER APRESENTADO AO PLENARIO DO SENADO FEDERAL, EM QUE PROPÕE A RENDA MINIMA VINCULADA A EDUCAÇÃO.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • JUSTIFICANDO PROJETO DE LEI AUTORIZATIVO, A SER APRESENTADO AO PLENARIO DO SENADO FEDERAL, EM QUE PROPÕE A RENDA MINIMA VINCULADA A EDUCAÇÃO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/1996 - Página 7334
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROPOSTA, VINCULAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, EDUCAÇÃO, CONTENÇÃO, MIGRAÇÃO, CONTROLE, CRESCIMENTO DEMOGRAFICO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, não quis apartear o Senador Eduardo Suplicy, porque sei que S. Exª tem problema de horário, mas há uma curiosidade para a qual gostaria de alertá-lo rapidamente, enquanto S. Exª arruma os papéis para sair da tribuna.

Há um acampamento em frente ao Congresso Nacional, onde há vários sindicatos fazendo uma manifestação, legítima, pelo aumento do salário mínimo. Havia uma faixa muito grande com um insulto ao Presidente, com o qual discordo, obviamente, e embaixo os seguinte dizeres "menos de 12% não". Essa noite cortaram os "12%". Ficou: "menos não", e há um buraco no meio. Acredito que isso esteja absolutamente compatível com o discurso do Senador Suplicy.

Coloco-me entre aqueles que desejam o aumento maior possível do salário mínimo, desde que isso não signifique uma retomada do processo inflacionário, porque, na verdade, seria dar com uma mão e tirar com a outra. Se Deus quiser, vamos chegar a uma fórmula de aumento de salário mínimo que ajude a renda daqueles brasileiros que, heroicamente, sobrevivem com esse padrão de referência monetária, mas obviamente sem tirar o grande ganho do momento em que vive a sociedade brasileira, que é o ganho da estabilização econômica.

Uso da palavra, Sr. Presidente, para registrar que estou dando entrada, no Senado Federal, a um projeto de lei autorizativo, que vai exatamente na direção da complementação de renda mínima. Usando as experiências de Campinas, Brasília e outros Municípios brasileiros, estou propondo um projeto de renda mínima vinculado à educação. Além da educação, o projeto está vinculado a dois outros vetores que julgo importantes: à contenção das migrações e ao controle do crescimento demográfico na população de baixa renda.

O projeto, já discutido aqui na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, acabou gerando a aprovação de uma emenda, que embora não tenha tido grande registro nacional, foi importantíssima, pois mudou o conceito de bolsa escolar. Antes da LDB, aprovada aqui no Senado, o que existe no Brasil é a bolsa escolar privada, ou seja, só existe bolsa escolar para o aluno carente que não tem vaga na rede pública e é obrigado a estudar numa escola particular. O Estado paga a mensalidade da escola particular.

Nós criamos, juntando-nos à emenda do Senador Lúcio Alcântara, a bolsa escolar pública, que é a abertura para que o filho de uma família carente que estude numa escola pública possa ter uma renda complementar na família para que não tenha que deixar a escola.

O projeto de lei que estamos encaminhando é autorizativo, porque gera dispêndio, e é, claro, de iniciativa do Presidente da República. Nada nos impede, entretanto, que discutamos e aprovemos aqui um projeto de lei autorizativo. Esse projeto de lei autorizativo vai na direção de que nós faríamos a complementação de renda mínima, limitada aos municípios com população inferior a 50 mil habitantes. E seria limitada também àquelas famílias que têm filhos na idade de 7 a 14 anos, matriculados regularmente na rede pública com freqüência comprovada.

