Discurso no Senado Federal

DEFICIENCIAS INTERNAS DO SISTEMA CAPITALISTA. CRISE DE SOBREACUMULAÇÃO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • DEFICIENCIAS INTERNAS DO SISTEMA CAPITALISTA. CRISE DE SOBREACUMULAÇÃO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1996 - Página 7173
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, DEFICIENCIA, CAPITALISMO, CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, PROVOCAÇÃO, SITUAÇÃO, CRISE, DESEMPREGO, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é como se a América Latina flutuasse sobre uma camada de magma, que, a cada dia, se incandesce mais. E aqui e ali vemos sinais de que o magma não pode mais ser contido pela crosta.

Assim pontilham, na Colômbia, na Venezuela, na Nicarágua, em Cuba, no Paraguai, no Brasil e no Pará, os sinais de que a pressão exercida pelas camadas subterrâneas incandescentes vem à tona inexoravelmente.

Alguns consideram que há força e violência demais na natureza. E, na natureza humana, o que contribui para a efervescência, para a insatisfação, para a degradação são as instituições, os sistemas, os modelos que já se encontram deteriorados completamente.

Diante dessa situação, Bresser Pereira faz declarações à revista Esquerda 21. E, em entrevista concedida no mesmo número dessa revista, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, em diversos instantes, corrobora aquela visão de Bresser Pereira, ou seja, de que estamos no caos, de que estamos submetidos a um completo caos.

Nós, que não temos obrigação do comando do País; nós, que não somos timoneiros e que não temos a certeza de que as regras impostas pelo FMI à América Latina sejam dignas de ser trilhadas e obedecidas; nós antes tínhamos um caminho certo, uma diretiva tranqüila: jogar pedra no telhado - assim pensavam muitos e não deixavam de ter uma certa razão, porque muitos de nós, da esquerda, nos orientávamos pelo telhado de vidro do poder da burguesia nacional e jogávamos pedra sobre ele.

Mas o caos se generalizou, e o próprio Governo se declara perdido. Ao invés de assumir uma postura tranqüila, de ter uma atitude reflexiva, concernente àqueles que estão perdidos, o Presidente da República e alguns de seus Ministros trocam a atitude de reflexão por posições autoritárias, colocam sobre o Legislativo brasileiro a culpa pelo atraso na desconstitucionalização do Brasil e afirmam que, se não vierem as reformas administrativa, fiscal e tributária, o tal do Real, que contém a universalização da América Latina, das medidas impostas pelo FMI, estará em risco, em grande risco. Risco de que serão respeitados os direitos dos funcionários públicos se a reforma administrativa não passar - maravilhoso risco esse! -; risco de que serão respeitados os aposentados e os direitos daqueles que trabalharam a vida inteira na esperança de um dia receberem de volta pelo menos as migalhas que a legislação sempre lhes assegurou; risco de que talvez não entreguemos tanto do nosso País ao centro globalizador do mundo, que domina a periferia e que nos impõe a forma de inserção no mundo moderno. Esse processo de inserção reproduz, em escala ampliada, as contradições que se centralizam na economia dos Estados Unidos.

Mas, a nós, o Plano Real impõe o equilíbrio orçamentário, quando os Estados Unidos, nos últimos 65 anos, apresentaram 62 anos de déficit orçamentário, de desequilíbrio crescente entre a sua receita e as suas despesas, sendo que o governo federal dos Estados Unidos - este, que dizem que será minimalista, que irá reduzir e enxugar os seus excessos -, só o governo federal, gasta mais de U$1,5 trilhão por ano. São U$300 bilhões de déficit orçamentário.

Temos que pagar o serviço de uma dívida pública fantástica, que cresce a 10% ao mês, algo inédito na história econômica e financeira do mundo. E, ao mesmo tempo, procuramos o equilíbrio orçamentário através da inexistência de recursos para uma reforma agrária, através da inexistência de recursos para pagar dignamente os 46% de reposição aos funcionários públicos.

O Governo não tem recursos para tapar o buraco das estradas e, por isso, privatiza, lançando o custo da conservação das estradas e o direito de nelas andar nas costas daqueles que por elas transitarem.

