Discurso no Senado Federal

ILEGALIDADES DA MEDIDA PROVISORIA 1.415, DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE O REAJUSTE DO SALARIO MINIMO E DOS BENEFICIOS DA PREVIDENCIA SOCIAL, ALTERA ALIQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL E INSTITUI CONTRIBUIÇÃO PARA OS SERVIDORES INATIVOS DA UNIÃO.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • ILEGALIDADES DA MEDIDA PROVISORIA 1.415, DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE O REAJUSTE DO SALARIO MINIMO E DOS BENEFICIOS DA PREVIDENCIA SOCIAL, ALTERA ALIQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL E INSTITUI CONTRIBUIÇÃO PARA OS SERVIDORES INATIVOS DA UNIÃO.
Aparteantes
Josaphat Marinho, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/1996 - Página 7517
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • CRITICA, ILEGALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO FEDERAL, ERRO, PERCENTAGEM, AUMENTO, SALARIO MINIMO, TRABALHADOR, SALARIO, APOSENTADO, TRANSFERENCIA, DATA BASE, POLITICA SALARIAL.
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA SALARIAL, PLANO, REAL, GOVERNO.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, sem maiores comemorações efusivas, ocorreu ontem o Dia do Trabalhador, anualmente festejado como uma data especial, tendo em vista que é a força do trabalho, reunida ao capital, que promove o desenvolvimento de nossa Nação.

Eu disse que foi um dia sem maiores comemorações, sem alegrias, sem foguetório, sem banda de música, porque a classe dos trabalhadores foi surpreendida com uma medida provisória baixada pelo Governo Federal que, a título de reposição do salário mínimo, incluiu um dispositivo através do qual os aposentados serão obrigados a contribuir com o INSS mensalmente, segundo uma tabela publicada, com os seus parcos salários. Vale lembrar que essa contribuição previdenciária já havia sido rejeitada pelo Plenário e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, a Constituição Federal é muito clara a respeito desse assunto. E é possível até que o Supremo Tribunal Federal, que já recebeu dos partidos oposicionistas com assento no Congresso Nacional uma ação direta de inconstitucionalidade, decida barrar a pretensão do Governo anulando o ato, já que não só a incidência dessa contribuição significa uma redução no salário do aposentado - o que é proibido pela Constituição -, como o próprio índice de aumento do trabalhador está totalmente defasado em relação ao custo de vida e à inflação dos últimos doze meses.

A majoração de 15% sobre os proventos do aposentado não condiz com a realidade, está desfocada, já que órgãos especializados da economia nacional têm divulgado que a inflação do período, - e, conseqüentemente, a perda do poder aquisitivo do trabalhador - foi de 20%. O Governo, além de conferir um aumento insignificante, irrisório, de 15% do salário mínimo - muito abaixo, portanto, da inflação que ocorreu nos últimos doze meses -, cometeu uma injustiça muito grande com aqueles que, durante 30 ou 35 anos, deram sua contribuição para o desenvolvimento do País: essas pessoas, agora, serão obrigadas a arcar com uma contribuição, que deverá incidir sobre salários já tão pequenos, para reduzir o rombo da Previdência Social.

É verdade que o pronunciamento de qualquer político numa fase como esta, de protesto e de insatisfação, pode ser interpretado como um instante de oportunismo, de demagogia, de aproveitamento. Não é o papel de um Senador, quanto mais do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, aproveitar-se de um momento de crise para investir contra o Governo em situações favoráveis à oposição. Não é esse o nosso objetivo. O objetivo é dizer que o Governo não apenas cometeu um erro tático, do ponto de vista social e político, como cometeu um ato de inconstitucionalidade.

Está na Seção III, Da Previdência Social, art. 201, § 2º:

      "É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei."

Então, Sr. Presidente, o Governo Federal, ao invés de reajustar os benefícios da Previdência com o mesmo valor da inflação - de 20% -, reajustou em 15% e ainda promoveu a redução automática do salário ao impor uma contribuição de 10% que incide sobre o novo salário, irrisório e irreal, atentando contra todo e qualquer pensamento de um homem político que deseja o bem-estar da classe trabalhadora.

