Discurso no Senado Federal

VISITA AO AMAPA DA EX-PRIMEIRA DAMA DA FRANÇA, SRA. DANIELLE MITERRAND E DA SRA. DIOLINDA ALVES DE SOUZA, LIDER DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. SOLICITANDO TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DO ARTIGO DO SENADOR DARCY RIBEIRO INTITULADO PACOTE SINISTRO, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DE HOJE.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • VISITA AO AMAPA DA EX-PRIMEIRA DAMA DA FRANÇA, SRA. DANIELLE MITERRAND E DA SRA. DIOLINDA ALVES DE SOUZA, LIDER DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA. SOLICITANDO TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DO ARTIGO DO SENADOR DARCY RIBEIRO INTITULADO PACOTE SINISTRO, PUBLICADO NA FOLHA DE S.PAULO DE HOJE.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1996 - Página 7588
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, CONJUGE, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, LIDER, SEM-TERRA, ESTADO DO AMAPA (AP), SOLIDARIEDADE, DEFESA, REVOGAÇÃO, DECRETO FEDERAL, AUTORIZAÇÃO, REVISÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, PAIS.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, DARCY RIBEIRO, SENADOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), RELAÇÃO, EFEITO, DECRETO FEDERAL, AUTORIZAÇÃO, REVISÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AUMENTO, NUMERO, CONTESTAÇÃO, AMEAÇA, PROPRIEDADE, INDIO, RESPONSABILIDADE, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA (PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de, nesta oportunidade, registrar que o Amapá recebeu na segunda-feira passada, portanto, há oito dias, uma comitiva, integrada por personalidades muito importantes, bastante conhecidas no Brasil, e uma conhecida mundialmente: a ex-Primeira-dama da França, Danielle Mitterrand, e a outra personalidade, já bastante conhecida dos brasileiros, a Diolinda, líder do Movimento dos Sem-Terra, que esteve também acompanhando a comitiva que visitou o nosso estado.

A ex-Primeira-dama da França, Danielle Mitterrand, num dos pontos culminantes de sua visita ao Amapá, esteve numa aldeia indígena, a aldeia do Manga, localizada no extremo norte do País, no Município de Oiapoque. Na aldeia do Manga vivem aproximadamente mil índios, e na região do Oiapoque residem mais de três mil índios de três etnias: os karipunas, os galibis e os palikurs.

Na aldeia do Manga houve uma reunião em que a ex-Primeira-dama da França pôde demonstrar sua solidariedade à questão que está sendo levantada no País por aqueles que defendem as causas indígenas em prol da revogação do Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro deste ano, por meio do qual o Presidente da República admite a revisão das áreas indígenas já demarcadas e não homologadas e das que estão em fase de demarcação.

A ex-Primeira-dama da França adotou essa causa como sua e comprometeu-se, no Amapá, perante as autoridades presentes, as lideranças indígenas e os próprios moradores de Manga e de outras aldeias da região, a lutar, em nível internacional, para que o mundo possa unir-se com os brasileiros que lutam pela revogação desse decreto, que já provocou mais de 1.000 contestações em aproximadamente 70 áreas indígenas no nosso País.

Esse fato deve ser registrado nos Anais do Senado da República e a nível nacional também, para que os brasileiros tomem conhecimento de que o mundo está atento para o que se faz aqui no Brasil.

Essa questão indígena interessa a outros países, mas muito mais a nós, brasileiros, haja vista que as terras indígenas constituem-se, na verdade, em áreas de preservação do meio ambiente. Além dessa, há outras questões já colocadas, como a necessidade que o índio tem de um espaço amplo, a própria terra, da qual praticamente ele tira o sustento para sua família. Daí a sua importância também do ponto de vista ambiental, ecológico, e não só do ponto de vista mais estrito de uma questão indígena.

Temos no Senado lamentado e contestado esse Decreto nº 1.775, do Presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja procedência, pelas informações que temos, é do Ministério da Justiça, do Ministro Nelson Jobim. É lamentável que o Ministro da Justiça, que deveria realmente estar afeito à garantia do espaço para todos viverem, da sobrevivência dos índios, da preservação de direitos humanos, lembrando-se que o direito à vida é o principal, primordial direito da pessoa humana. É lamentável que o Ministro da Justiça tenha agido, nesta questão indígena, na contramão da história, tutelando um decreto que coloca os povos indígenas do nosso País insatisfeitos e incertos quanto ao seu futuro, criando uma possibilidade muito grande de recrudescimento dos conflitos nas áreas indígenas.