Mais um imposto o Governo cria. O Governo que afirmava, há pouco tempo, que pretendia reduzir a um os nossos impostos, agora, cria a Contribuição sobre o Movimento Financeiro para a Saúde.

Portanto, o Governo que se diz ausente, que pretende se aproximar do seu modelo arcaico do laissez faire, da economia neoclássica, que data de 1873. Portanto, a economia neoclássica ainda coexistiu com Marx durante 10 anos e surgiu 10 anos antes do nascimento de Lord John Maynard Keynes, autor da crítica ao neoclassicismo, da crítica à economia neoclássica, à economia de mercado que faliu na crise de 1929. Agora, querem erguer do túmulo, na falta de melhor, na falta de uma nova ideologia dinamizadora do capitalismo, esse fantasma neoclássico, afirmar o equilíbrio numa economia altamente cartelizada e altamente monopolizada.

Em 1883, escreveu-se na Alemanha um livro chamado: "A Cartelização dos Monopólios". Na Alemanha, em 1913, havia 340 cartéis; nos Estados Unidos, 2.700, na década de 1920, segundo Maurice Dobb. Como entregar esse mercado, altamente concentrado e dominado nas mãos de poucas megaempresas, à sorte de um equilíbrio que, na realidade, só pode pender e prejudicar aqueles que não têm esse poder concentrado de influência e decisão sobre o chamado Mercado Livre?

Pois bem, para salvar o capitalismo, os remédios aplicados, nos anos 30, foram heróicos. Entre eles, o receitado por Lord John Maynard Keynes foi a guerra. A Segunda Guerra Mundial foi um dos ingredientes que Keynes considerava necessário e essencial para atingir o pleno emprego, para recuperar a economia que se encontrava em um nível de desemprego parecido com o de hoje. Mas as despesas bélicas, despesas completamente dissipadores que - whole wastefull, de acordo com Keynes -, eram necessárias que fossem feitas pelo governo, que, por isso, abandonou o ouro que limitava as emissões e passou a emitir state money, papel-moeda inconversível, que tomou conta do mundo.

"O que estou fazendo aqui - disse Roosevelt - é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha e que Stalin está fazendo na Rússia." Todos eles expandindo e deixando hipertrofiar autoritariamente o Estado, a fim de salvar o status quo, a fim de redinamizar um processo que estava em crise, talvez definitiva.

Então, o que hoje entra em crise, o que agora entra em crise, esse desemprego dos setores terciários, esse desemprego dos funcionários públicos, que foram reabsorvidos, a partir dos anos 30, para reduzir o desemprego e para aumentar o nível de demanda da economia. Isso que está agora sendo destruído e enxugado não é uma gordura sadia, mas é uma excreção que serviu ao capitalismo durante 50 anos de sua existência.

Portanto, não choro, não lamento que isso tenha ocorrido e esteja ocorrendo. Mas não há dúvida alguma de que é estranho que o Presidente Fernando Henrique Cardoso venha agora descobrir e considerar que esse remédio keynesiano é o remédio que vai redinamizar o capitalismo brasileiro. E Sua Excelência diz o seguinte na sua entrevista:

      "Eu disse, outro dia, em Bariloche: olha, os conceitos estão mudando."

Grande novidade! E, logo em seguida, Sua Excelência sai de Bariloche e passa para a Baixa Saxônia.

      "Eu sobrevoava, outro dia, a Baixa Saxônia, na Alemanha, com o Governador de lá, e comecei a perguntar sobre uma determinada cultura que eu via. Era a colza, que eles plantam muito lá."

E como é o sistema aqui? Perguntei. Disse Sua Excelência:

"O Governo dá o subsídio. Não vem nem verificar se plantou ou não plantou. Se não colheu, melhor ainda, desde que a pessoa fique lá plantando.

E continua:

      "Quero dizer, não planta por causa do sentido de produção, porque a produção é muito grande."

Isso ocorreu, Sr. Fernando Henrique Cardoso, na década de 30; o TVA não passa disso nos anos 30, dessa solução com a qual Sua Excelência, agora, se espanta na Baixa Saxônia. As grandes histórias paralelas, os estádios que Hitler fez e onde perdeu a Olimpíada. Há transformação de desempregados em soldados e, finalmente, a grande dissipação, como diz Keynes, que é necessária para provar a minha tese.

