Discurso no Senado Federal

COMENTANDO A DISPOSIÇÃO DA AREA ECONOMICA DO GOVERNO DE LIBERAR OS PREÇOS DOS PLANOS DE SAUDE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTANDO A DISPOSIÇÃO DA AREA ECONOMICA DO GOVERNO DE LIBERAR OS PREÇOS DOS PLANOS DE SAUDE.
Aparteantes
Nabor Júnior, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/1996 - Página 7513
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANUNCIO, GOVERNO FEDERAL, DISPOSIÇÃO, LIBERAÇÃO, PREÇO, SEGURO-DOENÇA, PLANO, SAUDE.
  • COMENTARIO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, PRECARIEDADE, SERVIÇO DE SAUDE, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, NORMAS, DISCIPLINAMENTO, PLANO, SAUDE, EMPRESA DE SEGUROS, SEGURO-DOENÇA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna no dia de hoje é o desejo de comentar a anunciada disposição do Governo de liberar os preços dos seguros-saúde e dos planos de saúde. Já há alguns dias a Imprensa vem noticiando essa pretensão do Governo Federal.

Isso nos preocupa muito, porque, embora admita que nesse campo as leis de mercado devam reger a limitação de preços e a oferta de produtos aos consumidores, entendo que isso é fruto da distorção de nosso sistema de saúde. Por quê? Porque penso que o primeiro dever do Governo seria oferecer serviços de saúde a toda a população, como manda a Constituição Federal - a universalização dos serviços de saúde. Somente aqueles que o desejassem - por uma razão ou por outra - e que tenham recursos para tal poderiam buscar a medicina privada diretamente ou sob a forma de contratação de serviços e planos de saúde.

No entanto, se observarmos as pesquisas de opinião pública que têm sido divulgadas - inclusive na semana passada o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma pesquisa neste sentido - veremos que, entre outros dados, a maior insatisfação, a maior queixa, a maior reclamação da população é contra a precariedade dos serviços de saúde.

Isso porque, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há nada que dê mais insegurança a alguém do que a falta do emprego. Somente o desemprego pode dar tanta insegurança ou mais a alguém do que a incerteza quanto à manutenção, à preservação e à promoção da sua saúde. Por isso, o Governo Federal e os Governos Estaduais deviam atentar para essa realidade, para essa insatisfação da população com os serviços de saúde.

Mesmo admitindo-se que no Governo de Fernando Henrique os dispêndios, os gastos com a saúde aumentaram, porque eles vinham declinando ao longo dos últimos anos, mesmo assim, o Brasil ainda é um País que gasta pouco em saúde: entre US$80 e 100 per capita, muito menos do que países que detêm a mesma condição de desenvolvimento, e em alguns países uma condição de desenvolvimento até inferior à nossa.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, numa situação como essa está claro que há um campo para que cresçam essas atividades de planos de saúde, patrocinados por cooperativas, ou por entidades fruto da associação de grupos de pessoas, ou por empresas que patrocinam o chamado seguro-saúde por empresas seguradoras.

Aí é que reside um grande problema: esses planos de saúde, esses seguros-saúde estão sem a necessária regulamentação. Inclusive há uma confusão até sobre quais são os órgãos do Governo que devam fiscalizar essas instituições. Se forem cooperativas, estão no âmbito do Ministério da Saúde, por estranho que isso possa parecer; como seguradoras, estão no âmbito do Ministério da Previdência, Secretaria de Previdência Complementar. Gera-se, então, uma situação de absoluta anarquia e de grande desrespeito ao consumidor, que é o elo mais fraco dessa relação, até porque alguém que adere a um plano de saúde ou que faz um seguro-saúde não pode ter nenhum controle sobre se e quando vai necessitar disso, uma vez que é absolutamente imprevisível o que lhe poderá acontecer no futuro. Então, é o elo mais fraco dessa corrente, dessa relação contratual entre a empresa que patrocina o plano ou o seguro e o contratante, o beneficiário, o usuário do plano ou do seguro.

Calcula-se que já existam cerca de 40 milhões de brasileiros associados a esses planos de saúde, a esses seguros de saúde. Todos os dias lemos na imprensa e temos notícias de casos de pessoas que se julgam desprotegidas e, em algumas situações, até lesadas por essas empresas.

Em Brasília, por exemplo, no ano passado, houve uma empresa que começou a filiar pessoas a um plano de saúde e depois de cinco ou seis meses simplesmente fechou, desapareceu, deixando as pessoas absolutamente desprotegidas.