O projeto de Campinas, de Brasília e de outras grandes cidades brasileiras, socialmente, é fantástico. Entretanto, os números oficiais mostram que, de cada mil alunos que entram na primeira série do primeiro grau, apenas 54 concluem a 8ª série. Mais grave do que isso: dos 54 que concluem a 8ª série, a média de tempo dos alunos para completar o ensino fundamental, em vez de 8 anos, é de 12 anos. Isso significa que um terço dos recursos despendidos com educação são gastos na repetência. E de onde vem a repetência? Vem da fome, do trabalho na época da safra e da evasão escolar.

O que o projeto propõe? Se fizermos complementação de renda mínima para famílias que estão abaixo da linha da miséria nos grandes centros, isso vai ser um grande incentivador das migrações. Imaginem V. Exªs uma família no interior de Sergipe receber a notícia de que em Campinas ou em Brasília basta colocar o filho na escola para que se ganhe um salário mínimo.

Ora, na década de 70, a migração para Brasília provinha da notícia de que se ganhava casa da SHIS. Aliás, a expressão "ganhar casa da SHIS" ficou. Na década de 80, ganhava-se lote. Agora, imaginem, ganha-se dinheiro vivo. Quer dizer, a migração será desenfreada para as grandes cidades, embora o programa em si seja extremamente justo.

O que nós desejamos então? Fazer exatamente esse programa, apenas limitado às cidades com população inferior a 50 mil habitantes. E por que esse número cabalístico? Porque os dados do IBGE demonstram que 60% dos bolsões de miséria, daqueles 16 milhões de brasileiros que provavelmente hoje de manhã não tomaram café, estão concentrados nos pequenos municípios e na área rural. O que desejamos, então? Que o Governo Federal possa criar esse programa, que é um programa de renda mínima, como deseja o Senador Eduardo Suplicy, mas vinculando a renda mínima à educação, porque a renda mínima mata a fome de hoje, e a educação gera um país socialmente mais justo amanhã. Então, vinculamos as duas coisas.

Vinculamos a uma terceira: que é a contenção das migrações e a igualdade regional, porque essa complementação de renda mínima seria feita apenas no interior do País, nas pequenas cidades e não nas grandes cidades, que estão inchando as periferias com desesperança e injustiça social.

E há um quarto vetor: o cidadão, o pai de família, só terá essa complementação de renda mínima para até 3 filhos. Para o primeiro filho, ele receberá meio salário mínimo; para o segundo filho, mais meio; e para o terceiro filho, mais meio salário mínimo, totalizando um salário e meio. A partir do quarto filho, ele não terá o aumento da complementação de renda mínima. Ou seja, este também é um vetor que deve, de alguma maneira, contribuir para que o aumento demográfico nas classes de menor renda não seja tão diferente daquele que se tem hoje nas classes de maior renda.

Acredito que este projeto de lei autorizativo vai na linha da complementação de renda mínima. Há alguns, de pensamento liberal, que defendem que um país não deve fazer programas assistencialistas. Deve gerar o desenvolvimento, porque o desenvolvimento gera emprego e o emprego gera renda e, assim, nós acabamos com a injustiça social.

Mas sabem os Srs. Senadores que no nosso País isso não deve se aplicar, porque não é possível fazer-se um programa de médio prazo sabendo que hoje, pela manhã, 16 milhões de pessoas não tomaram café. Então, há que se fazer alguma coisa emergencial.

A direção que apontamos é no sentido de se atuar nesta emergência, apenas vinculando ao componente da construção de uma nação mais justa, que é exatamente o componente educacional.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Concedo o aparte ao nobre Senador Romero Jucá, com muito prazer.