      "Duvido que tenhamos conhecido um auge duradouro capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a Guerra."

E em outro trecho:

      "Se os Estados Unidos se sensibilizarem com a grande dissipação decorrente da preparação das armas, aprenderão a conhecer sua força. Aprenderemos, então, as verdadeiras leis que prescindem a produção da riqueza. Diante desta grande dissipação, nem a vitória nem a derrota do New Deal nada significarão. E foi em 1939 que Roosevelt decuplicou as despesas do Governo. E assim pôde, em 1941, elevar o PIB dos Estados Unidos um pouco acima do nível de 1929."

Em 1943, apesar de tudo isso, a produção de carros nos Estados Unidos era de 700 mil unidades, contra 5 milhões e 3 mil carros, em 1929. E, em 1980, 5 milhões e 1 mil carros contra 5 milhões e 3 mil, 50 anos antes.

A crise, portanto, foi uma crise permanente, foi uma crise que substituiu aqueles bens dirigidos e consumíveis pela classe média norte-americana e, potencialmente, pelo mundo em geral, por algo inconsumível - as despesas de guerra, as despesas espaciais, a dissipação muito bem remunerada e institucionalizada, da qual esses cento e poucos esqueletos de obras inacabadas no Brasil constituem apenas um exemplo muito insignificante, muito pequeno.

E assim, portanto, aquilo que era, na década de 30, uma redinaminzação feita através do Governo, que subsidiava tudo, retirou das empresas as suas despesas, os seus custos com aposentadoria, com medicina, com pesquisa, e os incorporou ao aparelho do Estado moderno.

Agora, nessa crise, retirar do aparelho do Estado e colocar no orçamento das empresas falidas esse custos que, desde a economia keynesiana, foram objeto das despesas até mesmo dissipadoras do Governo é realmente aprofundar a crise do capitalismo.

E se essas medidas que estão sendo propostas tiverem outro objetivo que não seja o da destruição pela simples destruição, o do desfazimento pelo desfazimento, diante do caos declarado por Bresser Pereira e por Fernando Henrique Cardoso, se isso não for apenas uma destruição, eu gostaria até de poder apoiar essas medidas. Mas somente se nelas eu enxergasse o caminho de uma superação dessa forma perversa de resolver o problema do desemprego humano, como foi durante os 50 anos de dominação da dinâmica keynesiana. Dinâmica tortuosa, que transforma o homem em escravo de um horário já completamente inadequado, um horário que a tecnologia já permitia que fosse reduzido em muitas e muitas horas, mas que mantém esse escravo do horário, esse escravo do capital, esse escravo que finge que trabalha, mas que não pode produzir.

Não pode produzir, porque - como diz Fernando Henrique Cardoso -, se produzisse, a capacidade produtiva ultrapassaria as necessidades e possibilidades da sociedade. Ter-se-ia, então, de jogar café no mar; queimar cordeiros, como foi feito na Austrália; construir estradas paralelas, como foi feito nos Estados Unidos de Rooselvet; fazer o TVA no lugar mais infértil, mais improdutivo, tal como foi feito por Mussolini também na Itália, no Vale do Pó. Escolhas feitas pela improdutividade.

Portanto, agora, ao invés de transformarmos a potência das máquinas - a robótica, a informática, a telemática - em formas de reduzir o sacrifício do homem diante do trabalho, o que vemos é que essas máquinas ajudam no desemprego de 830 milhões de trabalhadores.

No seu livro "O Fim do Desemprego", publicado no ano passado, Rifkin afirma que, por exemplo, as grandes firmas comerciais, os empórios, os atacadistas desaparecerão dentro em pouco tempo - e já estão desaparecendo nos Estados Unidos.

As encomendas serão feitas, pelos sistemas de informação, diretamente aos produtores, eliminando também os atacadistas. Assim, o que vemos é que, ao invés de servir a tecnologia ao homem e ao futuro, a repetição da solução neoclássica gerará um simples e generalizado economicídio em escala mundial.