A visita de Danielle Mitterrand é de extrema importância, sobretudo na área já mencionada. Acreditamos no seu compromisso de fazer repercutir pelo mundo afora - inclusive na França, que receberá, em breve, a visita oficial do Presidente Fernando Henrique Cardoso - sua defesa para que seja revogado o Decreto nº 1.775.

A presença de Diolinda de Souza foi importante e significativa, porquanto pôde demonstrar - constatei isso, pessoalmente - que o que houve em Eldorado dos Carajás foi um verdadeiro massacre contra os trabalhadores sem-terra. Hoje há indícios fortes de envolvimento de pistoleiros entre os policiais, de que propina teria sido paga a policiais para que executassem lideranças daquele movimento. Caso se confirmem esses indícios, tudo começaria a ficar mais cristalino quanto à ação preparada da Polícia Militar daquele estado.

Diolinda naquele momento foi importante, pois entregou nas mãos de Danielle Mitterrand um dossiê, solicitando que fosse entregue à ONU, a sua Comissão de Direitos Humanos. A ex-Primeira-dama comprometeu-se em levar este dossiê e entregá-lo à Comissão de Direitos Humanos da ONU.

E há de se perguntar: mas será que o Movimento dos Sem-Terra não tem interesse também nas terras indígenas? Nós, pelo menos, estamos tentando ter do Movimento dos Sem-Terra a compreensão de que existem muitas outras áreas pelo País afora, não produtivas, improdutivas, portanto, e que podem muito bem servir para os assentamentos, e que as terras indígenas devem ser preservadas de possíveis invasões, até porque, se considerarmos o total de índios que moravam no Brasil na época do descobrimento e o número que temos hoje de indígenas: em torno de 300 mil, para aproximadamente 6 milhões na época da descoberta, e se considerarmos que, na época, o território era todo o nosso País e que hoje o território indígena está reduzido a uma pequena parte do nosso território, há de se entender que não há necessidade de que o Movimento dos Sem-Terra invada as terras indígenas. Portanto, é possível compatibilizar os interesses dos Sem-Terra com os interesses indígenas. É isso que todos temos esperança de que aconteça.

A respeito da questão indígena, e também numa abordagem sobre a questão do Movimento dos Sem-Terra, o Senador Darcy Ribeiro, companheiro nosso, e eminente membro do PDT, fez publicar hoje na Folha de S. Paulo um artigo intitulado "Pacote Sinistro". Vou fazer a leitura de alguns trechos desse artigo do Senador Darcy Ribeiro, e gostaria de solicitar à Mesa que seja inserido nos Anais da Casa o texto, seja transcrito o teor integral deste artigo.

Afirma Darcy Ribeiro em seu artigo:

      "O sinistro Ministro da Justiça jogou nos braços de FHC um pacote com a cara dele: medonho! São mais de mil contestações sobre 70 territórios indígenas. Ele dizia que elas não chegariam a dez: desastrado!

      O que o Governo faz é provocar a inquietação e o medo que grassam, hoje, em milhares de aldeias indígenas. São velhos e velhas ensinando a meninada índia a chorar e a brigar pelo que é essencial: seu território."

Em outro trecho:

      "É a dor dos mais de 300 mil índios que sobraram dos 6 milhões que existiam, depois de 500 anos de matanças e espoliações."

E um pouco mais à frente, afirma:

      "Colocar esses refúgios indígenas em contenda judiciária só cabe na cabeça do sinistro."

E aqui, logicamente, faz uma referência ao Ministro.

      "É como se o Itamaraty abrisse debates na Justiça sobre os nossos 15 mil quilômetros de fronteiras com os países hispano-americanos. Eles tomariam até Brasília."

