Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO QUE ACRESCENTA PARAGRAFO UNICO AO ARTIGO 228, SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL AOS 16 ANOS DE IDADE.

Autor
Romero Jucá (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • JUSTIFICANDO APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO QUE ACRESCENTA PARAGRAFO UNICO AO ARTIGO 228, SOBRE A RESPONSABILIDADE PENAL AOS 16 ANOS DE IDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/1996 - Página 7185
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, RESPONSABILIDADE PENAL, REBAIXAMENTO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL.

O SR. ROMERO JUCÁ (PFL-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabo de dar entrada, nesta Casa, a uma proposta de emenda à Constituição, cujo objetivo é acrescentar um parágrafo único ao seu art. 228, nos seguintes termos:

      "Parágrafo único - nos casos de crime contra a vida ou patrimônio, cometidos com violência, ou grave ameaça à pessoa, são penalmente inimputáveis apenas os menores de 16 anos, sujeitos às normas da legislação especial."

Sei bem que esta é uma matéria polêmica, Sr. Presidente, fadada a ressuscitar intensas críticas contrárias à medida ora preconizada, e outras tantas posições favoráveis a essa alteração na nossa legislação penal.

O assunto não é novo e algumas iniciativas nesse sentido já foram, no passado, rejeitadas pelo Parlamento brasileiro, que, nesses ocasiões, curvou-se não apenas ao peso de abalizadas opiniões divergentes, mas também, quiçá preponderantemente, às pressões de uma mídia cooptada, conscientemente ou não, pelos adversários do rebaixamento da maioridade penal. Se compulsarmos os espaços cedidos ao assunto pelos veículos de comunicação à época, constataremos a enorme desvantagem sofrida pelos defensores da alteração da idade para responsabilização penal.

Isso é compreensível, já que a problemática do menor de comportamento anti-social provoca, de ambos os lados, reações dificilmente escoimadas do emocionalismo, de grande prejudicialidade quando se deseja realmente adequar o direito às aspirações da sociedade.

No caso da alteração da responsabilidade penal para dezesseis anos, a teimosia em não se reconhecer a maior capacidade de discernimento do jovem de hoje, em relação à criminalidade dos seus atos, funciona como contraponto às acusações de que a busca de redução da idade dos penalmente inimputáveis se baseia, quase que exclusivamente, na emocionalidade advinda de eventuais traumatismos sociais provocados por menores infratores, quando então os ânimos, alimentados pelo sensacionalismo da imprensa, tornam-se exacerbados, fazendo germinar o clamor social propício ao aproveitamento dos oportunistas que disso intentam auferir rendimentos eleitorais.

A verdade, no entanto, está muito longe desse raciocínio simplista. Diversamente da responsabilidade do jurista, cabe ao político refletir os anseios da sociedade e, através dessa captação correta, transformá-los em normas que traduzam com fidelidade essa aspiração, fruto da nova realidade presente e da qual a Teoria do Direito não deve e não pode estar desvinculada.

Lamentavelmente, não há como mascarar ao legislador o gravidade dos problemas vividos pela sociedade brasileira de hoje, na convivência cotidiana com crimes violentos cometidos por menores entre dezesseis e dezoito anos, cada vez mais crescentes, e para cujo estancamento a legislação especial tem-se mostrado completamente ineficaz.

Tão repleto anda o noticiário de crimes perversos praticados por menores nessa faixa de idade que já não se dá a eles as manchetes garrafais de outrora e nem se lhes reservam os espaços exagerados que acabavam, às vezes, por torná-los heróis de desavisados seguidores. Mas, ao contrário do que muitos possam pensar, essa banalização da violência é muito mais alarmante do que o sensacionalismo de ontem. O que antes vendia, pela excepcionalidade do fato e pelo choque que causava, acabou por cair na vala comum do noticiário policial.

O significado disso não comporta interpretações dúbias. O crime está-se alastrando nessa faixa etária e a sociedade, estarrecida e aterrorizada, desfalece ante a impotência das autoridades em coibi-lo. A descrença na eficiência da sanção penal e nos agentes de sua aplicação podem levar o povo a uma conclusão que dificilmente será mais nociva à ordem social: a de que a impunidade, sendo quase regra, deve servir como incentivo de desobediência à ordem jurídica, já que a ação estatal só se mostra eficiente nas suas funções de impor e cobrar tributos sem que haja a contrapartida da eficiência policial e judiciária no resguardo da sua segurança.