Não adianta tentar segurar o dominó que mostra que vai destruir o sistema bancário brasileiro, porque existe também um dominó que vai derrubando comerciante por comerciante, industrial por industrial, elevando a taxa de falência, de insolvência, de inadimplência em todos os pontos do País, destruindo áreas inteiras, como acontece no Vale dos Sinos, como acontece na cidade de Americana, como acontece em Brasília, onde o desemprego já atinge 18%.

Persistir, portanto, nesse caminho é equivocado e arcaico. Arcaico é isso que está aí. Arcaica é essa tentativa de ressuscitar uma ideologia que foi criada em 1873 e que entrou em completa desmoralização em 1929. Hayek, um de seus corifeus, dizia o seguinte: "quando eu era jovem, as minhas idéias eram velhas; e, agora que estou velho, as minhas idéias ficaram novas". Se, quando ele era moço, há 90 anos, as suas idéias já eram velhas, hoje elas são velhíssimas. E essas idéias velhíssimas é que compõem essa chamada modernidade.

Assim, portanto, como disse Bresser Pereira, e com ele concordou o Presidente Fernando Henrique Cardoso, nós nos encontramos no caos.

A estrutura que aí está - a estrutura concentrada da terra; a estrutura concentrada da vida, da saúde; a estrutura concentrada das rendas; a estrutura concentradora do Poder -, essa estrutura conservadora tem um poder de resistência à mudança que é, realmente, quase insuperável.

Não adianta apenas um Ministério sem recursos para fazer a reforma agrária no Brasil. Existe um anti-reformismo que está nas nossas raízes e na nossa estrutura fundiária.

Não adianta um imposto para a saúde, para de novo esses recursos adicionais serem absorvidos e privatizados pela saúde privada, que só visa ao lucro e não à vida. De nada adiantam, portanto, essas medidas que obrigam os trabalhadores e os aposentados a recorrerem a instituições privadas de aposentadoria. Não adianta tentar restabelecer a fé nos seguros de vida, de saúde e de aposentadoria, enquanto o Real está estabilizado.

Neste momento de estabilização, existe uma grande atração pela privatização desses serviços. Mas, quando a inflação voltar, veremos que os seguros estarão completamente reduzidos e aniquilados em sua importância e em seu significado, que as aposentadorias também do sistema privado nada significarão para as vítimas que a ele recorreram agora, neste momento de relativa estabilização.

Portanto, é preciso que tenhamos coragem para reconhecer que o capitalismo keynesiano, com a sua dinâmica contraditória, talvez traga nele mesmo o que sempre suspeitei: o conteúdo do homossexualismo do genial, do maior dos economistas deste século, o conteúdo homossexual que ele nunca escondeu possuir. Dizia que o futuro daria razão a ele. Esse caráter híbrido, que algumas vezes se afirma com traços socialistas, mas que no fundo é altamente reacionário e conservador. Essa é a pregação de Keynes; essa é a realidade conservadora, bélica, agressiva, hipertrofiada no Poder Executivo, hipertrofiadora dele, que foi garantidor daquilo que ele pretendia: "mais de 100 anos de vida para o capitalismo".

"Até lá - dizia ele -, devemos conservar-nos no túnel da escassez, esperando, aguardando que um dia possamos ver a luz do dia." Ele dizia que até lá, enquanto o capitalismo perdurar - dizia o salvador do capitalismo, o grande teórico e ideólogo de nossa era, de nosso século -, devíamos continuar fingindo para nós mesmos e para os outros e mentindo para todos, afirmando que o nosso sistema era capaz de distribuir justiça, capaz de ser equânime e capaz de instaurar a nova forma de relacionamento entre os homens que não fosse o relacionamento da guerra, que não fosse o relacionamento do autoritarismo, que não fosse o relacionamento do pleno emprego keynesiano.

Keynes justificava o aumento de consumo, dizendo que o aumento de consumo era capaz de multiplicar o emprego, e formulou então o seu famoso multiplicador do emprego. E agora o multiplicador de emprego transformou-se em multiplicador de desemprego. Cada funcionário empregado dispensa, desativa ou fecha três ou quatro oportunidades de emprego. Cada redução da demanda faz fechar em cadeia diversas atividades que tinham aquele consumidor, que agora se encontra desempregado, como o seu destino final. Assim nos encontramos diante do multiplicador de desemprego, o oposto ao multiplicador de emprego Keynesiano. Essa era acabou. O mercado não pode, como nunca pôde, sustentar e reativar a economia. Qual é o futuro que essa ideologia neoclássica nos promete? Toda ideologia acendeu um fogo, uma esperança para o futuro da humanidade, desde a ideologia exótica de Hitler até a ideologia mercantilista, a ideologia liberal.