É preciso estabelecer uma regulamentação, uma norma, que discipline a atuação desses planos de saúde e dessas empresas de seguro de saúde no Brasil, sob pena de assistirmos, repetidamente, a situações absolutamente desagradáveis, em que segurados sejam desatendidos e tenham seus direitos prejudicados; muitas vezes, em função de contratos leoninos. Esses planos de saúde, freqüentemente, em suas publicidades, para recrutar beneficiários, fazem propagandas enganosas, não explicando todas as cláusulas do contrato. Muitas vezes, o usuário vai se dar conta do quanto o plano está longe de atender a seus anseios no momento em que dele precisa.

Lembro, por exemplo, a questão da carência - algo que temos dificuldade de aceitar -, que se estende, por exemplo, ao caso de uma mulher que está grávida e que, muitas vezes, não tem conhecimento disso, e depois tem o filho, o qual não se beneficia do plano, porque o contrato não aceita, durante um determinado tempo, que a mulher seja gestante.

Existe a questão da UTI, do tratamento intensivo. Os planos e seguros, geralmente, só prevêem a permanência na UTI por três dias, mas quem adere ao plano, quem compra aquele seguro, não é informado sobre isso.

Determinadas doenças são excluídas da cobertura, como a AIDS, que não é assistida pelo seguro-saúde, pelos planos de saúde; mas nada disso se explica, nada disso é informado àquele que vai adquirir o plano ou o seguro.

Quero deixar bem claro que há necessidade de se regulamentar isso, de maneira a proteger mais o consumidor. Na Câmara dos Deputados existem vários projetos que estão tratando disso; infelizmente, o projeto que resultou do exame dos diferentes projetos, inclusive o substitutivo que foi aprovado na Comissão Especial, protege muito mais as empresas e as cooperativas do que os segurados, o que me parece um absurdo, um despropósito.

Para contribuir com este debate, apresentei aqui, no Senado, dois projetos distintos: um que trata de planos de saúde e outro que trata de seguros de saúde, que são duas coisas diferentes.

Há abusos, nobre Senador Ney Suassuna, como, por exemplo, o que foi denunciado pela Folha de S. Paulo de terça-feira, em que a jornalista Marilene Felinto cita o caso da sua avó, a qual, depois de completados 60 anos, teve um reajuste de mais de 100% no valor da mensalidade, o que é um absurdo. Não há como se aceitar isso, principalmente porque o idoso é quem mais precisa de assistência, é quem está mais sujeito a doenças cardíacas, hipertensão arterial, diabete, doenças neurológicas, e é o mais penalizado, em função dessas taxas diferenciadas que são cobradas das pessoas que adquirem o seguro ou integram o plano de saúde.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço V. Exª com todo o prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Lúcio Alcântara, quero parabenizar V. Exª por essa intervenção, numa hora em que a saúde pública está cada vez mais deficiente e os necessitados correm para os planos privados. Essa é uma área nebulosa para o segurado, a não-especificação das condições. Usam nomes de fantasia para cada tipo de plano, as letras são microscópicas e as cláusulas não são claras. Ainda esta semana, vimos doentes soropositivos sem terem condição de utilizar um plano que vinham pagando. E é um absurdo essa questão da idade: até 59 anos e 11 meses está tudo muito bem; virou para 60 anos, já se duplica o preço da contribuição, como se nessa virada de dia toda a saúde do cidadão periclitasse e não fosse o mesmo que estava pagando no mês anterior sem maiores problemas. Quero me solidarizar com V. Exª e dizer que estarei apoiando a sua proposta aqui, no Senado Federal, porque é necessário que a população brasileira tenha uma defesa diante do descalabro que está ocorrendo nessa área de planos de saúde.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Senador Ney Suassuna, V. Exª citou exemplos que ratificam a denúncia que estamos aqui fazendo - que, aliás, é pública, está em toda a imprensa.

Não posso admitir que o Governo libere esses preços, inclusive se levarmos em conta que o reajuste do salário mínimo foi de 12%, que o reajuste para o aposentado foi de 15%, mas, por outro lado, obriga o aposentado a contribuir para a previdência, que o funcionário público federal não teve nenhum reajuste. Portanto, como aceitar que se façam grandes reajustes nesses planos, nesses seguros, ainda mais sem que o Governo regulamente isso?

Há, por exemplo, um dado impressionante, objeto de um projeto meu já aprovado no Senado, que está na Câmara, sobre o qual o Ministério da Saúde já fez estudos, mandou para a Presidência da República e, até agora, não se tomou nenhuma providência. Trata-se da questão do reembolso ao SUS - Sistema Único de Saúde - do atendimento prestado a pessoas que procuram os serviços públicos ou contratados pelo poder público e que são filiados a planos de saúde e seguros de saúde.