O Sr. Romero Jucá - Nobre Senador José Roberto Arruda, V. Exª trata de uma questão que tem-me levado muito a refletir sobre as políticas compensatórias de renda, sobre o que, aliás, o nobre Senador Eduardo Suplicy tem tratado muito neste plenário. V. Exª fere dois pontos que têm sido a minha preocupação. O primeiro deles é a desarrumação regional que qualquer política compensatória traz. Brasília é exemplo disso. E eu poderia dizer que, numa equação menor, Boa Vista, lá em Roraima, também é um exemplo disso. Temos hoje, já concentrada na Capital, 70% da população do Estado, por conta exatamente de pessoas que vão para lá porque ganham lotes, porque ganham uma cesta básica. Na verdade, o Governo, ao agir assim, não está resolvendo, mas agravando o problema, porque está desequilibrando a estrutura produtiva nacional. A outra questão é exatamente a do planejamento familiar, a do crescimento familiar, da qual V. Exª também trata com muita inteligência. Eu gostaria de dizer que esse projeto autorizativo tem uma concepção extremamente competente, inteligente, e é um projeto que supre as lacunas de alguns programas que temos visto serem implantados no País, mas que, a nosso ver, têm gerado e vão gerar, futuramente, uma grande distorção. V. Exª falou do problema dos lotes aqui em Brasília. Poderíamos citar inúmeros programas que foram feitos e, na verdade, serviram melhor, a médio prazo, para desarticular o tecido social do que mesmo para resolver qualquer problema social mais grave. Eu poderia dar novamente o exemplo de Roraima, mas considero que V. Exª acerta bem quando estabelece o limite de 50 mil habitantes. Eu diria que, em Roraima, todos os Municípios estarão contemplados, menos a Capital. E, na verdade, essa deve ser a intenção de V. Ex na proposta. Quero parabenizá-lo e dizer que gostaria de formar fileiras com o projeto de V. Exª, e não só na sua tramitação interna. Quero também ajudar V. Exª a defendê-lo em qualquer discussão técnica, em qualquer audiência pública, em qualquer contato com Ministros do Governo. Vejo no encaminhamento desse projeto a solução completa de um problema social. Ele tem a emergência que o momento requer, mas, sobretudo, resolve a situação a médio e longo prazos, através do processo da educação, que, na verdade, é o que vai resolver os problemas deste País. Vamos precisar ter, para nos tornarmos a potência que queremos ser, uma revolução na educação, na participação e na cidadania. E isso só irá ocorrer, efetivamente, se as crianças de hoje tiverem uma escola melhor do que a que têm, se elas tiverem participação na educação melhor do que a que estão tendo. Quero parabenizá-lo e dizer que não só endosso como admiro o projeto de V. Exª, que tem em mim um seguidor na busca da aprovação e implantação dessa idéia, que, acredito, preenche uma lacuna extremamente grande no nosso País. Meu parabéns.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado, Senador Romero Jucá. Fico muito feliz com o aparte de V. Exª. Complemento dizendo que todo esse projeto ainda tem um grande problema. Centralizando aqui em Brasília um monte de dinheiro, imagine a dificuldade que o Governo Federal teria para fazer com que esse recurso chegasse, a cada final de mês, ao pai de família carente de uma cidade do interior do Brasil.

E aí quero dizer que absorvi, neste meu projeto de lei autorizativo, uma sugestão do próprio Presidente da República. Quando enviei a Sua Excelência uma correspondência oficial dando essa sugestão, ele procurou-me e disse que esse projeto poderia, talvez, ser complementado corrigindo-se uma lacuna. Se tudo ficasse centralizado nas mãos do Governo Federal, a par de termos milhares de prefeitos neste País com a melhor das vocações administrativas, poderíamos ter alguns que, como o dinheiro viria do Governo Federal, cadastrariam sem critério qualquer família, ainda que não fosse tão carente assim, ainda que não preenchesse os requisitos básicos do projeto, porque, afinal de contas, fariam disso um instrumento de ação política fora do programa de ação social. Deu-me, então, o Presidente sugestão para que fizéssemos uma coisa com a parceria entre o Governo Federal e os Municípios.

O Município com população inferior a 50 mil habitantes que desejar se incluir neste programa arcará com metade das despesas. E o Governo Federal dará os outros 50%, de tal sorte que não só se comprometam as administrações municipais com seriedade do cadastramento e da distribuição dos recursos, como - uma outra variável extremamente importante, aliás, eu diria, talvez a mais importante do projeto - com a descentralização da ação administrativa.