Qual é a promessa de futuro que essa ideologia neoclássica tem? Absolutamente nenhuma: que a ditadura de mercado tome conta de nós, de nossos destinos; que a ditadura de mercado continue desempregando em nome da eficiência e que, obviamente, o futuro será o canteiro onde as nossas crianças não terão condições de uma vida digna.

Não há esperança de futuro, mas nem precisava haver esperança de um futuro melhor nessa ideologia que os Estados Unidos e o FMI pretendem nos vender. O próprio FMI está horrorizado diante do que está acontecendo na América Latina e, em especial, no Brasil. Afirmou que é provável que os bancos continuem a quebrar, porque o que há de pior talvez em nosso mundo talvez seja a irresponsabilidade das decisões coletivas. Pratica-se um "economicídio" e ninguém é responsável; mata-se no Pará 19 pessoas e ao final ninguém sabe a quem pertence a arma e ninguém é responsável. É quanto ao regime da irresponsabilidade que o Congresso Nacional deve tomar cuidado. E é por isso que, entre outras coisas, penso que deve haver uma mudança na atual legislação eleitoral.

Nos Estados Unidos, o máximo que uma empresa pode receber de financiamento são US$15 mil; e a pessoa física, US$5 mil. No Brasil, o céu é o limite. Muitos dos nosso mandatos já são distorcidos, comprometidos antes do resultado da eleição.

Apresentei o Projeto de Lei do Senado nº 240, que tenta coibir esse absurdo da livre penetração do dinheiro nas eleições, a transformação do voto em mercadoria e a transformação das grandes empreiteiras e dos grandes bancos em verdadeiros monopolistas da consciência coletiva ou da inconsciência coletiva.

Há três dias, em sua coluna da Folha de S.Paulo, Carlos Heitor Cony disse que dois bancos que haviam contribuído grandemente para a campanha do Sr. Fernando Henrique Cardoso foram beneficiados pelo Proer. Isso é muito grave. Talvez isso explique por que o Proer, em um sábado noturno, de madrugada, veio proteger justamente esses dois bancos. Carlos Heitor Cony afirmou que ainda há mais um banco que foi também um grande financiador da campanha de Fernando Henrique Cardoso.

Que sistema é este em que nos encontramos? Se isso se comprovar, eu, que tanto respeitei, décadas atrás, a figura do Presidente Fernando Henrique Cardoso, transformarei o antigo culto por uma decepção, por uma crítica.

Não sei o motivo pelo qual o Senhor Fernando Henrique Cardoso mudou de idéia. Sua Excelência não explicou por que havia abandonado as antigas vestes pelas vestes da modernidade. Sua Excelência tinha a obrigação de explicar isso a nós que fomos seus leitores diuturnos, que pagamos o preço de seus livros e o preço de nosso esforço intelectual para compreendê-lo e segui-lo.

Portanto, Sua Excelência está andando num caminho minado. Se essas coisas continuarem a ocorrer, não haverá água no mundo capaz de lavar as suspeições que passarem a pesar sobre ele pessoalmente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dia o mundo girará em torno de novos valores. Aqueles valores da minha juventude já os superei. E os superei por alguns motivos muito simples. O nosso mundo do capital, que desvaloriza o homem, e o desvaloriza para melhor explorá-lo, é o que gravita em torno do dinheiro e de seu poder.

Dois mestres tive na minha vida: um que comecei a ler aos 16 anos de idade, o outro, Sigmund Freud, com toda a sua escola. Escreveu um dia que a poupança e o dinheiro estão relacionados à fase anal de desenvolvimento da personalidade, que o símbolo universal do dinheiro são as fezes, e, portanto, o nosso mundo corre, acumula e tenta-se encher do excremento a que Freud se referiu, sem ter lido Marx - porque neste se encontra o mesmo pensamento: "Money is not dirty". Dinheiro não é excremento, mas as fezes podem ser dinheiro.