Hoje, há no Correio Braziliense, matéria intitulada "Aposentado sai perdendo", de Sandro Silveira, que passo a ler:

      "Os 15,8 milhões de aposentados que hoje reclamam do reajuste de 15%, porque a inflação medida pelo INPC (índice de inflação calculado pelo IBGE) foi de 20%, devem se preparar para 1997. Talvez se lembrem de 1996 com saudades.

      Isso é possível, porque o governo quer economizar cerca de R$450 milhões ano que vem com a transferência da data-base deles de maio para junho. A mudança foi feita por meio da Medida Provisória nº 1.415, que reajustou o salário mínimo em 12% e os benefícios previdenciários em 15%."

Sr. Presidente, Srs. Senadores, em uma mesma medida provisória - para que V. Exªs entendam -, o Governo cometeu três ilegalidades: na primeira, aumentou o salário mínimo em 12%, quando deveria ter sido em 20%; na segunda, aumentou os aposentados em 15%, quando deveria ter sido 20%; na terceira, mudou a data-base; aos invés de maio, como está inscrito na Constituição, como está previsto na Carta Magna, ele colocou a data-base para o mês de junho, para economizar 450 milhões nas costas dos trabalhadores.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Com muito prazer, Senador.

O Sr. Josaphat Marinho - Creio que V. Exª pode acrescentar a quarta ilegalidade. O Governo impõe, por medida provisória, a obrigação do aposentado de contribuir para a Previdência, no mesmo ano em que a Câmara, por duas vezes, repeliu a medida. A Constituição não permite dúvida, nobre Senador. O art. 67 diz expressamente:

      "A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional".