E depois mencionar outras questões de interesse indígena, cita a questão dos latifúndios e latifundiários, que, na verdade, utilizam as suas propriedades de forma predatória e com motivos obscuros, com objetivos escusos, como no caso de um megaempresário brasileiro, o empresário Cecílio do Rego Almeida, que adquiriu uma fazenda no sul do Pará de quatro milhões de hectares, sendo que 1/4 (um quarto) dessa fazenda pertence aos índios caiapós. Logicamente, o objetivo básico daquele empresário é provocar uma contenda no Judiciário, que poderá certamente gerar naquela área um conflito.

Dessa forma, o que quer mostrar Darcy Ribeiro nesse trecho do seu artigo é que os interesses dos latifundiários nem sempre são pela exploração racional e econômica de suas propriedades, mas na maioria das vezes se transformam em áreas improdutivas, e o único objetivo dessas pessoas é a comercialização futura de tais áreas.

Mais na frente, Darcy Ribeiro afirma:

      "É, pois, causa de salvação nacional mandar esse ministro para casa e pôr lá um homem de bem, que tenha sensibilidade para se colocar no lugar dos povos índios, dos povos sem-terra e também dos sem-teto e dos sem-pão, com a predisposição de respeitá-los e reconhecer seus direitos imemoriais.

      Isso é o que digo a você, Fernando Henrique, insistindo em que você não merece tanta malvadeza ministerial, em que, se deixar esse ministro à solta, acabará sendo figurado como um governo detestável na história."

O que li, portanto, são alguns trechos do artigo do Senador Darcy Ribeiro, publicado hoje na Folha de S.Paulo, sob o título "Pacote Sinistro".

O Sr. Bernardo Cabral - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Sabe V. Exª que esse problema de ocupação de terra indígena foi um dos que, ao longo dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, mais se debruçaram os integrantes de então. Recordo-me - e está presente à Casa o Senador José Fogaça, que foi Relator-Adjunto - de quantas vezes reunimo-nos com líderes indígenas para tratar exatamente disso que V. Exª acaba de enfocar, com muita propriedade. O nosso colega, Senador Darcy Ribeiro, especialista na matéria, desenvolve um raciocínio que dificilmente alguém se poderá contrapor a ele, ou seja, com relação à maldade que se possa fazer ao Presidente da República - que também foi Constituinte, participou e aprovou o Texto Constitucional -, numa hora em que o mundo já não é mais o de oito anos atrás. Todavia, V. Exª sabe tão bem quanto eu, Senador Sebastião Rocha, por ser de uma área onde temos contato com indígenas, que se trata de um povo sempre posto à margem da história. Observe que alguns países do mundo que dizimaram os seus índios querem agora nos dar lições, como se não déssemos a devida valia - e aí está o dispositivo constitucional que criou um capítulo para os índios - e como se não tratássemos os índios como merecem. Realmente, a grande verdade, irrefutável e indiscutível, é que quando o colonizador aqui chegou essas terras já eram habitadas pelos índios. Portanto, pela posse, ainda que não tivessem a chamada propriedade registrada em cartório, as terras pertenciam a eles. Quero dizer a V. Exª que a abordagem que faz do artigo do Senador Darcy Ribeiro não é apenas como colega do mesmo partido, V. Exª o faz com a serenidade do médico que desenvolveu sua profissão, conquistou amigos numa área em que, tantas vezes, os seus pacientes eram índios. Associo-me à análise de V. Exª e entendo que no caso não entra nenhuma questão político-partidária ou qualquer questão ideológica. Entra uma questão de justiça e dela não me posso omitir.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Bernardo Cabral, que muito engrandece o meu discurso.

Quero dizer que nós, do Amapá, já fiz referência sobre isso muitas vezes neste plenário, temos a possibilidade de relatar os fatos da relação Governo e povos indígenas. Lógico que se trata de um relacionamento novo, instalado com a posse do Governador recém-eleito, há um ano e quatro meses. Mas, lá, conseguimos estabelecer um processo de cooperação, de convênios entre o Governo do Amapá e os índios, através da Associação dos Povos Indígenas.

São construídas naquela região escolas, o Governo repassa recursos para aquisição de merenda escolar, para a construção de postos de saúde, para a compra de embarcações, de geradores de energia etc.