De modo que, então, consciente de que este não seria o caminho para eu trilhar a felicidade de ter vivido, o privilégio de ter nascido, obviamente tive de criticar esse sistema. No Brasil, toda nossa sociedade se dirige à poupança, ao acúmulo de riqueza, à adoração da coisa capital. E esse acúmulo de riqueza, esse acúmulo de dinheiro, de material fecal - de acordo com Freud e Marx, coincidentemente - é que estão provocando a crise de nosso mundo e de nossa sociedade.

Há uma sobreacumulação, ou seja, um excesso de acumulação de capital em mãos de poucos, obviamente. E é esse excesso de acumulação de capital que nós, economistas - eu, infelizmente, apenas professor de economistas -, os dirigentes, os chefes de partido não têm coragem de diagnosticar. Fingimos que existem uma crise da saúde, uma crise da educação, das estradas, da dívida pública, ou seja, pequenas crises, para iludir o povo no sentido de que, tapando esses pequenos buracos, tudo mais irá bem. Mas a grande crise, a crise principal permanece. Trata-se da crise sobre a qual Keynes e Marx falaram: a crise fulcral do modo de produção capitalista, a crise de sobreacumulação que Keynes enxergou, em 1929, nos Estados Unidos. Por isso, ele aconselhou a desacumular por meio da dissipação bélica, espacial, organizada pelo Estado e remunerada.

Essa solução chegou ao fim, e não temos sequer a coragem de dizer que nos encontramos, já há muito tempo, numa sobreacumulação de capital, de sorte que o processo produtivo, a não ser em pequenos setores, não agüenta mais investimentos adicionais, a não ser subsidiados, a não ser doados pelo Governo, a não ser para a exportação. Desse modo, continua a tentar "empurrar com a barriga" uma crise que, não podendo se transformar em forças produtivas benéficas para a sociedade, dirige-se, inexoravelmente, para a especulação, para o over, para a rentabilidade fácil e ampla que o Estado, até há pouco, fornecia aos banqueiros, também hoje quebrados.

Profeticamente, Keynes nos dizia que, se isso acontecesse, os banqueiros teriam o destino de Midas: morreriam, porque tudo em que tocassem se transformaria em ouro. E esses banqueiros morreram de fome no meio dessa falsa riqueza, como aconteceu com o Rei Midas, o personagem mitológico.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Com prazer, nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Nobre Senador Lauro Campos, sinto-me feliz por estar ouvindo a extraordinária reflexão de V. Exª, que nos traz o conhecimento de alguns dos principais economistas e pensadores da História da humanidade e das suas reflexões sobre a evolução, sobretudo do capitalismo, neste século. V. Exª me faz lembrar algumas das reflexões que ouvi, quando a economista Joan Robinson fez um pronunciamento, em dezembro de 1971, para mais de mil economistas que assistiam ao Encontro da Associação Americana de Economistas na cidade de New Orleans. Ela falava da segunda crise da teoria econômica. Disse que estava se aproximando um momento crucial que alguns economistas não estavam entendendo. Fez um paralelo com o que ela denominou de primeira grande crise. Observou que depois da I Grande Guerra Mundial alguns economistas tinham saudades de um tempo que denominavam de normalidade.

O SR. LAURO CAMPO - É o útero materno.

O Sr. Eduardo Suplicy - E ela chamou a atenção para o fato de que se efetivamente houvesse normalidade, não teriam ocorrido as grandes explosões sociais, como as envolvidas na I Grande Guerra Mundial, e que os economistas, então, não haviam entendido tudo completamente. Foi quando surgiu Keynes, como V. Exª ressalta, por volta dos anos 29, 30. Mas Joan Robinson disse que a genialidade de Keynes, em verdade, chegou um pouco atrasada.

O SR. LAURO CAMPOS - Antes tarde do que nunca.