Cito o exemplo de alguém que tem um seguro de saúde ou um plano de saúde e sofre um grande acidente, uma batida de carro, é atropelado, sofre um infarto agudo, uma crise hipertensiva ou um derrame. Geralmente, nessas situações, as pessoas são removidas para os grandes hospitais públicos, onde são tratadas, assistidas - quase sempre, são os tratamentos mais caros -, mesmo com as deficiências que sabemos que existem, e depois têm alta ou se recuperam, ou, mesmo que venha a acontecer o óbito, foi prestado esse tratamento, foi gasto muito dinheiro pelo poder público. Essas seguradoras privadas, essas empresas de planos de saúde deveriam reembolsar o SUS, porque aquilo é responsabilidade delas, é obrigação delas, e elas não despenderam um único centavo com aquele paciente que foi atendido no hospital público.

O nosso projeto, que o Senado já aprovou, determina que, nesses casos, haja o reembolso, ao Sistema Único de Saúde, das despesas feitas em seus hospitais com segurados ou dependentes dos planos de saúde ou das empresas de seguro-saúde.

O Sr. Nabor Júnior -Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Com muito prazer, ouço V. Exª, Senador Nabor Júnior.

O Sr. Nabor Júnior - Agradeço a concessão do aparte, Senador Lúcio Alcântara. O tema que V. Exª está abordando na tarde de hoje é da maior importância. Fico muito preocupado quando tomo conhecimento, não só pelas palavras que V. Exª está proferindo aqui, no Senado Federal, mas também pelo noticiário da imprensa, de que o Governo cogita liberar as mensalidades dos planos de saúde. Sinto-me receoso, todas as vezes em que se fala de liberalização de preço. E não é sem motivo, concordarão os que se recordam do recente episódio dos combustíveis, quando o Governo resolveu liberar os preços e houve uma série de abusos, até que se adotaram medidas mais severas para conter a ganância das distribuidoras e dos postos revendedores. Se o Governo cair nessa esparrela -- de liberar as contribuições para os planos de saúde, que já são altamente lesivos aos interesses da população, dos próprios associados -- nós não sabemos quem vai poder continuar contribuindo, pagando as suas mensalidades. Isso é algo inconcebível!

V. Exª já afirmou muito bem, e o nobre Senador Ney Suassuna reiterou sua denúncia de que, dependendo da faixa etária, o valor da mensalidade vai aumentando e, na velhice, quando a pessoa mais precisar, ficará impossibilitado de pagar e, conseqüentemente, de usufruir os benefícios de seu plano de saúde. Então, é preciso haver muita cautela quanto a esse aspecto. Não podemos nos deixar influenciar pelo desejo de lucro fácil das empresas que exploram essa atividade. Mais do que nunca, urge que o Congresso Nacional regulamente esses planos de saúde, mediante a aprovação do projeto de que V. Exª é autor, além de outros que tramitam aqui no Congresso Nacional.

Conte com o nosso apoio para a obtenção da aprovação do seu projeto.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Nobre Senador Nabor Júnior, o meu projeto, como V. Exª já disse, é uma das contribuições que estão aí para serem discutidas, debatidas. Evidentemente, o que importa é que se chegue a uma solução no sentido de se colocarem normas e regras nesse mercado.

Essa questão não pode ser decidida apenas no Ministério da Fazenda, com a justificativa de que se deve liberar porque se trata de um livre mercado. Ora, isso envolve a saúde das pessoas, além do fato de que, nessa relação, o contratante é nitidamente a parte mais frágil e que, portanto, precisa ser amparado e protegido.

A título de estimular a competição, os jornais afirmam que o Governo vai abrir o mercado para a entrada de empresas estrangeiras. Ora, mais importante do que essa abertura é disciplinar-se o mercado logo, com a audiência dos Ministérios da Saúde e da Previdência Social. O Conselho Federal de Medicina tem-se insurgido contra as situações injustas que ainda estão vigorando nesses planos, e, freqüentemente, os usuários têm ido à Justiça e obtido ganho de causa.

Portanto, quero deixar aqui este alerta: essa situação exige a intervenção do Estado a fim de que não se cometam abusos e se prejudiquem aquelas pessoas que aderem aos planos ou seguros, que correm o risco de perder, inclusive, as contribuições já efetuados.

É importante ressaltar, como falou muito bem o Senador Nabor Júnior em seu aparte, que esses reajustes terminam inviabilizando a contribuição. Sabemos que, por todos os lados, há uma retração dos salários, que não têm recebido aumentos. Há, até mesmo, um aumento na taxa de desemprego, o que, conseqüentemente, também determina uma contenção nos salários. Então, como proceder face às despesas crescentes em relação a itens fundamentais? Como seria, por exemplo, o pagamento de um plano de saúde ou de um seguro de saúde?

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trouxe esse assunto para o debate da Casa, a fim de que também possamos agir, cobrando do Governo uma definição com relação a essa matéria.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/1996 - Página 7513