Por isso mesmo, há que se ter coragem para as reformulações necessárias.

A nossa estrutura de idéias, no aspecto da menoridade penal, tem sido histórica e sociologicamente montada sobre um humanismo que, se é meritório do ponto de vista individual, tem desprezado o conjunto da nossa sociedade. Esta, cada vez mais agredida, vem se tornando cada vez mais cética com relação às medidas coercitivas de privação da liberdade desses menores entre 16 e 18 anos. E a generalização do pessimismo, por sua alta nocividade e pelo perigo que representa ao equilíbrio social, não autoriza a contemplação passiva do legislador.

Urge, volto a repetir, que tenhamos a coragem de reformar, ainda mais quando, passado tanto tempo, a postura até então adotada não produziu os efeitos esperados por essa mesma sociedade que, pacífica e ordeira na sua imensa maioria, clama pela segregação daqueles que, conscientemente, ferem violentamente o seu inalienável direito à segurança, seja quanto à própria vida, seja quanto à preservação do seu patrimônio.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conheço bem a argumentação contrária ao rebaixamento da maioridade penal. Basicamente, ela se fundamenta no raciocínio de que a própria sociedade, concentradora de renda e excludente de condições humanas básicas a um enorme contingente de miseráveis, em cujo quadro as crianças e os adolescentes representam a fração mais vulnerável, seria a grande culpada pelo aumento da criminalidade juvenil. E que nessa faixa de idade, entre 16 e 18 anos, o adolescente não tem estrutura física e nem psíquica para ser tratado penalmente como um adulto. Além disso, propaga-se que os delitos praticados por adolescentes não ultrapassam os 10% de toda a delinqüência, fração esta que não teria peso significativo na solução dos problemas de segurança pública.

Ora, Sr. Presidente, não há como não concordar, em parte, com a grande contribuição dada à criminalidade por nossa sociedade injusta. Mas circunscrevê-la apenas dentro desses limites é incorrer em erro crasso. Tanto assim que a estatística dos 10%, apresentada como reforço da tese adversa, parece-nos, ao contrário, que pesa a favor da punibilidade desses infratores. Considerando-a real - embora sua confiabilidade seja contestável pelo fato de que muita gente deixa de registrar atos criminosos desses jovens pela firme convicção de que não serão punidos -, ela, ao inverso do proclamado, na verdade fulmina os argumentos dos que a usam em defesa da manutenção do atual sistema. Não sendo assim, seria um raciocínio às avessas, pois, na realidade, ela apenas comprova que a imensa maioria dos jovens brasileiros, não obstante a sua notória desassistência social, deixa de desembocar na delinqüência para tornar-se a grande massa de cidadãos ordeiros e laboriosos, freqüentemente vítimas daqueles que optaram, conscientemente, pela via criminal. Isso faz com que caia por terra, definitivamente, a tese de que as condições sócioeconômico e culturais direcionam, inexoravelmente, os jovens excluídos para a conduta criminosa.

E é em respeito a essa grande maioria que devemos punir exemplarmente os demais, sob pena - aí sim - de deixarmos que contaminem irremediavelmente o tecido social fiado pelos respeitadores da ordem jurídica.

Convenhamos, Sr. Presidente. As medidas sócio-educativas previstas estatutariamente para os adolescentes (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, regime de liberdade e privação de liberdade) não assustam mais os criminosos juvenis. E, por não assustarem, deixam de funcionar como freio à delinqüência.

Os nossos juízes, premidos talvez pelo receio de serem julgados excessivamente rigorosos, hesitam na aplicação das medidas menos brandas. As autoridades policiais civis, eternamente submetidas ao fogo cruzado dos meios de comunicação, subjugam-se a um noticiário que possa ser mais benevolente, de molde a não se verem atrapalhados na sua justa pretensão de ascensão funcional.

Não podem, Judiciário e Polícia, permanecer manietados por essas pressões. A alteração da responsabilidade para 16 anos os livrará, em parte, dos grilhões dessa censura incabível. Já em 24 de outubro de 1980, em conferência proferida na Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra do Rio de Janeiro, o insigne jurista João Baptista Cordeiro Guerra, Ministro do Supremo Tribunal Federal, proclamava:

      "Creio, nesta altura, que a alteração da responsabilidade penal para 16 anos, quando o agente revela capacidade de entender o caráter criminoso do ato que praticou, é uma necessidade.

      O Código de Menores do inesquecível Juiz Melo Matos previa, nesses casos, a detenção por tempo indeterminado. Onde, porém, os juízes podem aplicar esse Código?