E aí há um detalhe. De onde o prefeito tirará o dinheiro? No entendimento que tivemos com o Ministro da Educação, S. Exª aceitou a idéia de que incluíssemos no projeto que esse dinheiro que o Município dará como contrapartida possa ser contabilizado dentro dos 25% de uso obrigatório na educação.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador José Roberto Arruda, V. Exª acaba de falar da preocupação com esse chamado êxodo, resultante das facilidades que são criadas em derredor de certas manifestações - casas da SHIS, lotes de terra -, e que geram inequivocamente, o chamado malefício da periferia de qualquer cidade, sobretudo das capitais. E o que se nota é que essa periferia é formada de pessoas que são atraídas por esse tipo de favores; que saem, que emigram do seu interior para a capital e aqui vêem que a situação não é bem a que lhes prometiam. O pai chega com a filha e com os filhos menores - de 12, 13, 14 anos -; ele acaba se transformando num marginal, e essa criança, e a menina envereda pela prostituição. Quando V. Exª corrige o seu projeto, que é absolutamente indispensável, como dizia o Líder do PFL, o meu Partido, o Senador Romero Jucá, no aparte que lhe deu, V. Exª o faz porque já sentiu o antecedente que houve com o exemplo de Brasília. Ora, disciplinar isso até 50 mil habitantes é uma forma de prestigiar o Município, de levar a criança para a escola, de não permitir essa migração e de fixar o garoto através da responsabilidade do Município. Eu não ia sugerir isso a V. Exª, mas um assunto mais ou menos parecido, quando ouvi que o Presidente da República lhe deu essa sugestão, da parceria do Município com o Governo Federal. Senão haveria realmente aquele desvirtuamento de uma idéia tão salutar como essa de V. Exª. O que é mais interessante é que V. Exª traz para o meio do Senado aquilo que é mais importante no País - a educação. Não tenho dúvida em reconhecer, em proclamar, em declarar que a educação é o ponto de partida para tudo. É através da educação que a criança acaba tendo conhecimento de saúde, é através da educação que forma a sua personalidade e é através da educação que, amanhã, poderá se transformar num Senador eficiente como V. Exª.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral. Fico muito feliz com o aparte de V. Exª, pela experiência de vida pública que traz, principalmente pela experiência que teve como Relator da Constituinte de 1988, o que fez com que a sua visão nacional fosse ampliada e fosse enriquecida em função do diálogo que soube ter com todas as tendências políticas deste País que geraram a Constituição de 1988. Realmente agradeço muito o aparte de V. Exª, da mesma forma que o aparte motivado do Senador Romero Jucá.

Quero concluir, Sr. Presidente, dizendo que esse projeto de lei autorizativo ainda tem outra vantagem. É que não havendo recursos para implantá-lo totalmente no início, nada impede que o Presidente da República inicie a sua implantação, por exemplo, nos municípios de até 10 mil habitantes, no primeiro ano ou nos dois primeiros anos, e depois passe para os de 20 mil habitantes, e assim por diante, até atingir os limites.

O Sr. Bernardo Cabral - O projeto fixa o teto.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Exatamente, fixa o teto.

Quero concluir dizendo que estou fazendo esse projeto por convicção, pela força da idéia, até porque não tenho um voto em nenhum Município com população inferior a 50 mil habitantes. Como todos sabem, sou eleito pelo Distrito Federal e, obviamente, eu não seria atendido pelo programa; não seria atendido diretamente. Mas, na verdade, a exemplo de todas as grandes cidades brasileiras, seria e serei - não tenho dúvida - extremamente beneficiado no instante em que tivermos um vetor tão forte, que é a complementação de renda mínima vinculada à educação, exatamente naqueles bolsões de miséria que geram as correntes migratórias.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/1996 - Página 7334