Ora, a medida é de tamanha restrição que, racionalmente, ninguém pode imaginar que o Congresso estivesse sujeito a essas restrições e o Executivo, não, pudesse deliberar sobre a matéria por medida provisória, que é instrumento de caráter excepcional. É uma anomalia. O Congresso Nacional não pode voltar a discutir a matéria, senão se, em favor dela, a maioria absoluta de uma das Casas do Congresso tomar a iniciativa. Ninguém tomou a iniciativa depois de duas vezes a Câmara ter recusado a matéria. O Presidente de República inclui a obrigatoriedade da contribuição para os aposentados em medida provisória. Isso faz lembrar aquela advertência do Senador Auro de Moura Andrade, no princípio de 1964, quando disse para o Presidente João Goulart: "O Congresso está pronto a colaborar na forma da Constituição, senão, não." Está na hora de o Congresso dizer: fora da Constituição, não.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Agradeço-lhe, Senador Josaphat Marinho, pelo seu aparte, que, tenho certeza absoluta, ficará inscrito nos Anais desta Casa como uma contribuição inestimável não só ao bom andamento dos trabalhos do Congresso Nacional, mas, quem sabe, também como uma contribuição ao próprio Presidente da República para que reflita não apenas sobre o plano social das medidas que Sua Excelência vem adotando, mas também sobre o ponto de vista constitucional, já que Sua Excelência, tendo sido Senador da República, um homem que conhece as leis tanto quanto nós, jamais poderia incidir num erro como esse, atingindo de uma só vez quatro ilegalidades contra a Constituição. Dificilmente esse ato do Presidente da República, configurado na medida provisória que Sua Excelência baixou, será aprovado pelo Supremo Tribunal Federal, que, certamente, o anulará em benefício da normalidade constitucional, da independência que deve prevalecer entre os Poderes, da harmonia entre eles. Isso não foi apenas um ato discricionário de um Presidente da República que não só interpretou mal a Constituição como agiu mal, violando a nossa Lei Magna, mas acima de tudo respeitando o Poder Legislativo, ao qual pertenceu e o serviu com a maior lealdade e devoção. No entanto, como Chefe do Executivo Federal, deveria ter mais cuidado com sua assessoria econômica, que não tem a menor sensibilidade. E isso foi demonstrado ao longo desse período de mandato do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Basta que falemos na atuação dessa equipe econômica com referência à quebradeira de bancos fraudulentos - Banco Nacional, Banco Econômico. Essa equipe econômica sabia de tudo o que estava ocorrendo nos porões do sistema financeiro e só tomou providência realmente efetiva quando o Senado Federal, usando da atribuição que lhe confere a Constituição, formou uma CPI, que foi arquivada, mas que está sendo objeto de julgamento pela mais Alta Corte Suprema do nosso País. Se a CPI fosse instalada, Sr. Presidente, a equipe econômica do Governo, naturalmente, teria tido mais humildade, inclusive para tratar melhor os setores produtivos da nossa Nação que estão abandonados. O comércio, a indústria e a agricultura estão quebrando. Enquanto, Sr. Presidente, fala-se que para equilibrar o Real, para conter a inflação, é preciso que essas medidas cruéis sejam tomadas, o salário mínimo no Brasil é uma vergonha - é menor do que o do Peru e da Bolívia. A Argentina está realmente em crise, mas o salário mínimo da Argentina é de R$200,00. Já houve a preocupação - e não é porque sou amigo do Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional - com o salário mínimo neste País. Se isso ocorreu foi durante a época do Presidente José Sarney, quando o salário mínimo era revisto anualmente e sempre acima da inflação, observando a Constituição aprovada em 1988. O contrário, Sr. Presidente, lamentavelmente, estamos vendo agora. O Presidente, eleito por um Partido voltado para o social - o Partido da Socialdemocracia -, prometeu, na campanha, aquilo que muitos acreditaram, que iria cuidar, acima de tudo, do social, que iria observar a Constituição e estamos vendo que, na prática, o discurso não passou de uma miragem. Lamentavelmente, porque, apesar de não ter votado em Fernando Henrique para Presidente da República, torço pelo Brasil e torço para que Sua Excelência se saia bem em sua administração.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me um aparte, Senador Antonio Carlos Valadares?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Concedo o aparte ao nobre Senador José Eduardo Dutra, Líder do PT.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Antonio Carlos Valadares, o assunto que V. Exª aborda na tarde de hoje é realmente da maior importância. Vemos que o salário mínimo, fixado pelo Governo Federal, é tão vergonhoso que nem sequer o Ministro do Trabalho, em mensagem à Nação no dia 1º de maio, teve coragem de fazer referência a seu valor. Tradicionalmente, todas as vezes que o salário mínimo é reajustado, as autoridades - o Ministro do Trabalho ou o Presidente da República - falam à Nação, através de rede de televisão, e procuram exatamente realçar o novo valor. Nesse caso, talvez por vergonha do valor fixado, o Ministro do Trabalho não fez referência. V. Exª também levanta a questão relativa a aspectos comparativos em termos de salário mínimo. Nesse momento em que o Brasil - segundo os discursos de seus dirigentes - estaria entrando na modernidade, preparando-se para fazer frente à globalização, no momento em que o Mercosul é a expressão de mercado comum no qual o Brasil se insere e é a expressão da globalização no campo da América Latina, se formos comparar o salário mínimo dos países do Mercosul, veremos que, apesar de o Brasil ser mais desenvolvido economicamente, dos quatro países que o compõem, o nosso é o que tem o menor salário mínimo. Senão vejamos: Na Argentina e no Uruguai o salário mínimo está em torno de US$190.00; no Paraguai é de US$146.00, e no Brasil é de R$112,00 ou seja US$115.00, aproximadamente. É muito difícil ouvirmos discursos sobre globalização e modernidade do Primeiro Mundo, enquanto continuamos com salário mínimo de quarto ou quinto mundo. Com relação ao aspecto levantado pelo Senador Josaphat Marinho, o Governo adotou uma posição de absoluto cinismo. O Partido dos Trabalhadores, inclusive, estará entrando com uma ação direta de inconstitucionalidade, alegando exatamente essa questão de que não poderia o Congresso apreciar uma lei que já havia sido rejeitada. O Governo alega que, como a lei foi rejeitada durante a convocação extraordinária, no mês de janeiro, estamos, então, em outra sessão legislativa e, portanto, está dentro da legalidade. Discussão jurídica à parte, o que deve ficar claro é o flagrante desrespeito do Executivo para com o Congresso Nacional, já que a Câmara dos Deputados manifestou-se explicitamente contrária à contribuição dos servidores públicos aposentados. Isso ocorreu no mês de janeiro deste ano, mas, no final de abril, o Governo, por meio de medida provisória, retoma essa questão. É mais uma oportunidade para que o Congresso se faça respeitar; que de uma vez por todas, tomemos posição a respeito de medidas provisórias. Não padecemos de falta de projetos; temos aqui dois ou três tramitando no Senado; temos o projeto do então Deputado Nelson Jobim que trata da mesma matéria, aprovado na Câmara e tramitando no Senado; e já está na pauta do dia 07 o requerimento do Senador Eduardo Suplicy que solicita que o projeto seja incluído na pauta. Dessa forma, esperamos que o Senado dê a demonstração de que não mais vai continuar aceitar essa fúria legiferante do Executivo, que está exorbitando em suas tarefas.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES - Agradeço o aparte do Senador José Eduardo Dutra que vem, de certa forma, engrandecer este meu pronunciamento nesta tarde, no plenário do Senado Federal. O Partido de V. Exª tem tido a iniciativa não só na Câmara e no Senado, mas também junto ao Supremo Tribunal, de lutar brava e seriamente na defesa do que consideramos essencial, qual seja o respeito à democracia e à Constituição brasileira.