      Já se fez novo Código e a situação não melhorou, porque não se alterou a mentalidade do julgador.

      Dizia aos meus jurados: quando Mozart compunha aos cinco anos, ninguém responsabilizava a sociedade pelo seu gênio..."

De lá para cá teria mudado a situação, Sr. Presidente? É evidente que não. O nosso Código Penal é de 1940, e se algo mudou em relação aos dias de hoje foi o aumento da capacidade de entendimento dos menores, não mais diferenciada em razão das decantadas diversidades regionais de outrora, já que o alcance nacional dos meios de comunicação eliminou o peso da desinformação que poderia marcar os adolescentes dos tempos idos.

Também não deve o legislador deixar-se influenciar pelo frágil argumento da inexistência de estabelecimentos carcerários adequados no País, o que acarretaria aos condenados juvenis uma inaceitável convivência com os delinqüentes adultos. Se o princípio é válido, a solução até agora encontrada é completamente errônea. Tantos e tão grandes têm sido os danos causados à sociedade por esses menores criminosos, que menos dispendioso para a Nação seria a alocação de recursos necessários à construção de presídios especiais para abrigá-los, e dentro dos quais implantar-se-ia um sistema carcerário amoldado aos ensinamentos da moderna pedagogia corretiva, com a devida estrutura para fornecer-lhes o apoio psicológico e psiquiátrico recomendados à sua posterior reinserção social.

Tenho para mim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que passado mais de meio século de existência do nosso Código Penal, é hora de nos libertarmos das discussões bizantinas em torno da intocabilidade dos limites fixados para a maioridade penal, mormente quando esta se refere aos crimes contra a vida ou contra o patrimônio, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Repito: cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Ela não só deve ser alterada como fixada constitucionalmente, conforme a Proposta ora apresentada. Acredito na sua aprovação pelos meus Pares, como também estou convicto do seu apoio pela imensa maioria da sociedade brasileira. E aí que entra a nossa responsabilidade política, inteiramente diversa da responsabilidade do jurista, que é puramente técnica no seu discurso jurídico-penal, reservando-se ao legislador a tarefa de aferir se o conteúdo do Direito está em consonância com o direcionamento desejado pela sociedade.

Essa sociedade que já está cansada de pieguices quando se trata do tratamento penal ao criminoso entre 16 e 18 anos, ainda mais quando lhes foi dado o direito de participar na escolha dos mandatários da Nação, não obstante os sofismas usados em torno do caráter não obrigatório desse voto. Por mais que sofismem os adversários da mudança, não resta a menor dúvida que o direito de voto aos 16 anos é o reconhecimento explícito da maturidade desses jovens, independentemente da obrigatoriedade quanto aos seus exercícios.

Devemos lembrar, ainda, que o nosso País permite a obtenção de carteira de piloto privado aos 16 anos de idade. Portanto, o jovem, a partir dessa idade, desde que habilitado, está autorizado a pilotar aviões com passageiros e a aterrisar nos aeroportos nacionais. Se isso não corresponder a um reconhecimento da maturidade desses jovens, não sei mais, Sr. Presidente, o que o corresponderia.

Alonguei-me, talvez demasiadamente, nas considerações que entendi fazer em torno da questão. Quero encerrar, ressaltando que a redução pretendida não tem o escopo principal de enviar para a prisão os criminosos dessa faixa etária. Seu objetivo maior é o de lhes dar a responsabilidade penal que os tempos presentes estão a impor. Tal qual o exercício de voto que lhes foi concedido, também é voluntária a sua participação nas condutas criminais violentas que a proposta enquadra. A redução da maioridade penal, nesses casos, terá o condão de conscientizá-los definitivamente sobre a imperiosa necessidade do cumprimento da lei, já que não estarão mais cobertos pelo manto da irresponsabilidade atual, facilitada pela legislação especial, que raramente é aplicada com o rigor desejado pela sociedade.

A proposta, assim, antes de ser meramente punitiva, é muito mais educativa, na medida em que criará a mentalidade de que o desrespeito à vida ou ao patrimônio, cometido com violência, não tem mais como escapar da sanção penal, cuja aplicabilidade hoje está nas mãos de um Judiciário que, com essa postura excessivamente paternalista, está a provocar no povo um acréscimo na sua já perigosa descrença quanto ao seu direito à segurança e a estimular os criminosos juvenis pela brandura das penas a que têm sido sentenciados.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/1996 - Página 7185