O que quero demonstrar, pois penso que o Amapá pode emprestar essa experiência ao resto do Brasil, é a possibilidade da convivência pacífica, que, uma vez estabelecida, engrandeceria a Nação brasileira e serviria de modelo para os outros Estados.

Fiz referência à presença da ex-Primeira Dama da França, Danielle Mitterrand, e V. Exª mencionou os outros povos que acabaram por dizimar os índios que habitavam as suas nações, como os Estados Unidos. Neste sentido, por que temos que recorrer a outras lideranças, a outros povos?

É porque entendemos que o Governo, neste momento, tomou uma atitude que não faz bem ao Brasil e não faz bem a essa relação dos brasileiros com os seus índios. Assim, qualquer aliança, qualquer apoio emprestado a essa causa por qualquer liderança internacional é considerado bem-vindo.

Por esse motivo, estou aqui saudando o apoio da ex-Primeira Dama da França a essa causa, que é uma causa minha e que V. Exª demonstrou há pouco ser sua também.

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V. Exª novamente um aparte?

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral - Perdoe-me se o interrompo novamente, mas é que agora precisamos definir um ponto. Sabe V. Exª, e se não sabe é por um problema de idade, quando o governo militar se estabeleceu, que a única forma de haver protesto contra ele era através da imprensa e das lideranças lá fora. Isso virou um hábito, mas naquela altura não tínhamos um Governo democrático ou o exercício da democracia. Hoje, quando nós, lá fora, continuamos a usar a mesma forma de atuação, acabamos prejudicando nosso País. Observe bem, quando, no passado, se falava que o filho de um general - isso foi publicado num jornal de grande circulação na França -, havia recebido um tiro na cidade de Petrópolis, era uma forma de obter grande publicidade. Hoje, porém, não há mais razão para continuarmos usando esse método porque já temos canais aqui para isso: o Parlamento está aberto e todos os jornais estão circulando. É evidente que a presença de uma ex-primeira-dama como a Sra. Danielle Mitterrand não tem por que não engrandecer essas reivindicações. Mas é preciso que tenhamos ciência de que esses problemas nós os devemos resolver internamente, sob pena de nossa presença no cenário internacional ser maculada por alguns senões que talvez não fossem oportunos no momento. Era apenas o registro que queria fazer dessa diferença, dessa nuance de problemas de antes e de agora.

O SR. SEBASTIÃO ROCHA - Acho importante a observação de V. Exª, Senador Bernardo Cabral. Também entendo que não devemos protagonizar o desgaste do Brasil lá fora nem macular a imagem do nosso País. Mas o apoio que a ex-primeira-dama dará a esta causa certamente será junto às entidades que inclusive se propõem a financiar a demarcação de terras no País.

Creio que aí o Brasil entra numa contradição. Ao mesmo tempo em que pede recursos lá fora, coloca em revisão, por intermédio de um decreto, as terras indígenas já demarcadas.

É preciso que essas entidades internacionais, que os governos das outras nações, que apóiam a demarcação das terras indígenas no Brasil, tenham conhecimento do que está acontecendo aqui e possam, sim, conversar e convencer o Presidente da República a rever o seu decreto, para continuarem financiando projetos dessa natureza aqui no País. Que credibilidade pode ter o Governo de chegar junto a uma outra nação, ou junto a uma organização não-governamental que defende a causa indígena, e solicitar recursos para demarcar terras, se, ao mesmo tempo, coloca em revisão terras já demarcadas, apenas não homologadas, e todas as demais em fase de demarcação? São aproximadamente 344 áreas indígenas que estão nessa situação, das 554 existentes no Brasil.

É importante a visita da ex-Primeira-Dama nesse aspecto: o de convencer os governos das outras nações, sobretudo no Parlamento Europeu, de convencer as ONGs a exigir do nosso País um compromisso fiel e leal de que realmente vai trabalhar em favor da causa indígena, vai fazer as demarcações devidas com os recursos que vierem de fora, senão o dinheiro vem e o Governo coloca para revisão as terras já em processo de demarcação.

Isso não é justo, não é correto, e por isso é que nós queremos as lideranças internacionais aliadas a essa causa.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1996 - Página 7588