O Sr. Eduardo Suplicy - Sim. Disse ela também que o outro personagem citado por V. Exª, Hittler, já havia demonstrado, na Alemanha, que, através do aumento de gastos governamentais, se poderia aumentar o nível de empregos. Só que ele teria realizado isso tragicamente, porque aumentou com gastos em armas para a guerra. Quando Joan Robinson disse que estava acontecendo a nova grande crise, os economistas da época não sabiam explicar. Ele ressaltava os pontos que V. Exª agora menciona. Dizia que a segunda grande crise referia-se não apenas ao nível de emprego - ocasionador da primeira -, mas também ao conteúdo dele. Esta segunda grande crise referia-se, sobretudo, à questão da extraordinária má-distribuição da renda que ocorria entre os países e dentro deles próprios, sendo este o grande desafio que precisava ser resolvido, e que até agora não o foi suficientemente. V. Exª ressalta a questão de como o Governo vem procurando resolver os problemas relacionados à sobreacumulação, com incentivos maiores ao capital. Os Ministros responsáveis pela economia são capazes de dedicar horas do seu tempo para criarem o Proer, deixando corroer o tecido social para explosões tais como as de Corumbiara e Eldorado dos Carajás. Depois, vão querer correr atrás, mas com atraso. Felicito V. Exª por estar na direção correta, apontando aspectos que deveriam merecer a atenção das autoridades, que, por vezes - como fez o Ministro Pedro Malan na sua última visita ao Senado - lembram-se de alguns aspectos, como o que foi citado por Joan Robinson num livro sobre a questão do emprego, de 1935/37, mas esquecem-se das lições mais fundamentais que ela nos deixou.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço as reflexões de V. Exª e as incorporo ao meu pronunciamento. Concordo plenamente com as palavras que V. Exª, como grande economista, acabou de proferir em apoio ao que estava dizendo.

Apenas para terminar, gostaria de lembrar que, em 1958, eu já previa isso. Publiquei um livro em 1980, que me levou 20 anos de trabalho, e, no seu prefácio feito pelo Dr. Edmar Bacha, com quem hoje não tenho mais relações pessoais, está dito que eu, no início dos anos 60, já previa aquilo que Joan Robinson e Lionel Robinson previram nos anos 70. Previ mais de 10 anos antes deles.

Essa capacidade de previsão nos faz sofrer duas vezes. Sofremos ao descobrirmos e ao desvendarmos da grande figura, da aparentemente figura saudável do capitalismo eficiente. Descobre que no seu interior há uma negatividade enorme, e então esta realidade nos abala.

Quando as previsões de superação se transformam numa realidade que volta atrás, que quer retroceder para se conservar, e como que pretende voltar ao útero materno para ter toda uma vida pela frente de novo, isto que acontece agora nos entristece novamente. Espero que o caminho da superação, o caminho de negar essa negatividade, de deixar esse tumor que foi "saudável" para o capitalismo e que o dinamizou deixe escorrer o seu conteúdo maléfico, bélico, agressivo anti-humano para que, em seu lugar, possamos realmente utilizar as forças do trabalho humano em proveito do próprio homem e da humanidade, com mais tempo de lazer socialmente distribuído, com mais tempo dedicado à pintura. E aí, sim, o trabalho também muda de conteúdo, diversas formas alegres de trabalho...

O SR. PRESIDENTE (José Alves) - Senador Lauro Campos, solicito a V. Exª que conclua o seu pronunciamento.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito agradecido. Estou terminando. Diversas formas de trabalho realmente vão aparecer e parece que estamos diante do fim do trabalho humano. O trabalho humano é expressão dessa inquietude do homem que o fez homem. O homem é homo faber, é o produto do seu trabalho, e, portanto, se o trabalho muda, com ele muda o homem, mas obviamente isso não significa que devamos bater palmas ao desemprego. O desemprego atual é uma perversidade final desse sistema.

Um dia se aboliu o trabalho escravo. Os escravos ficaram livres. Um dia se abolirá a nova escravidão, a escravidão dos agora assalariados, mal pagos, excluídos. E aí, sim, o fim das relações de trabalho assalariadas deverá ser recebido com sorrisos, com alegria e com satisfação pela humanidade, mas não como desemprego, mas não como fome.

Na entrevista em que Fernando Henrique Cardoso disse que não sabe se o desemprego é bom ou se é ruim, ele deveria saber que o desemprego é realmente uma perversidade, e que a abolição do emprego, como a abolição das relações escravagistas constituem, estas sim, uma possibilidade de real superação das atuais condições da humanidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1996 - Página 7173