Sr. Presidente, concluindo, devo dizer que o salário mínimo imposto por meio de uma medida provisória inconstitucional está previsto no art. 6º, do Capítulo II, Dos Direitos Sociais, como capaz de atender às necessidades vitais básicas dos trabalhadores e de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Sr. Presidente, está claro que o Governo Federal não respeita, em muitos aspectos, nem Congresso, nem a Constituição; e só o Supremo, que é o guardião de nossa Carta Magna, pode fazer valer o pensamento jurídico de todos nós, aqui esboçado pelo Senador Josaphat Marinho, homem respeitado por todos pela interpretação correta das leis de nosso País.

Esse salário mínimo, como diz V. Exª, Senador José Eduardo Dutra, é uma vergonha; R$112,00 não são suficientes para todos os pagamentos que o trabalhador tem que fazer. Quantos aumentos tivemos de tarifas de água e luz, por exemplo, no último ano? O Governo deveria dar o exemplo, mas, ao contrário, permitiu que em vários Estados essas tarifas fossem aumentadas sem reação governamental.

Afinal, para que não se diga que viemos à tribuna só para criticar, queremos dizer que achamos que o Governo Federal deve encontrar uma saída para o investimento, em vez de se preocupar em aumentar a arrecadação com os pobres trabalhadores, utilizando-se de tributos sobre proventos que foram conquistados depois de muitos e muitos anos de luta. O Governo deve, sim, pensar, de forma mais séria possível, em retomar o desenvolvimento em nosso País.

O setor de habitação foi abandonado; é preciso que novas casas sejam construídas; são mais de 10 milhões de brasileiros que precisam de moradia decente para abrigarem suas famílias. Não só moradia, Sr. Presidente. Na medida em que o Governo fizer circular no Brasil mais dinheiro para construção de novas habitações, empregos e mais empregos surgirão nos Estados e nos Municípios do Brasil. É preciso que o Governo se preocupe em baixar os juros, mas não para ajudar os banqueiros. O objetivo das últimas medidas tomadas pela equipe econômica do Governo não foi o de facilitar o crédito; sabemos que os brasileiros estavam correndo dos bancos, procurando agiotas que emprestavam dinheiro mais barato e com maiores facilidades. Quando o Governo Federal sentiu o débâcle dos bancos e dos banqueiros, sob a capa de que estaria ajudando o consumidor, resolveu tomar algumas medidas, à primeira vista simpáticas, para reduzir o custo do dinheiro; mas, na realidade, é para salvar os bancos, porque indústria e comércio estão quase falidos e sem condições de tomar empréstimos a longo prazo quanto mais a curto prazo.

De sorte, Sr. Presidente, que o Governo Federal deve se debruçar sobre o desenvolvimento do nosso País, preocupando-se com o social, porque de nada adianta termos moeda aparentemente forte e um povo frágil e desassistido. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/1996 - Página 7517